Sonhos ruindo: famílias de habitacionais no Arruda temem desmoronamento da prometida moradia digna

Moradores dos Habitacionais Santo Antônio e Beira Rio convivem com o aparecimento de rachaduras nos blocos entregues em 2014 pela Prefeitura do Recife

Publicado em 11/10/2024 às 14:33 | Atualizado em 24/10/2024 às 8:46

O que em 2014 parecia ser a realização de um sonho, em menos de dez anos foi deixando a memória. No dia 2 de junho de 2014, a Prefeitura do Recife anunciava a entrega do Conjunto Habitacional Santo Antônio, no bairro do Arruda, Zona Norte da cidade. A celebração da gestão Geraldo Julio era de que 128 famílias que moravam às margens do Rio Beberibe estavam recebendo suas casas próprias e moradia digna.

Em 2023, mais de trinta famílias precisaram deixar esse sonho para trás. A dona de casa Maria Lindinalva de Santos, de 50 anos, precisou desocupar o apartamento com seus filhos, de 11 e 14 anos, porque no lugar de segurança e acolhimento, a moradia deles oferecia risco à vida. Podia desmoronar a qualquer momento.

Estalos na estrutura, rachaduras nas paredes e cerâmicas esfarelando sob os pés já faziam parte da rotina familiar.

“Nos primeiros quatro anos começaram a aparecer rachaduras, as portas e janelas não abriam mais. A gente se sentia ameaçado e já estava dormindo todo mundo na sala. Vieram para a gente desocupar o apartamento em 15 dias porque tinha risco”, relatou Maria Lindinalva.

Durante esse período, as famílias estão recebendo parcelas mensais do Auxílio Moradia, no valor de R$ 300.

“O bloco D tem várias pessoas idosas, acamadas e pessoas com autismo. Meu filho não quer nem ouvir falar no apartamento, nenhum morador quer voltar e eu estou com medo de voltar. A cada dia que passa as rachaduras estão se agravando mais”, explicou a dona de casa.

INSEGURANÇA ESPALHADA

Após a desocupação do bloco D, os moradores dos outros edifícios ficaram inseguros.

“Depois que o bloco D desocupou, ficamos mais assustados porque víamos que os outros prédios foram feitos do mesmo material. A gente fica ansioso e com medo da estrutura não aguentar. A gente queria que viessem para dar uma posição sobre o que a gente podia fazer”, contou a dona de casa Melina Brandão, de 39 anos, que divide o apartamento com o esposo, um filho de 6 anos e uma mãe cadeirante.

Guga Matos/JC Imagem
Melina Brandão é moradora do Habitacional Santo Antônio e convive com o medo do desmoronamento - Guga Matos/JC Imagem

A gente está muito assustado, é uma sensação muito ruim ir dormir à noite com medo

Melina Brandão

A obra teve um custo de 7,3 milhões. Ao todo, foram construídos quatro blocos, com 32 apartamentos cada. De acordo com as famílias, nos últimos dez anos nenhuma intervenção foi feita pela prefeitura na estrutura dos prédios.

“Quando chove, alaga dentro de casa os quartos e a sala. A gente se sente inseguro aqui, com risco de vida”, relatou Elaine de Oliveira, de 48 anos.

Em reunião plenária na Câmara do Recife em 2023, o vereador Felipe Alecrim falou sobre as condições do Habitacional Santo Antônio e os problemas estruturais apresentados nos apartamentos.

“O problema maior é porque a prefeitura não se posiciona, não apresenta prazo para conclusão da manutenção e devolução destes imóveis aos seus proprietários, além de só disponibilizar 300 reais de auxílio aluguel. É preciso dar atenção ao problema em questão, as famílias que já vivem em situação de vulnerabilidade estão sofrendo muito”, afirmou.

MAIS UMA DESOCUPAÇÃO

De acordo com os moradores, a entrega do Habitacional Santo Antônio foi a promessa da realização do sonho da moradia segura. As famílias foram removidas de comunidades na Campina do Barreto e Chão de Estrelas para terem acesso a apartamentos com melhor infraestrutura e mais dignidade.

Após a desocupação dos imóveis, 32 famílias precisaram deixar seus lares novamente. “A gente fica à mercê de esperar, mas a gente não pode esperar porque tínhamos a nossa casa e prometeram para a gente moradia digna. Cadê a moradia digna?”, enfatizou Maria Lindinalva de Santos.

A dona de casa afirmou que fez investimentos no apartamento, como reforma no banheiro, troca da porta da sala e de cerâmica na cozinha, e precisou deixar tudo para trás.

“Eles querem prometer consertar, mas a gente não consegue voltar. Tem pessoas que estão em depressão porque a gente saiu de lá no sonho de moradia digna”, lamentou.

Guga Matos/JC Imagem
Moradores do agora desocupado Bloco D têm medo de voltar para os apartamentos - Guga Matos/JC Imagem

Durante a entrega do conjunto, o então prefeito da capital pernambucana, Geraldo Julio, afirmou: “Não queremos fazer de qualquer jeito. Na minha gestão temos respeito com quem precisa da prefeitura. Todas as unidades que serão construídas durante o meu governo serão acabadas como estas aqui, com cerâmica, com tudo forrado, pintado, pronto para se morar e para que as pessoas possam de fato ter um lugar digno para se viver”.

PROBLEMA SE REPETE EM OUTRO HABITACIONAL

O risco de ver o sonho da casa própria desabar também atingiu moradores do Habitacional Beira Rio, no Arruda. Também entregue em 2014, as famílias do conjunto relatam que encontram rachaduras e problemas estruturais nos apartamentos.

Em portaria publicada no dia 7 de outubro de 2024, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) instaurou um inquérito civil para investigar o possível risco de desmoronamento em razão de rachaduras no habitacional.

Em nota, a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital do órgão informou que está acompanhando a situação dos habitacionais Beira Rio e Santo Antônio, no bairro do Arruda. Em relação ao Conjunto Habitacional Beira Rio, o MPPE afirmou que fará uma audiência sobre o residencial para ouvir a Prefeitura do Recife. Já em relação ao Conjunto Habitacional Santo Antônio, foi instaurada uma Notícia de Fato e o MP fará audiência sobre o residencial para ouvir a Prefeitura do Recife.

O QUE DIZ A PREFEITURA DO RECIFE

Em nota, a Secretaria de Saneamento do Recife (Sesan) informou que está monitorando de perto a situação dos conjuntos habitacionais Beira Rio e Santo Antônio, em parceria com a Defesa Civil.

A gestão afirma, ainda, que durante as vistorias, foram detectados problemas relacionados à falta de manutenção condominial, além de alterações inadequadas na estrutura decorrentes da instalação de equipamentos de ar condicionado e abertura de janelas. Veja a nota completa.

“A Secretaria de Saneamento do Recife (Sesan) informa que está monitorando de perto a situação dos conjuntos habitacionais Beira Rio e Santo Antônio.

Em 2022, foram finalizadas com sucesso as obras de recuperação estrutural de dois blocos do habitacional Beira Rio. Atualmente, estão em andamento as tratativas internas com o objetivo de iniciar o processo licitatório para a contratação da empresa que realizará os levantamentos técnicos necessários para os demais apartamentos, o que permitirá a contratação para execução das intervenções indispensáveis.

A equipe técnica da Sesan tem trabalhado em estreita colaboração com a Defesa Civil para realizar vistorias detalhadas. Essas ações têm como objetivo orientar a elaboração de laudos técnicos e identificar as necessidades de manutenção. Durante essas vistorias, foram detectados problemas relacionados à falta de manutenção condominial, além de alterações inadequadas na estrutura decorrentes da instalação de equipamentos de ar condicionado e abertura de janelas.

Vale destacar que, antes de receberem as unidades habitacionais, as famílias beneficiadas foram orientadas pelas equipes sociais da Sesan sobre gestão condominial e adaptação ao novo lar. Essa abordagem integrada visa garantir que todos estejam bem informados e apoiados durante essa transição.

A Sesan acrescenta que, após vistoria e laudo da Defesa Civil, foram identificadas fissuras no bloco D do Conjunto Habitacional Santo Antônio, que poderiam comprometer a estabilidade da edificação. Em decorrência disso, as 32 unidades deste bloco foram desocupadas, as famílias receberam um apoio financeiro de R$ 1,5 mil e estão incluídas no Auxílio Moradia para que possam se acomodar temporariamente em segurança. Foi concluído o laudo técnico que delineia as reparações necessárias e o processo de licitação para a execução das obras que possibilitarão o retorno das famílias está em andamento.”

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A gente está muito assustado, é uma sensação muito ruim ir dormir à noite com medo<br><br>

Melina Brandão

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