Aniversário do Recife e de Olinda: Cidades irmãs compartilham arquitetura rica e desafios na preservação do patrimônio
Paisagem urbana das cidades faz dos sítios históricos espaços de estudo social, econômico e artístico. Moradores torcem por políticas de preservação

Unidas pelas águas, pelos movimentos revolucionários e pela cultura local, Recife e Olinda encantam os olhos de turistas, moradores e passantes.
As cidades irmãs compartilham, além da data de aniversário, 12 de março, semelhanças na paisagem urbana que fazem dos sítios históricos espaços de estudo social, econômico e artístico do Brasil.
Da Igreja da Sé ao Convento de São Francisco, passando pelos Mercados da Ribeira e Eufrásio Barbosa, Olinda com seus 490 anos de fundação conserva um traçado urbano diferenciado e uma arquitetura colonial. Fachadas ornamentadas e com cores fortes, azulejos e cobogós são alguns dos elementos marcantes.
No Recife, fazendo 488 anos, a Faculdade de Direito, a Sinagoga Kahal Zur, a Ponte Maurício de Nassau, o Mercado de São José e a Capela Dourada mostram as diferentes influências que a metrópole recebeu ao longo do tempo.
A arquiteta, urbanista e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Natália Vieira destaca a influência do barroco brasileiro nas duas cidades e pontua o porquê dele estar mais presente na cidade alta.
“A gente tem essa permanência maior dessa estrutura urbana em Olinda por conta da mudança da capital para o Recife e das transformações que Recife continua sofrendo ao longo do tempo. Mas a gente tem também no Recife permanências significativas desse traçado, especialmente em Santo Antônio e São José”, afirma.
De acordo com a especialista, em Olinda se destaca a composição da paisagem urbana com a ocupação da colina, a cobertura vegetal, os monumentos religiosos e o conjunto do casario construído da arquitetura civil.
Já no Recife, as características que são ressaltadas no conjunto arquitetônico são a convivência e as estratificações de tempo: do período colonial, do barroco, da arquitetura moderna e contemporânea.
Arquitetura que conta história
Professor e historiador, Lula Couto explica que edificações e monumentos contam a história de um lugar - de sua ocupação ao poder econômico de seus habitantes.
“A arquitetura e as edificações são parte fundamental da história de uma vila, de uma cidade e de um país. Fortificações seguem um estilo e moradias variam principalmente de acordo com o poder aquisitivo dos habitantes”, ressalta.
A arquitetura e as edificações são parte fundamental da história de uma vila, de uma cidade e de um paísLula Couto, professor e historiador
“Como Olinda e Recife estão entre as cidades mais antigas do Brasil, é natural que sua arquitetura reflita esse projeto de colonização. As casas foram construídas conforme o modelo português de moradia, incorporando influências culturais, como a dos mouros, que viveram em Portugal e trouxeram essa estética para cá”, destaca.
O historiador explica, ainda, o significado de detalhes arquitetônicos, como as eiras e as beiras, e de que forma eles incorporam até a linguagem popular. “Era como se fosse uma forma de demonstrar para os que passavam pelo casarão que aquela pessoa era a representação do poder econômico. A expressão 'sem eira nem beira' surgiu daí. Casarões com esses ornamentos pertenciam a pessoas de grande prestígio”.
Além de contar histórias, os monumentos se conectam com as pessoas. Em Pernambuco, o patrimônio urbano e arquitetônico se relaciona com a população e com o sentimento de pertencimento carregado por ela.
“Isso está tudo indissociavelmente ligado a essa estrutura urbana e arquitetônica que vai se formando. Valorizar isso é garantir esse sentimento de pertencimento da sociedade pernambucana com as suas especificidades, entender que cada lugar tem a sua alma”, afirma a urbanista Natália Vieira.
Preservação
Apesar da beleza arquitetônica e paisagística, as cidades irmãs compartilham desafios na preservação do traçado histórico de seus casarões e monumentos.
Para o professor e historiador Lula Couto, uma das dificuldades é a criação de políticas públicas de preservação. “Muitos desses bairros são hoje áreas atrativas, tranquilas e bucólicas, que têm menos moradores, e isso gera uma forte pressão do mercado imobiliário para substituir os casarões antigos por edifícios”, inicia.
“Não basta proibir construções modernas. É necessário criar uma estrutura, por exemplo, que dê condição para o antigo proprietário manter aquele casarão. O poder público pode adquirir esses casarões para transformá-los em fundações, museus ou centros culturais, estimulando a convivência entre os moradores nos bairros históricos”, explica.
Inajá Monteiro, de 72 anos, e seu filho, Bartolomeu Monteiro, 38, vivem em uma casa tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no Sítio Histórico de Olinda.
“Olinda sempre fez parte da minha história. Eu construí tudo o que tenho aqui, então Olinda é tudo para mim”, se emociona Inajá, que vive na cidade há 60 anos.
Olinda sempre fez parte da minha história. Eu construí tudo o que tenho aqui, então Olinda é tudo para mimInajá Monteiro, moradora de Olinda
Apesar de serem foliões de um dos maiores carnavais de rua do Brasil e aproveitarem a localização privilegiada de casa, eles se preocupam com a preservação da cidade durante a festividade.
“Olinda é uma cidade idosa que precisa de cuidados. Para a gente ter uma festa de carnaval, é preciso infraestrutura. A prefeitura não está cuidando bem da cidade. O carnaval acabou há 8 dias e a cidade ainda está suja, por exemplo. Eu vejo que daqui a 8 ou 10 anos, Olinda não vai suportar um carnaval desse”, lamenta Bartolomeu.
A urbanista Natália Vieira pontua que a discussão de preservação de patrimônio só tem sentido se andar “indissociável às questões de planejamento urbano de gestão da cidade”. Para ela, “o pensamento metropolitano é muito importante. Recife e Olinda nascem com uma relação intrincada que permanece com uma importância tanto do ponto de vista de patrimônio como de planejamento urbano”.
A preservação, manutenção e gestão urbana das cidades patrimônio enfrentam inúmeros desafios. Nesse sentido, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atua na promoção da conscientização sobre a importância da preservação por meio de ações de educação patrimonial.
"As políticas governamentais desempenham um papel essencial, fornecendo os recursos e incentivos necessários para essa engrenagem funcionar, ao mesmo tempo em que fomentam o diálogo com a população e respeitam a história do lugar e de seus habitantes. Além disso, o Iphan tem buscado recursos federais para o restauro de bens protegidos, especialmente no âmbito do programa Novo PAC e do PAC Seleções, que financia a elaboração de projetos arquitetônicos", pontuou Marcia Maria Vieira Hazin, atual Chefe do Escritório Técnico do Parque Histórico Nacional dos Guararapes e Fernando de Noronha.
A Prefeitura do Recife, através do programa Recentro (Revitalização do centro da cidade), vem trabalhando para destravar questões burocráticas, além de oferecer condições para que a devida manutenção desses patrimônios históricos seja realizada. "A gente tem uma série de medidas para incentivar os proprietários desses imóveis a recuperar e restaurar seus imóveis históricos. Existe uma complexidade da legislação de patrimônio histórico a nível federal, estadual e municipal. Então, o que a gente vem fazendo é desburocratizar esses processos, priorizando as intervenções aqui no centro e dando medidas de benefício fiscal, como descontos de IPTU, ISS e ITBI", explicou Ana Paula Vilaça, chefe do Escritório de Gestão do Centro do Recife.
"Fazemos todo o trabalho de busca ativa para identificar esses proprietários, em seguida, oferecemos esses incentivos para que eles recuperem os seus imóveis; pois, como são imóveis privados, a Prefeitura do Recife não pode fazer diretamente essa recuperação, esse restauro. Então, o que a gente faz são medidas que incentivem", complementou a gestora.
A reportagem do JC procurou a Prefeitura de Olinda para saber a respeito dos projetos urbanísticos que a gestão tem realizado na cidade, mas não obteve resposta.
História
Ao longo dos séculos, as histórias das cidades irmãs se cruzaram e percorreram trajetos de revoluções e movimentos que marcam o estado de Pernambuco. Das ladeiras ao chão de paralelepípedos, as duas cidades carregam episódios marcantes na história brasileira.
Além das semelhanças na arquitetura, Recife e Olinda preservam a potência nas manifestações culturais e artísticas do estado e do País.
Fundada em 1535, Olinda é uma Cidade Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. Seus 490 anos de história passam por invasões e saqueamentos holandeses, ocupação portuguesa e resistência local. A cidade alta já foi considerada a urbe mais rica do Brasil Colônia.
Já o Recife está chegando aos 488 anos desde a sua fundação, em 1537. O povoado se desenvolveu tendo como uma das principais atividades a cana-de-açúcar, que levou à invasão e ocupação holandesa entre os anos de 1630 e 1654 - e chegou ao fim após batalhas de resistência com pernambucanos no Monte dos Guararapes.
A arquitetura e as edificações são parte fundamental da história de uma vila, de uma cidade e de um país
Lula Couto, professor e historiadorOlinda sempre fez parte da minha história. Eu construí tudo o que tenho aqui, então Olinda é tudo para mim<br><br>
Inajá Monteiro, moradora de Olinda