Agricultores em Pernambuco denunciam invasão, envenenamento e ataques armados em disputa por terra
Só em 2023, a pesquisa Conflitos no Campo Brasil, realizada pela Comissão Pastoral da Terra, registrou 9 conflitos por terra e duas ameaças de morte
Episódios de violência têm sido recorrentes na comunidade rural de Barro Branco, no município de Jaqueira, Zona da Mata Sul de Pernambuco. É o que relatam os agricultores da região.
As terras, passadas de geração em geração, são fonte de subsistência e de renda para a comunidade local.
Em entrevista ao JC, uma agricultora que preferiu não se identificar relatou que desde 2015 os moradores sofrem ameaças de expulsão, além de violências de diversos tipos: cercamento das águas, envenenamento das cacimbas com o uso de drones e perseguições aos camponeses.
Estamos sendo perseguidos e vigiadosAgricultora
A moradora também afirmou que o grupo não conseguiu registrar um Boletim de Ocorrência na delegacia do município de Jaqueira, por alegações de que não há equipe ou papel na unidade.
Em nota, a Polícia Civil informou que “está investigando a ocorrência de homicídio tentado, no município de Jaqueira. Um inquérito policial foi instaurado para apurar as circunstâncias dos fatos.”
Os ataques têm prejudicado até a vida das crianças. A agricultora contou que durante os conflitos, vacas estão sendo soltas e algumas tentam atacar os moradores. Por isso, os pais e responsáveis estão acompanhando os menores até a escola para evitar ataques dos animais.
Invasões
Eram 8h do sábado, 28 de setembro, quando os moradores relatam que foram surpreendidos com invasões que resultaram em confrontos. Retroescavadeiras, quadriciclos, tratores e cerca de 50 homens tentaram destruir as plantações. A denúncia é de que o grupo faz parte da segurança da empresa Agropecuária Mata Sul S/A.
Em nota, a Agropecuária Mata Sul informou que, desde 2018, administra 2.400 hectares do Engenho Barro Branco e que investiu na produção pecuária, geração de energia e reflorestamento com 1,5 milhão de árvores plantadas. Segundo a empresa, ela é a segunda maior empregadora da região e tem buscado, sem sucesso, uma conciliação com os antigos ocupantes da terra, chegando a oferecer 300 hectares para apaziguar as tensões.
De acordo com a nota, em 2020, a empresa obteve uma decisão judicial que define os limites de atuação entre as partes, mas a Agropecuária Mata Sul alega que tem enfrentado invasões, destruição de cercas e incêndios em áreas de preservação. A empresa reforçou, ainda, que suas ações são pautadas no desenvolvimento sustentável e no respeito à decisão judicial, mas que o cumprimento dessa ordem tem sido desafiado.
"Em 2020, a Agropecuária Mata Sul obteve um interdito proibitório (n.º 74-18/2020), com decisão colegiada do Tribunal de Justiça de Pernambuco transitada em julgado. A decisão judicial determina que os envolvidos na ação, que são basicamente a Agropecuária Mata Sul e ocupantes que vivem em Barro Branco, se mantenham nas áreas onde se encontram no momento da decisão, respeitando-se os limites. Durante o último ano, a Agropecuária já registrou inúmeros boletins de ocorrência sobre invasões, destruição de cercas e áreas de pastagens, com pedido de respeito a essa decisão judicial, o que não vem ocorrendo. Ressalte-se ainda que diversas áreas preservação permanente recuperadas pela empresa também foram objeto de incêndios criminosos e destruição de mudas do bioma local. Situação que repete na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Frei Caneca, maior área de Mata Atlântica ao norte da Bahia, que apesar de decisão proferida pelo Poder Judiciário, desde fevereiro de 2024, padece com o desmatamento desenfreado por invasores para plantio de bananeiras, enquanto aguarda o cumprimento pelas autoridades estaduais", diz a empresa em nota.
Direitos Humanos
Em contato com o Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de Pernambuco, a reportagem apurou que as ameaças têm se consolidado com derrubadas de cercas que delimitam os espaços das lavouras e protegem a plantação, envenenamento das plantações, dos animais e de pessoas e ameaças de morte contra lideranças que residem nos engenhos.
O programa atua de maneira a garantir e salvaguardar a vida das pessoas, o direito de moradia e agricultura familiar.
Os defensores atuaram no dia 28 de setembro fazendo articulações com os serviços de segurança pública, justiça e as secretarias do estado para garantir a segurança da comunidade e a intervenção nas causas que geram as ameaças na região.
Através das redes sociais, a Comissão Pastoral da Terra - Regional Nordeste 2 cobrou das autoridades “uma atuação célere para combater as graves violações de direitos causadas às famílias de Barro Branco, além de uma rápida identificação e punição dos atiradores”.
Em nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) afirmou que a “Polícia Militar de Pernambuco realiza rondas diárias, no Barro Branco, no município de Jaqueira”. Ainda de acordo com o órgão, a “Polícia Civil de Pernambuco designou uma Força-Tarefa, composta por três delegados, para apurar os casos de conflitos fundiários na região. A PCPE informa ainda que providências foram tomadas e não é possível fornecer mais informações no momento para não atrapalhar as diligências em curso”.
A Polícia Militar de Pernambuco também se pronunciou sobre o caso, afirmando que buscou solução pacífica através da negociação entre as partes em conflito.
VEJA A NOTA COMPLETA:
“Na manhã do sábado (28), por volta das 9h, a Polícia Militar, por meio do 10º BPM, foi acionada para intervir em um conflito no Engenho Barro Branco, zona rural do município de Jaqueira, na Mata Sul pernambucana.
Ao chegar ao local, os policiais militares identificaram um ambiente tenso e solicitaram reforço, devido ao grande número de envolvidos.
Desde o início a PM buscou a solução pacífica através da negociação entre as partes em conflito: moradores da região e funcionários da propriedade.
Importante ressaltar que a Polícia Militar, em nenhum momento, fez uso de armas de fogo ou de equipamento não letal. O conflito resultou em cinco feridos, sendo todos socorridos e encaminhados para atendimento médico.
A situação foi controlada e a Polícia Militar permanece monitorando o local.”
CASO QUE SE ARRASTA POR ANOS
Os conflitos agrários no Engenho Barro Branco não são novidade para os moradores. Só em 2023, a pesquisa Conflitos no Campo Brasil, realizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), registrou 9 conflitos por terra e dois casos de ameaças de morte.
Cerca de 200 famílias foram envolvidas nos embates e os registros foram nos meses de fevereiro, abril, maio, junho, agosto, setembro e dezembro. Ou seja, durante quase todo o ano de 2023, a comunidade precisou lutar pela terra. As ameaças de morte registradas no levantamento foram de setembro.
O que atualmente é campo de batalha, já foi o terreno da Usina Frei Caneca, que, de acordo com relatos, decretou falência, no fim dos anos 1990. De acordo com a camponesa que concedeu entrevista ao JC, os posseiros lutam por direitos trabalhistas que não foram pagos no período em que a usina funcionava.
Por meio de nota, a Secretaria Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Prevenção à Violência (SJDH) afirmou ter recebido "com preocupação" informações acerca do cenário de violência no território do Engenho Barro Branco e afirmou que imediatamente a Comissão Estadual de Acompanhamento dos Conflitos Agrários Coletivos (CEACA), realizou as articulações necessárias para fazer cessar o cenário de violência fazendo contato, direto, com os órgãos de segurança responsáveis pela tomada das medidas cabíveis.
"Nesse sentido, também é importante registrar que, o Programa Estadual de Proteção aos Defensores(as) de Direitos Humanos de Pernambuco (PEPDDH/PE) tomou todas as medidas necessárias para a proteção dos camponeses que moram na região e que porventura estejam necessitando da proteção do programa. No mais, informamos que, além das tratativas realizadas de imediato, a comissão levará o assunto para ser tema, também, da próxima reunião da comissão marcada para acontecer na próxima quarta, 09 de outubro. Na oportunidade, os membros irão traçar novas estratégias e realizarão uma análise ampla acerca da situação dos conflitos agrários coletivos estabelecidos na Zona da Mata Sul", conclui.
Estamos sendo perseguidos e vigiados
Agricultora