Por 14 a 1, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o afastamento por seis meses do governador do Rio,
Wilson Witzel (PSC). Desde que foi criado, em 1988, o STJ já mandou governadores para a cadeia durante o exercício do mandato, como José Roberto Arruda e Luiz Fernando Pezão, mas esta foi a primeira vez que um chefe do Executivo local foi afastado do cargo sem ser preso. Logo após a decisão do STJ, Witzel reafirmou, através das redes sociais, que "jamais cometi atos ilícitos".
A decisão, inédita, representa uma vitória do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Witzel é um de seus principais adversários políticos e nunca escondeu o desejo de ser candidato ao Palácio do Planalto, em 2022, enfrentando Bolsonaro, que busca a reeleição.
Em quase cinco horas de julgamento, o relator do caso, Benedito Gonçalves, os ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Maria Thereza Assis de Moura, Og Fernandes, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Sérgio Kukina e o presidente do STJ, Humberto Martins, defenderam o afastamento do governador fluminense. A Corte Especial é formada por 15 dos 33 ministros mais antigos do tribunal.
Por comandar o STJ, Martins não era obrigado a votar, mas fez questão de deixar explícita sua posição e chancelar a decisão monocrática (individual) de Gonçalves. Kukina foi além dos colegas e votou para que Witzel não fosse apenas afastado do cargo, mas também preso. "Há elementos que sinalizam e direcionam ser ele o 'cabeça' da organização criminosa. Não faz sentido que os demais (alvos da operação) estejam presos", afirmou Kukina.
Eleito em 2018 tendo como um dos pilares de sua campanha o discurso contra a corrupção, Witzel foi acusado de obter vantagens indevidas em compras fraudadas na área da Saúde durante a pandemia do novo
coronavírus. Seus advogados alegaram que não tiveram acesso a documentos da investigação. Observaram, ainda, que o afastamento foi determinado sem que o governador prestasse depoimento às autoridades.
Governador alega que não cometeu atos ilícitos
Witzel se pronunciou nas redes sociais sobre o assunto. "Respeito a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Compreendo a conduta dos magistrados diante da gravidade dos fatos apresentados. Mas, reafirmo que jamais cometi atos ilícitos", publicou Witzel em sua conta no Twitter.
Nas postagens, o governador afastado reforçou não ter recebido valor desviado dos cofres públicos, o que, segundo ele, teria sido comprovado na busca e apreensão. "Continuarei trabalhando na minha defesa para demonstrar a verdade e tenho plena confiança em um julgamento justo", completou Witzel.
A publicação de Witzel inclui ainda uma mensagem para o seu substituto no cargo. "Desejo ao governador em exercício, Cláudio Castro, serenidade para conduzir os trabalhos que iniciamos juntos e que possibilitaram devolver ao povo fluminense a segurança nas ruas e, com isso, a esperança em um futuro melhor"
'Graves'
Gonçalves, que havia determinado o afastamento do governador por 180 dias, afirmou ter decidido por "medida menos gravosa" do que a prisão. Para o ministro Francisco Galvão, as acusações são graves e devem ser aprofundadas. "No momento em que vivemos, numa pandemia, onde já tivemos mais de 120 mil vítimas, é impossível que alguém que esteja sendo acusado e investigado possa continuar a exercer o cargo tão importante de maior dirigente do Estado do Rio", disse ele.
Nancy Andrighi concordou. "A ordem pública está não só em risco, como em atual, intensa e grave lesão. A situação de enfrentamento da pandemia tem sido aproveitada para dar continuidade à prática de atos criminosos", disse a ministra.
Mesmo acompanhando o entendimento dos colegas, Maria Thereza criticou o fato de Witzel ter sido afastado do cargo por uma decisão individual. O assunto provocou debate na Corte. "Na minha modesta opinião, essa decisão não deveria ter sido monocrática, mas submetida ao órgão colegiado desde logo. Trata-se aqui de governador de Estado, eleito com mais de 4,6 milhões de votos", destacou Maria Thereza.
"Acredito eu, que, em se tratando do afastamento de autoridade com prerrogativa de foro, eleita pelo voto popular, a submissão dessa matéria à Corte Especial constitui medida de prudência, que me parece, ostenta maior compatibilidade com o princípio democrático".
Mauro Campbell também questionou o fato de o afastamento ter sido por decisão individual, mas acabou votando para que o governador continuasse fora do comando do Rio. "Os fatos falam por si só."
Divergência
Único a ficar ao lado de Witzel, Napoleão Nunes contestou o afastamento do governador. "O pouco amor que se tem tido ultimamente pelo justo processo jurídico e o desapreço que se tem tido pelas liberdade individuais têm conduzido alguns autores imprudentes a relacionar o garantismo com a impunidade. Será que podemos falar em ampla defesa num julgamento que não comporta fala de advogado?", questionou.
Cláudio Castro, o governador em exercício, divulgou nota desejando que Witzel tenha garantido o amplo direito de defesa e reafirmando o compromisso de conduzir o Rio com "serenidade, diálogo e austeridade".