Tensão

Adiamento das eleições municipais provoca rusga entre prefeitos e deputados federais

Gestores dividem-se entre os que acreditam que o pleito deve ocorrer em outubro e os que acham que a votação deve ficar para 2021 ou 2022. Rodrigo Maia quer a eleição em novembro

Renata Monteiro
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Renata Monteiro
Publicado em 27/06/2020 às 8:00 | Atualizado em 01/07/2020 às 19:49
FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados - FOTO: FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

As discussões em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que transfere a data das eleições municipais deste ano, antes previstas para 4 e 25 de outubro, para os dias 15 e 29 de novembro, têm colocado deputados federais e prefeitos em pé de guerra. Aprovado no Senado na última semana, o texto tem sofrido resistência na Casa Baixa, onde precisa receber o aval de 308 parlamentares em dois turnos de votação para ser promulgado, quórum que tem se mostrado difícil de alcançar.

Inicialmente, entidades que representam os gestores municipais, como a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), propuseram que as eleições de 2020 fossem transferidas para 2022, com a prorrogação dos mandatos dos atuais gestores, por conta da pandemia provocada pelo coronavírus, mas a ideia não foi bem recebida no Congresso. Em entrevista recente, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), disse ser “radicalmente contra” essa possibilidade. “Eu não vejo espaço para se prorrogar nenhum dia de mandato. A abertura dessa janela é muito sensível do ponto de vista institucional. (Se isso for aprovado) No futuro, daqui a dois, três, quatro mandatos, alguém pode se sentir muito forte, ter muito apoio do Parlamento, criar uma crise e prorrogar o próprio mandato”, declarou Maia, na ocasião.

Na última terça-feira, a PEC 18/2020, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede), foi aprovada pelo Senado, possibilitando que as eleições sejam realizadas não em outubro, mas em novembro, e realizando algumas alterações no calendário eleitoral, como mudanças nas datas de registro de candidatura e prestação de contas. O que não mudou com a proposta, contudo, foi a data de posse dos eleitos, que continuaria sendo em 1º de janeiro de 2021.

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Diante do novo cenário, uma parcela dos prefeitos do País que concorrerão à reeleição tem pressionado os deputados dos seus Estados para a manutenção da votação em 4 de outubro. Na visão deles, o adiamento do pleito em um mês não teria efeito prático na prevenção à covid-19 e apenas daria mais tempo de campanha para os seus adversários, questões que têm sido levadas em consideração pelos parlamentares, sobretudo os do Centrão. “Há mais aglomerações na fila da Caixa para sacar os R$ 600, nos mercados e dentro dos ônibus do que pode haver na fila e nas cabines de votação. Adiar a eleição não resolve o problema, cria um outro: a interferência no processo democrático”, afirmou o deputado Marcos Pereira (Republicanos), 1º vice-presidente da Câmara, no Twitter.

Na quinta-feira (25), Maia, que é a favor da aprovação do projeto do Senado, fez duras críticas aos prefeitos que pedem a manutenção da data da eleição. “É interessante a pressão de prefeitos por recursos porque a pandemia atinge os municípios com alto número de infectados, (porque) a economia está caindo e, ao mesmo tempo, uma pressão pelo não adiamento. Se não precisa adiar a eleição, é porque não tem mais crise nos municípios”, disparou.

O desejo pela manutenção das datas do pleito, porém, não é compartilhado por todos os prefeitos do País. Outra parte dos gestores, segundo José Patriota (PSB), prefeito de Afogados da Ingazeira e presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), deseja que critérios científicos sejam usados para definir o momento correto de se fazer a escolha de novos prefeitos e vereadores. “Acabamos de fazer uma reunião nacional (com a CNM) e a posição dos prefeitos é técnica. A gente abre mão de datas, mas queremos discutir as condições sanitárias para a realização de eleições. Quando houver uma vacina que dê segurança à vida do povo, a gente faz. Todos os grandes eventos mundiais que geram aglomeração foram adiados, então entendemos que as votações não deveriam ser feitas esse ano. Eles (os parlamentares) chutam que em novembro será possível fazer isso, mas e se não for? Vão fazer outra Emenda Constitucional?”, questionou, na sexta-feira (26).

Patriota criticou, ainda, os motivos pelos quais, de acordo com ele, alguns partidos se posicionam contra a unificação das eleições. “Vamos ver o que o Congresso vai decidir. É provável que aprove o adiamento. Se você fizer um levantamento, vai ver quantos deputados têm a intenção de disputar eleição (para prefeito). Por que não querem a coincidência dos pleitos? Porque continuando como está, eles têm acesso ao fundo partidário duas vezes”.

CONSENSO

Outros prefeitos pernambucanos têm visões semelhantes à do presidente da Amupe. Marcelo Gouveia (PSD), gestor de Paudalho, cidade de 55 mil habitantes situada na Mata Norte do Estado, crê que a realização de eleições a cada dois anos é prejudicial ao Brasil e contesta argumentos geralmente utilizados por quem acha que o modelo deveria ser mantido. “Alguns segmentos dizem que a prorrogação dos mandatos seria inconstitucional, pois os eleitores foram às urnas e elegeram os atuais prefeitos e vereadores para um mandato de quatro anos. Os trechos que tratam sobre as eleições na Constituição, porém, não são cláusulas pétreas, então podem ser modificados. Além do mais, a mudança que está em análise quer adiar por apenas 45 dias a votação, sendo que o coronavírus não está atacando o País de forma linear. Paudalho sofreu muito com a doença no início da pandemia, mas até uma semana atrás não havia nenhum caso da covid-19 em São Bento do Una, por exemplo. Como se faz uma eleição com uma data fixa desse jeito?”, argumentou Gouveia.

Nadegi Queiroz (Republicanos), prefeita de Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife, classifica como “altamente inapropriada” a realização de eleições em meio a uma pandemia. “Eles falam em eleições quando a maioria dos prefeitos têm mais de 60 anos e estão no grupo de risco para o coronavírus. Estão tirando dessas pessoas o direito de concorrer”, pontuou. A prefeita diz, no entanto, que entre a data atual e a nova, proposta pelo Senado, prefere que o pleito ocorra em outubro. “Esse adiamento não tem nenhuma expressão do ponto de vista eleitoral. As pessoas estão morrendo e o Congresso está se lixando para a ciência. Se vão manter a eleição, que seja em 4 de outubro”, cravou.

Em meio a esse imbróglio, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), desembargador Frederico Neves, defende o adiamento do pleito, medida que é apoiada também pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso. “Esta pandemia da covid-19 põe a nu uma realidade ineliminável, qual seja: a saúde e a vida das pessoas devem se sobrepor a qualquer outro interesse. Por isso, apesar de indesejável, a mudança do calendário eleitoral mostra-se inevitável, para permitir que se ofereça ao eleitor toda a segurança para o exercício do voto”, ponderou Neves.

Qual a proposta que aguarda a análise dos deputados?

- Adiamento das eleições para os dias 15 (1º turno) e 29 (2º turno) de novembro.

Se o texto for aprovado, que tipo de mudanças serão feitas no atual calendário eleitoral?

- A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações deverão ser feitas entre os dias 31 de agosto e 16 de setembro;
- O registro dos candidatos terá que ser feito até 26 de setembro;
- A propaganda eleitoral, inclusive na internet, começará após 26 de setembro;
- 27 de outubro é a data limite para que partidos políticos, coligações e candidatos, obrigatoriamente, divulguem o relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados;
- A prestação de contas dos candidatos deverá ser feita até 15 de dezembro;
- A diplomação dos eleitos ocorrerá em 18 de dezembro

Quem será o responsável por definir os horários de funcionamento das seções eleitorais e as eventuais medidas de distribuição dos eleitores nas sessões para minimizar os riscos de aglomeração nos dias de votação?

- O Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A corte também poderá fazer nova alteração na data das eleições, de forma pontual, em municípios em que ainda se verifiquem condições sanitárias arriscadas. Caso o adiamento, em virtude da pandemia da covid-19, for necessário em todo um Estado, a autorização de novo adiamento deverá ser feita pelo Congresso Nacional. Esses adiamentos só poderão ocorrer até 27 de dezembro.

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