Eleições 2020

O jogo de ajuda mútua nas campanhas para prefeito e vereadores no Recife

Durante a campanha, candidatos a prefeito e postulantes a vereador se ajudam mutuamente. Em algumas situações, porém, esse vínculo positivo é quebrado

Cadastrado por
Cássio Oliveira
Mirella Araújo
Luisa Farias
Renata Monteiro
Publicado em 11/10/2020 às 8:00
Foto: Bianca Souza/Acervo JC Imagem
Câmara de Vereadores do Recife - FOTO: Foto: Bianca Souza/Acervo JC Imagem

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Eleições 2020 - .

Observadores mais atentos às movimentações dos candidatos a prefeito do Recife podem perceber até com certa facilidade que, em cada compromisso de campanha, parte deles está cercada por um verdadeiro exército de candidatos a vereador. Em busca de uma cadeira na Casa de José Mariano, os postulantes não prescindem da presença dos candidatos majoritários nos seus redutos eleitorais e criam quase que uma relação simbiótica com eles, favorecendo as campanhas dos prefeituráveis com os votos do seu grupo e, ao mesmo tempo, sendo favorecidos pelo apoio político de quem deseja chefiar o Executivo municipal.

A cientista política Priscila Lapa, da Faculdade de Ciência Humanas de Olinda (Facho), nos conta que, numa eleição municipal, os postulantes a vereador é que são a base do voto do candidato a prefeito. Ela explica que, por estarem em contato direto com os eleitores, nas comunidades, são eles que trazem boa parte dos votos que candidatos a prefeito recebem nas urnas. “O candidato a vereador é a pessoa que está em contato com as lideranças comunitárias no dia a dia, e essas lideranças estão em contato com as populações. E são essas lideranças que proporcionam uma agenda do candidato a prefeito na comunidade. São eles que marcam as reuniões, que levam o material de campanha para distribuir no local. Na época dos muros, eram eles que conseguiam autorização para pintá-los”, detalhou.

Como foi dito no início deste texto, porém, essa relação não é vantajosa apenas para o candidato a prefeito. O cientista político Arthur Leandro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembra que muitas vezes o eleitor, ao ver um candidato a vereador ao lado de um prefeiturável, passa a enxergar esse membro da sua comunidade como uma espécie de porta-voz do seu grupo com acesso direto ao gabinete do futuro prefeito, fato que muitas vezes o faz depositar seu voto nos dois postulantes.

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"Ao lado do candidato a prefeito, é interessante para o candidato a vereador dizer: 'é nesse cara que vamos apostar, é ele quem vai resolver os nossos problemas'. O candidato a vereador se credencia junto a uma autoridade (ou possível autoridade) e isso incentiva o eleitor tanto a votar nele, quanto no candidato a prefeito. Quando um postulante à chefia do Executivo municipal diz que está com fulano, ele também está dizendo: 'olha, fulano me apoia. Então se tu tens contato com fulano, que é candidato a vereador, quando vc falar com ele, é comigo que você vai estar falando'. Tem esse tipo de linguagem oculta no aparecimento conjunto", observou o docente.

Entre os prefeituráveis do Recife, é praticamente unânime o discurso de que os candidatos a vereador são importantes para a campanha majoritária. Para João Campos (PSB), por exemplo, os futuros vereadores são fundamentais para ouvir as demandas da população e para que o gestor municipal eleito “enfrente os desafios da cidade”. “Em nossa caminhada, sempre buscamos discutir, juntos com eles (candidatos proporcionais) e com a população, alternativas para enfrentar os desafios da cidade. Por isso, fazemos questão de contar com essa participação nas agendas, sempre observando a relação que cada postulante tem com as localidades visitadas”, disse o socialista.

Na eleição deste ano, João lidera uma coligação que possui 12 partidos - a Frente Popular do Recife - e um total de 439 candidatos a vereador. No fim de setembro, a coluna Cena Política, deste Jornal do Commercio, revelou que alguns desses postulantes estariam insatisfeitos com o cabeça de chapa, pois, na campanha, ele estaria dando mais atenção aos candidatos do PSB, seu partido.

Abertamente, no entanto, é difícil encontrar quem admita a situação. Eriberto Rafael (PP), que é líder do governo na Câmara e tentará a reeleição este ano, afirma que João, apesar das restrições impostas pela pandemia de covid-19, tem trabalhado para atender o maior número possível de candidatos a vereador. “A eleição municipal este ano está difícil para todos, porque ainda estamos passando por uma pandemia e temos que cuidar da nossa cidade e das pessoas, respeitando todos os protocolos sanitários. João Campos tem essa visão de criar uma unidade, da melhor forma possível, tem andado pela cidade buscando contemplar os candidatos, então não acredito que possa ter algum tipo de mágoa”, disse.

O vereador Augusto Carreras (PSB), por outro lado, apesar de ressaltar a receptividade que o candidato socialista tem verificado nos compromissos que vem cumprindo em comunidades do Recife, diz ser impossível para apenas uma pessoa cumprir agenda com tantos postulantes a vereador. “Lógico que todos os candidatos a vereador querem andar ao lado do seu candidato a prefeito, mas não dá para fazer essa agenda com todos. Há uma priorização estratégica dos locais mais interessantes, com mais capacidade de crescimento”, explicou o parlamentar, que busca reeleger-se pela 5ª vez.

Já Marília Arraes (PT) lidera uma coligação com três partidos (PT, PSOL e PTC), que juntos lançaram 91 candidatos a vereador, dos quais três deles são detentores de mandato e buscam a reeleição: Ivan Moraes (PSOL), Jairo Britto (PT) e João da Costa (PT). Mas nem todos os candidatos do PT apoiam a candidatura de Marília, um reflexo da divisão que se acentuou dentro do partido entre o grupo de Marília e o que defendia a manutenção da aliança com o PSB no Recife. Osmar Ricardo (PT) é outro candidato que integra esse grupo. 

Marília, por sua vez, tem feito uma série de caminhadas por comunidades do Recife, sempre acompanhada de candidatos a vereador não só do PT, mas também do PSOL e PTC. Ela tem participado inclusive de lançamento de comitês e de agendas promovidas por esses aliados. Desde o início do período de campanha, ela esteve com pelo menos 23 postulantes, alguns em mais de uma ocasião. 

"O papel do vereador é importantíssimo. Fui vereadora três vezes e sei o quanto a gente se torna próximo da população. Eu tenho todo o respeito do mundo, a gente sempre que pode dar essa força para o vereador, participa com eles. A diferença é que tem candidato que precisa de vereador para ser arrastado. A gente vai lado a lado", alfinetou Marília, em referência ao PSB. 

Presidente licenciada do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzi Rodrigues é uma das aliadas que tem unificado muitas agendas com Marília, que participou de uma plenária promovida pela candidata a vereadora no Ibura na última segunda-feira (5). "Nas minhas comunidades eu tenho feito campanha colada na de Marília. Claro que tem pessoas que vão votar em Suzi independente da prefeita. Eu sou presidente do sindicato e o fato de conviver com a periferia me fortalece a levar Marília para entrar em diálogo direto com as pessoas, porque as pessoas vão conhecer as propostas de perto. Ao mesmo tempo, estar com Marília também me fortalece, tem muita gente juventude, universidades, pessoas de movimentos sociais que a partir de Marília conheceram a candidatura de Suzi", aponta Suzi. 

Na oposição, Mendonça Filho (DEM) tem quatro partidos na sua coligação, DEM, PSDB, PTB e PL. Apesar disso, duas dessas legendas não montaram chapas proporcionais no Recife: PSDB e PL. Como dos 62 candidatos da coalizão, 53 são do próprio DEM, e ex-governador diz que tem sido tranquila a relação com os postulantes.

“A receptividade da campanha na base está muito boa, a integração da nossa candidatura com os vereadores e a representatividade deles nas áreas das comunidades, nas áreas mais populares do Recife, está 100%. Alguns candidatos representam segmentos específicos, ligados à saúde, ao meio ambiente, à defesa animal, e outros têm uma representatividade mais demográfica, como a Grande Casa Amarela, Nova Descoberta, Totó, Tejipió. Mas até agora está tudo correndo muito bem”, pontuou o democrata.

Disputando sua primeira eleição, Wilker Cavalcanti (DEM) é um dos postulantes que têm estado ao lado de Mendonça. Ele conta que, apesar da pandemia, tem feito o possível para acompanhar o candidato majoritário em seus compromissos de campanha pela cidade. “Esta é a minha primeira experiência como ator principal do jogo eleitoral e está sendo tudo muito positivo, porque além de eu admirar Mendonça como político, o admiro enquanto amigo. Infelizmente a gente tem sofrido com os impactos da pandemia, mas estamos sendo muito bem recebidos nas comunidades”, declarou.

Com a expectativa de eleger três vereadores neste ano, a Delegada Patrícia (Pode) comemora a composição da chapa proporcional do seu partido, mas sequer menciona os candidatos do Cidadania, a outra sigla que integra a sua coligação. Apesar disso, em seus atos de campanha a policial é sempre vista ao lado de postulantes da agremiação. "O nosso partido é um dos poucos do campo da oposição que apresenta chapa completa de vereadores, com 58 candidatos e a perspectiva de eleger três deles. Como temos candidatura majoritária, há ainda o acréscimo do voto de legenda. Nós estamos com um time engajado. Um time composto de forma preponderante por outsiders. Eu acredito muito no novo, na mudança proposta por candidatos que querem entrar para promover transformação", disparou.

Um dos candidatos do Podemos é Thiago Lira (Pode), da ONG Fiscaliza Brasil. Para ele, os postulantes proporcionais devem adotar uma postura mais proativa no processo eleitoral, e não esperar que a candidata majoritária esteja com eles nos compromissos das campanhas deles. “Patrícia está atuando junto aos candidatos, mas acho que o melhor para a campanha dela seria os vereadores acompanhá-la, e não ela acompanhá-los nesse momento”, pontuou Lira.

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