BUSCA POR ESPÉCIES

Pequena árvore de azevinho perdida há 186 anos é encontrada em Igarassu

Depois de examinar espécies históricas e acompanhar possíveis avistamentos com 45 anos de intervalo, uma equipe redescobriu a árvore, identificando-a por suas pequenas flores verdes

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JC

Publicado em 25/09/2023 às 19:04
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Uma expedição em busca Pernambuco redescobriu uma pequena e discreta árvore de azevinho (Ilex sapiiformis), que escapou de botânicos e conservacionistas por quase dois séculos. A árvore, que pode atingir entre 8 e 12 metros de altura, foi encontrada em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife. O local onde a equipe encontrou a árvore já foi uma densa floresta tropical atlântica, mas agora é composta principalmente por áreas urbanas cercadas e intercaladas por plantações de cana-de-açúcar.

A equipe da expedição, liderada por Gustavo Martinelli, ecologista da Navia Biodiversity Ltd., passou seis dias vasculhando diferentes áreas do Grande Recife e no dia 22 de março encontraram quatro das árvores. O azevinho pernambucano está entre as 25 espécies perdidas mais procuradas pela Busca por Espécies Perdidas e é o nono a ser redescoberto desde o lançamento do projeto em 2017. 

"O azevinho pernambucano está em situação de emergência agora”, disse Martinelli. “Pode estar à beira da extinção porque, até onde sabemos, existem apenas quatro indivíduos da espécie. E esses indivíduos estão em uma área de mata ciliar degradada, apesar de protegidos por lei", alerta. 

O azevinho pernambucano foi coletado pela primeira vez para a ciência ocidental pelo naturalista George Gardner em 1838 em uma expedição, e mais tarde foi oficialmente descrito por Siegfried Reissek em 1861. Até a recente redescoberta, a coleção da espécie por Gardner era o único avistamento confirmado conhecido.

Durante vários meses, antes de ir a campo em busca do azevinho pernambucano, Martinelli trabalhou com uma pequena equipe de pesquisadores para vasculhar meticulosamente os acervos de herbários, jardins botânicos, museus e instituições acadêmicas em busca de amostras da árvore. Com a ajuda de Juliana Alencar, pesquisadora local e assistente do projeto da expedição, e de Milton Groppo, pesquisador da Universidade de São Paulo, Martinelli pesquisou bancos de dados virtuais, vasculhando 12 mil amostras de todo o mundo, mas não conseguiu encontrar uma partida.

Depois de encontrarem coleções virtuais vazias, eles visitaram coleções de herbários no Brasil que não foram digitalizadas. Esse esforço rendeu mais sucesso. Eles encontraram dois exemplares não identificados do azevinho pernambucano: um coletado em 1962 e outro em 2007. O exemplar de 2007 continha informações muito mais precisas e úteis sobre o local onde foi coletado, auxiliando na busca em campo.

A equipe da expedição acabou identificando quatro áreas na região metropolitana do Recife para procurar o azevinho pernambucano. Existem muitas espécies diferentes dentro do grupo de azevinhos ao qual pertence o azevinho pernambucano e identificá-las é extremamente difícil. Cada azevinho pernambucano é macho ou fêmea, o que significa que possui estames (partes reprodutivas masculinas) ou pistilos (partes produtivas femininas). Os especialistas e parabotânicos da equipe conseguiram identificar o azevinho pernambucano pelas suas minúsculas flores verdes. Eles encontraram quatro das árvores – dois machos e duas fêmeas – em uma área florestal às margens de um pequeno rio.

“No momento em que encontramos Ilex sapiiformis, parecia que o mundo tinha parado de girar”, disse Alencar. “A natureza nos surpreende. Encontrar uma espécie da qual não se ouve falar há quase dois séculos não acontece todos os dias. Foi um momento incrível, e a emoção foi sentida por toda a equipe. Quando olhei para o professor Milton Groppo, vi que ele estava com lágrimas nos olhos.”

Divulgação
Após ser achado em Igarassu, pesquisadores vão procurar o avezunho no Jardim Botânico do Recife - Divulgação

Uma equipe do Jardim Botânico de Recife está monitorando os quatro azevinhos pernambucanos encontrados pela equipe da expedição, retornando semanalmente ao local para verificar se as árvores estão frutificando. A equipe espera coletar sementes da árvore e germiná-las.

“Estávamos todos ansiosos para encontrar a planta”, disse Groppo. “E foi emocionante quando encontramos o primeiro indivíduo de Ilex sapiiformis, graças ao olhar atento do Sr. Lenilson, que conseguiu encontrar algumas flores brancas em uma árvore ao longo da estrada de terra. Foi como encontrar um parente perdido e esperado, que você só conhece por retratos antigos. Agora, poderemos estudar melhor a espécie e pensar em ações para protegê-la e propagá-la, já que agora saiba que não está extinto na natureza.”

JARDIM BOTÂNICO

A busca por mais azevinhos pernambucanos ainda não acabou. Martinelli espera organizar buscas adicionais com o Jardim Botânico de Recife e outros parceiros locais em Recife para encontrar mais indivíduos da espécie. Ele também espera trabalhar com parceiros para proteger melhor a floresta do Recife onde o azevinho pernambucano foi encontrado e estabelecer um programa de reprodução em cativeiro da árvore.

“É incrível que o azevinho de Pernambuco tenha sido redescoberto numa área metropolitana que abriga quase seis milhões de pessoas”, disse Christina Biggs, oficial do programa de espécies perdidas, Re:wild. “Não costumamos pensar que as plantas estão perdidas para a ciência, porque não se movem como os animais, mas são igualmente parte integrante dos ecossistemas dos quais são nativas. Mesmo que uma planta não tenha sido avistada confirmada em 186 anos, ela ainda pode estar nos últimos vestígios da natureza em algum lugar, e esta árvore é um exemplo perfeito de por que é importante continuar procurando.”

A equipe completa da expedição em busca do azevinho pernambucano incluiu: Gustavo Martinelli, Juliana Alencar, Milton Groppo, Ladivania Medeiros do Nascimento, pesquisador e diretor do Jardim Botânico de Recife, Marcos Chagas, parabotânico e assistente de campo, Lenilson Barbosa dos Santos, parabotânico e assistente de campo assistente. Jefferson Maciel, secretário de Meio Ambiente do município do Recife, também colaborou com a equipe da expedição.

Desde o lançamento do programa Search for Lost Species em 2017, trabalhando com parceiros em todo o mundo, Re:wild confirmou a redescoberta de: a salamandra trepadeira de Jackson na Guatemala, a abelha gigante de Wallace e a planta de jarro de veludo na Indonésia, a planta de dorso prateado Chevroletno Vietname, o sengi somali no Djibouti, o camaleão Voeltzkow em Madagáscar, a tartaruga gigante Fernandina nas Galápagos e o caranguejo da Serra Leoa na Serra Leoa.

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