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Bolsonaro 'se aproveita' do coronavírus para eliminar indígenas, diz Raoni à AFP

Raoni critica o presidente Jair Bolsonaro, "não pensa em nós, indígenas"

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Publicado em 05/06/2020 às 15:07 | Atualizado em 05/06/2020 às 15:07
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O cacique Raoni Metuktire é figura emblemática da luta contra o desmatamento da Amazônia - FOTO: Foto: AFP

O novo coronavírus, que atinge mortalmente o Brasil, não poupa os indígenas da Amazônia em uma pandemia na qual seu porta-voz emblemático, o cacique Raoni, acusa o presidente Jair Bolsonaro de querer "se aproveitar" para eliminar seu povo.

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"O presidente Bolsonaro quer aproveitar e está falando que o índio tem que morrer, que os índios têm que acabar", acusa Raoni Metuktire, cacique do povo Kayapó, em entrevista à AFP feita por vídeo de sua aldeia na Amazônia.

Incansável defensor dos direitos de seu povo, o cacique, de 90 anos, não mede as palavras contra o presidente de extrema direita, cuja saída ele já pediu e que tem feito declarações depreciativas sobre os autóctones.

Enquanto o novo coronavírus deixa mais de 33.000 mortos em todo o Brasil, o presidente Bolsonaro "não pensa em nós, indígenas", critica o cacique.

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Raoni menciona "a precariedade do atendimento da saúde" ao seu povo, no qual a mortalidade é duas vezes maior que entre o resto da população, afetando crianças, inclusive bebês, em razão de uma imunidade mais frágil.

"Aqui no Brasil, as autoridades nunca pensaram em remover um paciente nosso para ser tratado e curado em hospital de Brasília para depois retornar bem para sua aldeia", prosseguiu o cacique ancião, com seus tradicionais cocar de penas amarelas e disco labial.

"Não sabemos o que eles (em Brasília) pensam de melhorar o atendimento à saúde do povo indígena", insistiu o cacique.

"Não deixo ninguém ir para as cidades"


"Esta doença é muito perigosa. Ela já começou a matar meu povo indígena em cada região", lamentou. O cacique está confinado na floresta, em sua aldeia de Metuktire, no estado do Mato Grosso. "Só vou sair da minha aldeia quando normalizar tudo", disse Raoni, que já percorreu o mundo para se reunir com chefes de Estado. "Depois, irei a França vê-los, meus amigos".

"Em me preocupo muito com meu povo agora. Falo muito com meu povo para permanecer aqui dentro da aldeia e não estou deixando ninguém ir para as cidades", explica o cacique, falando em seu idioma kayapó. "Alguns não me entendem, continuam indo para a cidade, principalmente meus parentes da aldeia Kateté, até que eles levaram a doença para eles mesmos e uns parentes que conheço foram a óbito com essa doença", relatou Raoni.

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Na aldeia de Gorotire, no estado do Pará, "essa doença matou cinco pessoas", lamentou o cacique. A ONG francesa Planète Amazone (Planeta Amazônia) arrecadou dois terços de uma campanha de arrecadação de fundos de 60 mil euros para assegurar o confinamento das comunidades indígenas.

Mais após três semanas, 10 toneladas de alimentos básicos e produtos de higiene destinadas aos Kayapó estão bloqueadas pelos fornecedores, segundo a Planète Amazone, cujo presidente, Gert-Peter Bruch, denunciou "um excesso criminoso de burocracia". Com a falta de produtos, os indígenas precisam ir até as cidades se abastecer.

Da mesma forma, o fornecimento de medicamentos pelas ONGs a indígenas foi complicada por uma circular de Brasília, em 20 de maio. Segundo a Associação de Povos Indígenas do Brasil (APIB), ao menos 211 indígenas morreram de coronavírus de um total de 2.178 contágios.

 

Delimitação de terras 

 

A pandemia impediu Raoni de ir a Brasília para defender outra causa essencial dos indígenas: a delimitação de suas terras. O cacique queria se reunir com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Uma instrução normativa editada recentemente pela Funai autoriza com efeito imediato o desmonte de 237 terras indígenas que não tinham sido ainda delimitadas por decreto presidencial.

Tratam-se de terras do tamanho do território de Portugal, que podem ser ocupadas e desmembradas. "Não! Isso não pode acontecer!", insurge-se o cacique. "Nossa terra não pode ser ocupada pelos invasores", fazendeiros, madeireiros e garimpeiros ilegais. "Ele, como presidente", prosseguiu, referindo-se a Bolsonaro, "tem que demarcar as terras que ainda não foram demarcadas para que meu povo possa ali viver e se sentir bem".

"A Funai é nossa. Como órgão, não pode falar contra os indígenas (...) Tem que fazer seu trabalho e fazer demarcar terras indígenas que ainda não estão demarcadas".

 

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