Musicista recifense cria trilhas sonoras para filmes e games em Los Angeles. "É preciso acreditar nos sonhos", diz
A pianista Hannah Cabral estudou na Berklee College of Music, em Boston, para produzir trilhas de filmes, documentários e videogames para a indústria internacional de entretenimento. Sonhar e realizar é o que ela defende
Naquela época, Hannah era criança e ainda não sabia explicar o que sentia. Os cultos evangélicos, que frequentava com os pais, conduziam a menina a um universo mágico. As vozes, os instrumentos, as pessoas cantando juntas. Era como se a música lhe ocupasse todos os sentidos. Em casa, lá estava ela outra vez: a música. Invariavelmente, os encontros da família Cabral se transformavam em pequenos eventos musicais, com tios e primos cantando e tocando.
Desde muito pequena, a música faz parte da história, da crônica da vida de Hannah Cabral, de 31 anos. Filha de Dona Marta e Seu Edson, recentemente, a musicista recifense fez as malas e desembarcou em Los Angeles (EUA). Foi emprestar seu talento e sensibilidade no piano na criação de trilhas sonoras para filmes e games nos bastidores de Hollywood.
A história de Hannah com a música tem quase 20 anos, começando em 2005, quando iniciou os estudos formais no Conservatório Pernambucano. Depois, continuou sua formação cursando licenciatura em música, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). As experiências práticas vieram dos trabalhos nas igrejas Família Cristã e Batista do Feitosa, de passagens por escolas como Tio Bruninho e Conviver e de tocar em casamentos nos finais de semana.
SONHAR PARA CONQUISTAR
A trajetória da pernambucana inspira outras pessoas a sonhar o que, muitas vezes, parece inalcançável. Na avaliação da musicista não exíste fórmula nem milagre. No seu caso, as conquistas vieram da paixão pela música, da disciplina, da vontade de experimentar, da dedicação, do trabalho, de uma boa dose de ousadia e do desapego para se permitir sonhar. Em matéria de sonho, aliás, ela teve a melhor orientadora.
Professora de formação, sua mãe, Dona Marta, sempre incentivou as filhas Hannah e Sarah a acreditar nos sonhos. Foi asssim quando desejou ter seu primeiro piano, em 2007.
"Fomos à casa da senhora que estava vendendo o piano, mas o valor era muito alto e a gente não conseguia comprar. Voltamos de lá com uma foto do instrumento. Minha mãe disse que eu colasse a imagem na parede, no lugar onde o piano ficaria na casa. Todas as vezes que eu passasse eu pensaria que um dia ele seria meu. Imagina uma mãe dizer isso a uma adolescente", conta Hannah.
Não passou muito tempo, Dona Marta voltou a negociar com a vendedora do piano, dessa vez eliminando a presença do intermediário. O valor caiu e foi possível comprar o Fritz Dobbert de Hannah. A mãe deu a boa notícia à filha quando já estava à caminho de casa transportando o instrumento.
'MEU QUINTAL É O MUNDO'
Durante a pandemia, Hannah pensou que deveria experimentar mais na música. Em 2017 ela tinha assistido uma palestra sobre a Berklee College of Music, que faz música para a indústria de entretenimento e para todo o tipo de mídia, principalmente digital. Fiocu sabendo que tinha um recifense estudando lá.
"Era Bruno, um colega da univerdidade. Eu lembrava dele tocando violão sentado lá pelos bancos da Federal. Agora ele estava em Boston, fazendo trilhas sonoras para filmes e videogames. Eu pensei: se ele pode eu também posso. E lembrei da minha mãe falando que a gente precisa já se imaginar fazendo aquilo o que quer, antes mesmo de acontecer", recorda.
A pianista conta que foi no site buscar informações sobre a escola e descobriu que ir para lá custava uma fortuna. Era preciso comprovar que dispunha de US$ 69 mil para custear o primeiro ano de estudos e moradia antes de receber uma carta da escola e levar até o consulado para tirar o visto. Com a renda de motorista de ambulância do pai e de secretária de hospital da mãe, além dos seus trabalhos, como chegaria a esse valor?
Mesmo diante do que parecia impossível, ela fez o teste e foi aprovada. Depois passou um tempo cursando à distância, até que um dia chegou o momento de decidir se iria para lá. Os pais venderam o carro da família, Hannah vendeu todos os seus instrumentos musicais, inclusive o piano Fritz Dobbert, além de fazer uma vaquinha virtual para complementar o valor. Em 2021, na data do seu aniversário: 25 de junho, ela recebeu o visto.
A pianista recifense conta que quando surgiu a oportunidade, ela teve que decidir se pensava nas suas condições ou na sua vida. "Eu olhei para a a minha vida, para todas as coisas que realizei. Se eu pensasse apenas nas minhas condições eu não iria a lugar nenhum. Eu pensei: você vai aceitar essa oportunidade ou vai ver como a algo que não é para você, como mais uma porta fechada da sua cara? Aí eu vendi o que pude, coloquei a minha cara na internet e consegui ajuda", relembra.
Na metade de 2023 Hannah se formou na Berklee College of Music com experiência para criar trilhas sonoras para filmes, TV e videogames. No curto tempo em Los Angeles já conquistou o prêmio Women in Game Audio, dedicado a mulheres que trabalham com áudio para videogames.
No seu currículo internacional já conta com composições para vigeogames ("Your Average Bear", que pode ser baixado no Steam), curtas ("Inadequate", que fez a sua estréia no Poppy Jasper International Film Festivale, neste mês de abril) e documentários ("Alive", premiado no Hollywood Gold Awards em novembro de 2023). O plano, agora, é criar a trilha de um longa metragem.
"Para mim, a música é uma expressão da alma das pessoas e uma paixão na minha vida. Meu objetivo é compartilhar a minha história e inspirar pessoas a seguirem seus sonhos, porque se alguém conseguiu, a gente também pode!", conclui Hannah, que desafiou o impossível e ouviu sua música ganhar o mundo.