Na entrevista abaixo, o desembargador Frederico Neves, expõe os principais desafios da sua gestão na sua primeira eleição como presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE). Os principais, por hora, são a disseminação diária de fake news e a pandemia do corona vírus que pode alterar o calendário eleitoral. Professor universitário há 31 anos, Neves defende a "ideia nucleal de orientar".
JORNAL DO COMMERCIO – O covid-19 alterou toda a rotina do País. Isso vai contribuir para alterar o calendário das próximas eleições?
FREDERICO NEVES – O coronavírus foi um acontecimento superveniente, imprevisível e extraordinário, que põe em risco a saúde das pessoas. Então, para uma situação excepcional, haverá de existir uma decisão excepcional. Adotamos uma providência acauteladora objetivando preservar a saúde das pessoas, evitando o contato pessoal com o cadastramento biométrico e outras atividades do tribunal. Não posso responder afirmativamente a sua pergunta, porque o calendário eleitoral é algo que foge às atribuições do presidente do TRE-PE. O calendário eleitoral é do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
JC – O processo de biometria presencial foi suspenso, na semana passada, por causa do covid-19. Isso vai trazer alguma consequência ao eleitor?
FREDERICO – O eleitor não ficará prejudicado em hipótese alguma. Alcançamos 85% do eleitorado biometrizado. Já passamos por seis ciclos de biometria. O de 2018 a 2020 estaria sendo concluído neste 27 de março. Em razão deste acontecimento extraordinário, o covid-19, fomos obrigados a suspender o atendimento presencial por causa da saúde dos eleitores e dos servidores.
JC – Pelo calendário, as campanhas eleitorais vão começar dia 16 de agosto. Provavelmente, teremos uma campanha com mais redes sociais e menos eventos presenciais. O que o TRE está fazendo para acompanhar melhor as redes sociais e essa onda de fake news?
FREDERICO – Essa questão de fake news é um comportamento reprovado que torna desprezível quem o adota. A mentira, muitas vezes, atinge a honorabilidade das pessoas e pode prejudicar as eleições. A desinformação (fake news) é hoje a maior preocupação da Justiça Eleitoral. E deve aumentar a partir da campanha eleitoral. Mas essa questão está sendo objeto de estudos pelo próprio TSE, que adotou uma resolução disciplinando essa matéria, explicitou o direito de resposta e o cometimento de crime, quando for possível a identificação das pessoas que vierem a praticar a desinformação. O TSE chamou o Facebook, WhatsApp, Twitter e estamos tentando convergir forças. Na prática, será constituído um comitê em nível local e seremos rigorosos no combate à desinformação.
JC – No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que houve “fraude” no resultado das eleições presidenciais de 2018. Como o senhor vê esse episódio?
FREDERICO – Por em dúvida a segurança do sistema eletrônico de votação, sem uma prova cabal, revela, em meu sentir e com o respeito devido, um comportamento descomprometido com a realidade. As urnas eletrônicas existem há 22 anos e nunca, até hoje, ninguém, comprovadamente, apontou a existência de uma falha que pudesse comprometer o sigilo do voto e a segurança das eleições. A urna é absolutamente segura e ponto. Este equipamento está a serviço da moralização das eleições.
JC – Com relação às eleições de 2018, 37,9% dos políticos tiveram suas contas reprovadas em Pernambuco. Isso significa 418 candidatos. Esse número não é muito alto?
FREDERICO – Em primeiro lugar, é preciso que o tribunal dê uma contribuição aos partidos e candidatos, no sentido de orientar para que a prestação de contas seja feita de acordo com a lei. Nós temos um financiamento público, absolutamente necessário. Na minha visão, não pode haver campanha sem dinheiro. Esse financiamento público gera o dever de esclarecer ao público os valores recebidos e os valores gastos. É preciso que os eleitores, os partidos e os advogados, que atuam nesse ramo, sejam mais bem informados. E os advogados não esqueçam de procurar os contabilistas para evitar esse tipo de problema. Esse percentual de desaprovação de contas é o reflexo de vários problemas, como ausência de documentos comprobatórios dos gastos, percentuais [DE DESPESAS]ultrapassando o máximo previsto em lei, entre outros. Tivemos a oportunidade de recuperar R$ 2,7 milhões aos cofres públicos. Isso ocorreu em função da desaprovação das contas, quando ocorre o recurso de origem não identificada. Nesse caso, os partidos e os candidatos são obrigados a devolver esses recursos na conta do Tesouro Nacional. O julgador tem um pouquinho de professor, porque até quando julga, diz como as pessoas devem se comportar. A maior preocupação do TRE hoje é ensinar, dizer como deve ser feito.
JC – Quais os principais desafios nas eleições de 2020?
FREDERICO – O principal desafio reside no enfrentamento das informações mentirosas. O que a Justiça Eleitoral vai fazer é tentar orientar as pessoas para que possam assumir o compromisso da verdade. As pessoas precisam ter consciência de que uma informação falsa poderá atingir a honorabilidade de alguém e poderá, em alguma medida, prejudicar as eleições. Para aqueles que não se conscientizarem disso e aqueles que não têm a educação necessária para a compreensão da importância de dizer a verdade, há que existir um caminho para a punição. A Justiça Eleitoral está trabalhando, conjugando esforços com todas essas mídias: Facebook, Twitter, WhatsApp. Está havendo um trabalho cooperativo para ver se a gente evita, impede essa onda desenfreada de informações mentirosas e que também a gente possa punir quem desrespeitar isso. Os partidos estão compelidos a examinar a veracidade das informações antes de veicular, os candidatos também. E as pessoas comuns também precisam ter essa consciência sob a pena de responderem por isso.
JC – E como o senhor vê o cenário das eleições de 2022?
FREDERICO –A desinformação será um desafio constante. Não é algo que tenha tempo de duração, porque infelizmente o que existe é a falta de educação de muitos. Há um despreparo educacional. Este País precisa de respeito. Se as pessoas aprenderem a se respeitar mutuamente, cada uma no seu trabalho, na sua atividade, o País ficará muito melhor.
JC – Na sua opinião, qual o grande problema do Poder Judiciário no Brasil?
FREDERICO – É o problema que decorre das decisões conflitantes. O que significa isso? É um juiz com o mesmo fato da vida aplicar de forma diferente a lei. Então, um juiz diz uma coisa, outro magistrado diz outra coisa. A gente sabe que o processo interpretativo não é suscetível de uma única apreensão intelectual. Eu posso interpretar de uma forma e você interpretar de outra. É possível. Só há uma interpretação correta, mas as interpretações podem ser de formas diferentes. É por isso que, aqui no TRE, estamos pensando no fortalecimento do direito jurisprudencial também. Então, se fazemos parte de um tribunal e julgamos uma situação de uma forma determinada e julgamos a mesma situação de novo, gera uma jurisprudência. Por isso, teremos decisões uniformes sobre um mesmo tema, que ensejam a edição de súmulas, que devem ser respeitadas nos julgamentos seguintes.
JC – E isso vai ocorrer a partir de quando?
FREDERICO – Em breve. Antes do início da propaganda eleitoral. A súmula garante a segurança e a previsibilidade das decisões judiciais. O grande problema é oferecer ao cidadão um comportamento que transmita segurança, previsibilidade nos julgamentos. Precisa respeitar as diferenças, mas a maioria manda para ser democrático.
JC – E por que o senhor é simpático ao mandato parlamentar coletivo?
FREDERICO – A reunião em mandato coletivo parlamentar de pessoas com especialidades diferentes pode contribuir mais para a coletividade. Imagine, um mandato coletivo com, por exemplo, três especialistas: um em transporte público, um em segurança e um em saúde. É algo que conta com a minha simpatia. Todavia, interessa observar que, pela legislação em vigor, apenas um será registrado na Justiça Eleitoral e apenas um candidato será eleito. Há uma PEC, a 379/2017, de autoria da deputada federal Renata Abreu (PODE-SP), que admite o mandato compartilhado por força de lei. Tenho simpatia por isso, mas o ordenamento jurídico não admite.
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