Vida na Favela: falta de atuação pública impulsiona apoio comunitário em Pernambuco
Diante dos problemas históricos enfrentados no estado, a população se ampara e busca minimizar as carências da falta de políticas públicas
Em meio à precariedade e aos problemas históricos enfrentados em Pernambuco, surgem nas favelas do estado esperança, afeto e acolhimento. Neste cenário de falta de políticas públicas que atendam às suas necessidades, a população se ampara mutuamente e busca minimizar as carências.
Para muitos, sair não é uma opção, pois veem naquele espaço um lar, onde podem cultivar relações e o sentimento de pertencimento.
Eu adoro morar aqui. O melhor pedaço que tem do Pina é esseMaria do Carmo Rodrigues, 72 anos. Moradora da Encanta Moça
Vida em Favela: conheça Encanta Moça, a terceira maior comunidade de Pernambuco
Saneamento, infraestrutura e falta de acesso a alimentos, estabelecimentos de ensino e saúde. Estes são alguns dos desafios encarados diariamente pelas populações que habitam nas favelas e comunidades urbanas pernambucanas.
O tema está sendo abordado ao longo da semana pelo JC, na série Vida na Favela, e por todos os veículos do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação.
Mais de um milhão de pessoas vivem nesses territórios em Pernambuco - cerca de 475 mil domicílios. Os dados são do censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Leia mais da série:
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Para o instituto, são consideradas favelas e comunidades urbanas os territórios onde há predominância de domicílios com alto grau de insegurança jurídica, ausência ou oferta incompleta de serviços públicos e áreas com restrições à ocupação devido ao risco ambiental.
Fortalecimento comunitário
Apesar da alta demanda, o poder público ainda não conseguiu atender às populações das favelas, expondo-as à vulnerabilidade. Com essa falta de atuação, o apoio comunitário é fortalecido em todo o território, integrando ações de organizações com a comunidade e entrelaçando redes em Pernambuco.
A Rede de Favelas de Pernambuco (Refavela) atua buscando levar mais oportunidade e dignidade para a população.
“A gente é uma rede que atua conectando moradores de favela a outras organizações sociais, empresas e governos e entende que a base dessa pirâmide pode promover mudanças na sociedade, trazendo capacitação, levando oportunidades e trazendo mais dignidade para a população moradora de favela”, explica Altamiza da Favela, representante de relações institucionais da Refavela.
Para ela, a principal política que deve ser garantida é a erradicação da fome para que a população tenha condições de estudar e acessar outros direitos.
Educação e lazer
Na falta de investimentos e diante das potências nos espaços, as comunidades se mobilizam e desenvolvem iniciativas como a Livroteca Brincante do Pina, na favela Encanta Moça, Zona Sul do Recife.
O projeto incentiva a leitura e a integração artística, cultural e ambiental na região e existe desde 2008, por meio da iniciativa de Kcal Gomes.
Através do cinema, da leitura e de aulas de capoeira, o espaço busca inclusão social e proporciona lazer para as crianças e jovens que vivem em contexto de vulnerabilidade.
Já na Compesa, em Jaboatão, a ONG Infinito Amor Fernanda Santos é uma das alternativas para os moradores que não têm oferta pública de espaços de lazer.
A organização foi criada há cerca de um ano pela população e atua proporcionando serviços como aulas de zumba e de capoeira. Todo o trabalho é feito por cerca de 30 voluntários.
“Nosso bairro tem essa necessidade, ele não tem nenhum espaço público para que essas atividades sejam implementadas: não tem uma praça ou um local para eventos. É uma comunidade carente que vive na ociosidade”, explica Ronaldo Santos, diretor da ONG.
Saúde
Apenas uma unidade de saúde na favela da Compesa, em Jaboatão dos Guararapes, não dá o suporte necessário para a população de mais de onze mil pessoas. E é através de organizações sociais e da união comunitária que muitas demandas são minimizadas.
A ONG Infinito Amor Fernanda Santos também é uma das alternativas para os moradores da favela que desejam cuidar da saúde.
Ela atua com ações sociais e benefícios para a comunidade, oferecendo desde atendimento psicológico e odontológico a serviços como acupuntura.
“Nós chegamos onde o poder público não consegue chegar”, pontua Ronaldo Santos.
Liderança comunitária
Na favela Encanta Moça, Lenildo Roque, mais conhecido como Coxinha, é cumprimentado por onde passa.
“Eu trabalho de uma forma que hoje, para a comunidade, eu sou um psicólogo. A gente não é só um representante da comunidade, a gente é um amigo para a família e realmente está no meio da casa das pessoas”, conta.
A liderança comunitária é um elo da população com o poder público. Através desses representantes, reivindicações e necessidades são levadas às autoridades e organizações parceiras.
“A gente tem que salientar o papel dos líderes comunitários e os presidentes de associações. Eles têm que entender a demanda da população e se unir a organizações para que possamos caminhar juntos”, explica Altamiza da Favela.
Para ela, esses atores, em conjunto, têm papel fundamental para apontar caminhos e soluções para as favelas e comunidades urbanas. “A gente trabalha em parceria com os mais diversos tipos de organizações, de prefeituras a governos e templos religiosos, sejam eles evangélicos ou de matriz africana”, explica.
Na maior favela de Pernambuco, São Francisco, no Cabo de Santo Agostinho, o Projeto Mãos Solidárias atua há dez anos levando alimentos, lazer, educação e cuidados médicos para a população através da solidariedade.
Roberlan José é diretor do projeto que conta com 30 voluntários, lutando pelos direitos das comunidades mais vulneráveis da região. “O projeto vem fazendo o trabalho de sopão solidário, cinema comunitário e realizando diversas ações. Temos visto de perto o que as pessoas precisam”, conta.
O elo entre as pessoas fortalece as comunidades e cria estratégias para que a carência de políticas públicas seja amenizada. Enquanto os serviços básicos não atendem toda a demanda, a sociedade se organiza e se ampara.
Eu adoro morar aqui. O melhor pedaço que tem do Pina é esse
Maria do Carmo Rodrigues, 72 anos. Moradora da Encanta Moça