Nani: a menina que teve os dois braços amputados por causa de um choque e virou paratleta

Aos 10 anos, Nani sofreu uma descarga elétrica e precisou amputar os dois braços. Encontrou no esporte a chance de se realizar na vida e na profissão

Publicado em 05/11/2024 às 22:01 | Atualizado em 07/11/2024 às 13:57

Nani costumava brincar naquele sítio. Ficava a um quilômetro de caminhada da sua casa, no povoado Olho d’Água, em Canhotinho (Agreste pernambucano). No final da tarde do domingo, 10 de março de 1996, depois de tomar banho de rio, ela, a irmã mais velha Valdenice e uma amiga subiram em um pé de manga para tirar fruta. Nani se pendurou em um galho mais alto, onde passava um fio de alta tensão, sofreu uma descarga elétrica, ficou alguns minutos presa lá no alto e depois despencou de cima da árvore. A menina tinha 10 anos na época.

Foi uma "quase morte". Depois do acidente, em coma, ela só tornou a acordar uma semana depois, no Hospital da Restauração, no Recife, com queimaduras de terceiro grau. "Os médicos disseram a minha mãe que se eu sobrevivesse seria por um milagre", conta. Dias depois de despertar, a equipe médica lhe explicou que as queimaduras tinham sido muito severas e que seria necessário amputar seus dois braços. "Eu era criança, mas já entendia as coisas, era esperta. Então eu respondi que queria viver, que poderiam fazer a amputação", lembra. E assim foi. Nani teve os braços amputados um pouco abaixo da axila. 

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Nani Santos descobiu o atletismo em 2014, em Petrolina, e não parou mais - Divulgação

Foi um renascimento. Sem os membros, a menina precisou reaprender tudo. "Eu queria muito voltar para a escola e retomar minha vida. No começo minha mãe pagou uma moça para me acompanhar nas aulas e anotar as tarefas para mim e depois eu estudava e fazia as provas oralmente. Com o tempo aquilo não me serviu mais, porque eu queria fazer minhas coisas sozinha. Um dia vi na TV uma pessoa com a mesma deficiência que eu fazendo várias coisas com os pés e comecei a treinar", diz. Foi assim que Nanilza Silva (nome de batismo de Nani), hoje com 38 anos, reaprendeu a usar o próprio corpo. 

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Conquista da sua primeira medalha de ouro, no Recife, é memória especial na carreira da velocista - Divulgação

DETERMINAÇÃO E CORAGEM 

Nani tem uma tatuagem que fala muito sobre sua personalidade. Na parte que foi possível preservar do braço direito ela tatuou a palavra Empatia. É uma resposta imediata a quem olha atravessado para a sua deficiência. Um convite a se colocar na pele do outro. Mãe de Lucca, de 2 anos, e casada com Wanderson há 7 anos, Nanilza é uma mulher de personalidade forte. Não permite que as pessoas julguem sua capacidade pela deficência e conheceu no esporte o caminho que leva à realização profissional e à felicidade. 

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Nani, com o marido Wanderson, e o filho Lucca. Família unida pelo esporte - Divulgação

Depois de morar em Canhotinho e Lajedo, no Agreste, ela quis ir para uma cidade maior. Juntou a mudança e seguiu para Petrolina (Sertão) em 2008. Gostava de fazer academia até que, em 2014, uma amiga lhe convidou para conhecer a APA - Associação Petrolinense de Atletismo. "Eu não conhecia o esporte, porque na escola os professores de educação física não sabiam lidar com as pessoas com deficiência e, menos ainda, com uma biamputada. Colocavam logo que eu estava aprovada na disciplina e me excluíam", recorda. 

Nani relata que o acolhimento na APA foi completamente diferente. O professor foi logo lhe incluindo nas atividades e ela acabou se apaixonando pelo atletismo e se transformando na única biamputada no Brasil a estar nas pistas. Isso porque as pessoas com esse tipo de deficiência têm mais dificuldade de equilíbrio. Mais uma vez, a paratleta desafiou o impossível e desenvolveu uma técnica própria de correr - como se usasse os braços - para desbravar as pistas. 

DE VOLTA AO RECIFE 

Na trajetória de paratleta de Nani, ela guarda na memória um momento especial. Foi em 2015, quando veio participar de uma competição Norte-Nordeste no Recife. "Na prova de 100, 200 e 400 metros eu era a única velocista biamputada e disputei com mulheres que tinham os braços e as pernas. Então, eu já estava em desvantagem. Foi nesse dia que ganhei minha primeira medalha de ouro. Guardo com muito carinho porque é uma lembrança do meu início de carreira, de mais uma conquista diante de tantas adaptações e mudanças que eu tive que enfrentar", afirma. 

A vitória do Recife tem um signifiado especial, porque rememora tudo o que ela passou após o acidente. "Quando subi no pódio, senti um mix de emoções e lembranças de tudo o que eu passei. A menina de 10 anos, que quase morreu naquela cidade, subindo no pódio em primeiro lugar. Acredito que tudo isso tem relação com o propósito que Deus tem pra mim. Nada foi por acaso. Tinha que ser eu naquele acidente. Sonho que outras meninas se inspirem na minha imagem e também venham para o esporte", diz. Nos planos de Nani também está cursar faculdade de educação física e ajudar na inclusão de mais pessoas com deficiência nos esportes. E quem duvida que ela consegue? 

 

 

  

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