EXPECTATIVAS

A instabilidade vai influenciar no crescimento da economia pós covid-19

Economistas e cientistas políticos dizem que a crise no governo pode deixar a retomada da economia mais lenta

Angela Fernanda Belfort
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Angela Fernanda Belfort
Publicado em 27/04/2020 às 12:28
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A votação foi realizada nesta sexta-feira (17) - FOTO: Foto: Agência Brasil

A instabilidade política pode interferir na retomada do crescimento do País depois que passar a pandemia do coronavírus, segundo economistas e cientistas políticos entrevistados pelo JC. E, como se sabe, o crescimento econômico precisa de previsibilidade, segurança e unidade do governo. Pós-covid-19, a primeira grande variável que pode atrapalhar o aumento da atividade econômica é a própria personalidade e o modus operandi do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), de acordo com seis especialistas.

>>https://jc.ne10.uol.com.br/politica/2020/04/5607114-juristas-repercutem-demissao-de-moro-e-apontam-possiveis-crimes-cometidos-por-bolsonaro.html

“Bolsonaro é um fator de desestabilização e não consegue passar tranquilidade, unidade no comando. Se depender do presidente, as crises serão frequentes como foram até agora. Ele não precisa de oposição”, resume o economista e sócio-diretor da consultoria Ceplan Jorge Jatobá. Em 16 meses de governo, oito ministros já deixaram seus cargos. Os capítulos mais recentes dessa história foi numa das crises mais sérias do País – a pandemia do coronavírus: foram os casos da saída do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta que foi exonerado pelo presidente no último dia 16, e do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro – considerado um dos grandes pilares da atual gestão –, que pediu demissão na sexta-feira (24).

“O presidente da República está com uma capacidade de governabilidade muito baixa e tem enfrentamentos, quase que diários, com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e com o Supremo Tribunal Federal (STF). Depois da demissão, Mandetta falou uma frase interessante: ‘foram mais de 60 dias sem saber o que o presidente pensava. Num dia, dizia que tinha entendido. No outro, afirmava o contrário’. Parece uma frase simples, mas reflete muito do governo que tenta compensar a incapacidade de gerenciar algumas pastas”, comenta o professor de Comunicação Política da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Roberto Gondo.

Além da própria figura do presidente, há um núcleo “considerado desestabilizador” no atual governo, formado pelos filhos do presidente: Flávio, Carlos e Eduardo – o que inclui o gabinete do ódio – e alguns ministros, como o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o da Educação, Abraham Weintraub, segundo pelo menos quatro entrevistados. “O grande segredo da estabilidade em um país democrático é manter aliados e a instabilidade emocional afasta os aliados e isso já ocorre há algum tempo. Qualquer extremo é ruim, porque cega as pessoas”, adverte Gondo.


RECESSÃO

E o que vem por aí não é pouco. Há uma previsão de que a economia mundial recue 3% em 2020 e o Brasil tenha uma queda de 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O percentual citado é o maior para a economia global desde a grande depressão (que ocorreu em 1929/1930). “A recuperação vai ser longa. O Estado estará mais endividado. E o governo federal já deveria estar criando as condições para a economia voltar a crescer mais de uma forma mais rápida”, comenta Jatobá.

BRAÇOS DADOS

Jatobá e os demais especialistas consultados pelo JC têm como certeza o fato de que “a política e a economia vão continuar de braços dados”. Isso significa que uma estabilidade política será fundamental na retomada do crescimento. Na semana passada, o governo federal lançou um programa chamado Pró-Brasil – que propõe a retomada de investimentos para o País crescer – inclusive via concessões que devem ser exploradas pela iniciativa privada. O anúncio trouxe à tona mais uma especulação com instabilidade: a de que o próximo a deixar a atual gestão pode ser o ministro da Economia, Paulo Guedes, outro pilar da atual administração. E uma parte do rumor foi gerado porque a apresentação da iniciativa ficou a cargo do ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Neto.

A retomada do crescimento também gera divisões no próprio governo. Guedes é adepto da cartilha liberal na economia e defensor dos gastos públicos controlados, o que é fundamental para qualquer País. No entanto, quase todos os países do mundo estão anunciando grandes investimentos para sair da crise do coronavírus. “O liberalismo funciona numa economia crescente. O modelo liberal adotado por Guedes não aguenta uma adversidade dessa”, afirma Roberto Gondo.

Entre outros fatores, a crise provocada pelo coronavírus trouxe gastos a mais nas três esferas do governo (União, Estados e Municípios) e queda nas receitas dos governos. São os impostos que caem quando a economia desaquece, como está ocorrendo. Até agora, o governo federal não anunciou com que recursos vai bancar os investimentos que vem anunciando. Isso divide até os economistas consultados. Uns apontam que o único caminho é a União bancar esses recursos com a emissão de moeda, como defende Jatobá. Outros argumentam que o estímulo ao investimento deveria vir da iniciativa privada.

IMPEACHMENT

Depois da sexta-feira (24/04), os pedidos de impeachment contra Bolsonaro aumentaram. “Com o pedido de demissão do agora ex-ministro Sergio Moro, o clima de incerteza, que já estava bastante alto, aumenta em nível sem precedentes. O ministro ainda saiu fazendo fortes críticas ao governo Bolsonaro, falando em ‘interferência política’ na Polícia Federal. As pressões para abrir esse processo (do impeachment) serão cada vez maiores. Possivelmente o apoio popular ao presidente vai diminuir”, comenta o pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV/IBRE Marcel Balassiano.

E quais são as coincidências entre o cenário pré-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff com o atual quadro político? “A recessão de 2014/16, talvez a pior da história do Brasil, foi uma crise doméstica, provocada por erros de política econômica. O Brasil estava mal quando comparava com a sua história com o resto do mundo”, resume Marcel. Dilma também ficou isolada politicamente antes do seu impeachment, o que coincide com o que vem acontecendo com Bolsonaro.

“A década atual (2011-2020) foi a pior em termos de crescimento econômico dos últimos 120 anos. E a crise do coronavírus só fez a década ficar pior ainda. Agora, é uma crise mundial, talvez o pior momento da humanidade no pós-Segunda Guerra Mundial”, Marcel continua.

E, para sair dessa crise, são apontados caminhos antigos. “É importante criar consensos mínimos para o funcionamento da economia. O Brasil tem uma vantagem comparativa na produção de minérios, agricultura, mas a partir do momento em que se coloca em xeque a sustentabilidade desses produtos, ninguém vai investir sabendo que eles (os produtos) podem ser questionados ou rejeitados no mercado internacional. A política mais ideológica também trava a atração de investimentos”, lembra o professor associado do Departamento de Economia da UFPE, Raul Silveira Neto. Ele também diz que é necessário melhorias na área de educação como forma de aumentar a produtividade no trabalho.

O consenso também é defendido pelo professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit) Edgard Leonardo. “Há uma falta de maturidade política no Brasil. Às vezes, é preciso apoiar ideias que são boas para a sociedade brasileira como um todo, independente do partido e da corrente ideológica. A polarização pode fazer com que a sociedade deixe de apoiar ideias importantes na retomada do crescimento. Independente do lado político, há um inimigo maior que é o coronavírus”, argumenta.

Leonardo cita como exemplo um acordo feito em Israel no qual o primeiro-ministro daquele país, Benjamin Netanyahu – que representa a direita mais radical – , e seu principal rival, o ex-chefe das Forças Armadas Benny Gantz, anunciaram na noite do dia 20 de abril a assinatura de um acordo que resultará num novo governo em Israel para enfrentar a atual crise. E, por último, para retomar o crescimento é necessário outros fatores que também dependem de consenso: as reformas, incluindo a tributária, aumento da competitividade e melhoria do ambiente de negócios, entre outros.

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