Vida na Favela: cenário é desigual em Pernambuco e infraestrutura pior que média nacional
Favelas e comunidades urbanas ainda são reflexo da necessidade de políticas habitacionais mais eficazes para populações vulneráveis
Pernambuco é o terceiro estado do país com maior número de favelas e comunidades urbanas, atrás apenas de São Paulo e do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados no mês passado, com base no último censo de 2022.
Da Região Metropolitana do Recife ao Sertão, o estado concentra 849 destes territórios e 474.809 domicílios. O tema está sendo abordado a partir desta semana pelo JC e por todos os veículos do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação.
Vida em Favela - Episódio 01
Cerca de 12% da população reside nestes espaços, o que equivale a mais de um milhão de pernambucanos. Este número é maior do que a quantidade de habitantes da cidade de Maceió, capital do estado de Alagoas, por exemplo.
Veja o ranking das favelas com mais habitantes no Estado:
- São Francisco - Cabo de Santo Agostinho: 11.167 habitantes
- Compesa - Jaboatão dos Guararapes: 11.148 habitantes
- Encanta Moça - Recife: 8.878 habitantes
- Jardim Piedade - Jaboatão dos Guararapes: 8.713 habitantes
- Carnequinha (Sapucaia) - Cabo de Santo Agostinho: 8.167 habitantes
- Chico Mendes (Linha Nova) - Recife: 7.786 habitantes
- Charneca - Cabo de Santo Agostinho: 7.731 habitantes
- Alto da Bondade - Olinda: 7.582 habitantes
- Nobre - Paulista: 7.497 habitantes
- Fragoso Setor B - Paulista: 7.438 habitantes
A maioria das 849 comunidades e favelas urbanas do Estado está localizada em grandes concentrações urbanas - só o Recife agrega 295 delas.
Do ponto de vista de cor ou raça, Pernambuco seguiu a tendência nacional: 58% da população desses territórios se declarou como parda, 27% branca, 15% preta, 0,16% indígena e 0,15% amarela. Os dados são do Censo 2022 do IBGE.
Para o instituto, são consideradas favelas e comunidades urbanas os territórios onde há predominância de domicílios com alto grau de insegurança jurídica, ausência ou oferta incompleta de serviços públicos e áreas com restrições à ocupação devido ao risco ambiental.
Nas três maiores favelas do estado: São Francisco, no Cabo de Santo Agostinho; Compesa, em Jaboatão dos Guararapes; e Encanta Moça, no Recife, os serviços de saúde e educação ainda são poucos. Mesmo somados, eles não representam um terço da quantidade de estabelecimentos religiosos, por exemplo.
Os habitantes das favelas Compesa e Encanta Moça só têm acesso a um estabelecimento de saúde, cada. Já as 11.167 pessoas de São Francisco precisam disputar por vagas e atendimento de duas unidades na comunidade.
"Há uma dificuldade inerente para dimensionar esses territórios que são bastante dinâmicos e em grande parte não têm limites oficialmente estabelecidos ou domicílios cadastrados pelos municípios, estados ou pelo governo federal", explica João Marcelo Santos, coordenador técnico do Censo Demográfico em Pernambuco.
Inadequação e déficit habitacional
As favelas e comunidades urbanas ainda são reflexo da necessidade de políticas habitacionais mais eficazes para as populações socioeconomicamente vulneráveis.
Morar é um desafio constante para os que estão em áreas de riscos, nos morros e sem acesso aos serviços básicos de infraestrutura urbana, o que expõe o cenário desigual no Estado.
"O problema da moradia em Pernambuco e na Região Metropolitana do Recife se trata de uma dívida histórica e que afeta principalmente as populações mais vulnerabilizadas", destaca a gerente de incidência em políticas públicas da Habitat para a Humanidade Brasil, Raquel Ludermir.
Para ela, é importante observar essas desigualdades urbanas a partir da inadequação e do déficit habitacional.
O déficit habitacional leva em conta o ônus excessivo com o aluguel, a coabitação e as moradias precárias. Só no Recife, o levantamento mais recente da Fundação João Pinheiro (FJP), com base na Pnad Contínua de 2022, destaca que há 54 mil moradias nessa situação na cidade.
Já a inadequação habitacional diz respeito, dentre outros fatores, à carência na infraestrutura urbana, como distribuição de água e energia e tratamento de esgoto e lixo. Neste quesito, apesar dos avanços das últimas décadas, o panorama ainda é preocupante.
Mais de 1.400 domicílios não têm ligação com a rede geral de água nas favelas de São Francisco, da Compesa e da Encanta Moça.
As carências da edificação, como casas sem banheiro exclusivo, sem armazenamento de água ou com um cômodo único que serve para todas as funções da casa, também caracteriza a inadequação habitacional.
"A urbanização de favelas para prover as infraestruturas necessárias para se considerar moradia digna nessas comunidades urbanas que têm tanta potência, mas ainda tantas carências, precisa ser uma questão prioritária para as políticas públicas habitacionais e intersetoriais", pontua Raquel Ludermir.
Infraestrutura abaixo da média nacional
A infraestrutura dos domicílios localizados em favelas de Pernambuco apresentam estatísticas abaixo da média nacional.
Apenas 35% das casas nesses territórios no Estado têm conexão à rede de esgoto, enquanto a média no País é de 61%.
Quando se trata de abastecimento de água pela rede geral, 78% desses domicílios em Pernambuco têm acesso. No Brasil, o número chega a 86%.
Já a coleta de lixo atende a 92% dos lares em favelas no Estado, enquanto no País a contagem alcança quase 97%.
Investimentos anunciados
Nos últimos meses, foram anunciados investimentos nas periferias de todo o País. O programa Periferia Viva, do Governo Federal, foi lançado em novembro deste ano, destinando R$ 85 milhões para a urbanização de favelas.
O termo vai destinar mais de 19 mil contratos de regularização fundiária para famílias em oito estados brasileiros, incluindo Pernambuco, além de contratar 15.097 unidades em regularização fundiária e mais 4.285 unidades para melhoria habitacional.
Também foi assinada a medida que implementa o Projeto CEP para Todos, um convênio entre o Ministério das Cidades e o Ministério das Comunicações, em parceria com os Correios, para assegurar CEP e serviços postais para moradores de favelas do País.
Financiamento
Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou o financiamento no valor de R$ 214,5 milhões para a Brisanet expandir a internet de banda larga móvel em 416 favelas dos estados do Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.
Os investimentos visam a expansão e a melhoria da qualidade das redes e dos serviços de telecomunicações para propagação do sinal 5G em localidades classificadas com baixa qualidade de rede pela Anatel.
O programa Morar Bem PE, do Governo do Estado de Pernambuco, complementa iniciativas como o Minha Casa Minha Vida e o Periferia Viva. Outro programa é o Reforma no Lar, modalidade que promove melhorias habitacionais, com investimentos de até R$ 18 mil por residência, sem custo para os moradores.
Considerando as famílias com renda informal que não conseguem acessar financiamentos tradicionais, o programa Morar Bem - Entrada Garantida viabiliza a entrada de até R$ 20 mil.
Regularização fundiária
De acordo com o Governo do Estado, foram captados em 2024, junto à União, R$ 71 milhões para regularização fundiária e melhorias no âmbito do programa Periferia Viva, e o Estado garantiu R$ 267 milhões para a urbanização das comunidades carentes à margem do Rio Beberibe, em Olinda.
O Governo do Estado de Pernambuco destaca que foram captados cerca de R$ 70 milhões para drenagem e contenção de encostas, iniciativas que buscam minimizar o impacto de desastres climáticos na região.
Política habitacional
Já a Prefeitura do Recife destaca que tem investido em política habitacional com a entrega de unidades habitacionais, por exemplo. Desde 2021, foram viabilizadas a construção de 4.771 unidades, aprovadas junto ao Governo Federal e garantidas via PPP. Alguns dos habitacionais listados pela gestão são Encanta Moça I e II, no Pina, Vila Brasil I e II, na Ilha Joana Bezerra, e Habitacional Sérgio Loreto, no bairro de São José.
Além disso, 10 mil pessoas foram beneficiadas por obras como contenções definitivas de encostas na capital pernambucana.
A Prefeitura afirma que aprovou 1.336 unidades pelo Programa Minha Casa Minha Vida FAR e assegurou outras 704 pelo Minha Casa Minha Vida Entidades.
Já o ProMorar Recife é um programa viabilizado por meio de operação de crédito assinada junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que deve investir R$ 2 bilhões para realizar intervenções estruturadoras em 40 Comunidades de Interesse Social (CIS).
Apesar dos anúncios, esses territórios ainda carecem da atuação do poder público no desenvolvimento de infraestrutura e espaços que atendam às necessidades das populações periféricas brasileiras.