Educação é a área mais impactada pela pandemia de covid-19 no Brasil, aponta estudo do IBGE divulgado em outubro. Para os prefeitos que assumirão as 184 cidades pernambucanas a partir de 1º de janeiro, o desafio urgente, independente de estarem na Região Metropolitana ou no interior, será retomar as aulas presenciais e garantir que os estudantes aprendam depois de tantos meses afastados da sala de aula presencial. A tarefa não será fácil e precisa começar a ser planejada assim que as urnas apontarem os vencedores das eleições que ocorrerão em duas semanas. É o que mostra a série Desafios Urbanos deste domingo.
Um milhão de crianças e adolescentes de Pernambuco, alunos das escolas municipais das 184 cidades do Estado, estão sem aulas presenciais desde a metade de março, devido à covid-19, e não há previsão, por enquanto, de quando o governo estadual vai autorizar o retorno deles para as unidades de ensino. A suspensão das aulas por tanto tempo, mesmo que esteja havendo atividades remotas em 98% dessas localidades, vai repercutir negativamente no aprendizado, com risco de aumento da evasão e do abandono escolar. Os novos prefeitos, ao assumirem os mandatos em 1º de janeiro, terão um desafio duplo e urgente pela frente: organizar a retomada das aulas num cenário ainda de pandemia para concluir o ano letivo de 2020 e montar o calendário de 2021 com estratégias que diminuam os impactos negativos desse afastamento presencial. Paralelamente, os novos gestores precisarão focar em ações para minimizar ou resolver problemas que se arrastam há muito tempo, como a quantidade insuficiente de vagas em creches públicas e as lacunas no processo de alfabetização.
“Garantir a qualidade da educação em 2021 será muito mais desafiador diante da fragilidade que vivemos neste ano de 2020. São muitos aspectos que devem ser considerados para termos a aprendizagem. Com a perspectiva de manter o ensino híbrido, é preciso prestar atenção nos alunos com limitação às plataformas digitais, por exemplo. Temos também muitos professores com fatores de risco para o agravamento da covid e que por isso não poderão voltar às escolas”, observa o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação de Pernambuco (Undime) e secretário municipal de Educação de Belém de Maria, Natanael Silva.
“A infraestrutura das escolas para garantir o cumprimento dos protocolos preocupa, sobretudo com a perspectiva de queda na arrecadação de recursos do Fundeb. Em oito meses, a Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) calculou que houve diminuição de R$ 130 milhões no repasse do fundo para as cidades do Estado”, diz Natanael. Cerca de 80% dos atuais prefeitos pernambucanos já sinalizaram que não pretendem voltar com o ensino presencial este ano, o que coloca essa missão na mesa dos próximos gestores.
MENOS RECURSOS
A preocupação do presidente da Undime com a falta de verbas é referendada pelo relatório Covid-19: Impacto Fiscal na Educação Básica, divulgado semana passada pelo Instituto Unibanco e o Todos Pela Educação, em parceria com o Conselho Nacional dos Secretários de Educação. A projeção é que as redes estaduais e municipais percam entre R$ 13 bilhões e R$ 40 bilhões em tributos vinculados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) este ano, a depender do cenário de crise econômica.
Moradora do bairro de Peixinhos, em Olinda, no Grande Recife, e com três filhos estudando em escolas públicas, a dona de casa Sueli Oliveira, 43 anos, teme as consequências do
ensino remoto no desempenho dos filhos em 2021. “Estudei até a 4ª série, não tenho muito conhecimento para ajudar nas tarefas. Ainda bem que um dos meninos ganhou um celular da professora e a escola deu um chip. Só desse jeito para ele acompanhar as atividades. Mesmo assim não é a mesma coisa. A escola faz muita falta. Meu medo é que eles se atrasem
no ano que vem”, afirma Sueli.
O caçula, Saulo, 5, é aluno da rede municipal de Olinda. O do meio, Silas, 11, estuda num colégio municipal no Recife. A mais velha, Clarice, 14, está numa unidade estadual. “Sobrevivemos do Bolsa Família. Este mês fiz a feira e não sobrou dinheiro para pagar os R$ 50 da internet. Fico chateada, pois sei que é importante para eles. Mas primeiro precisa ter barriga cheia”, diz Sueli, que antes da pandemia complementava a renda com faxina em duas residências. “As duas senhoras que me ajudavam morreram de corononavírus”, lamenta.
SUGESTÕES
A partir da contribuição de 14 especialistas com experiência em gestão municipal, o Todos Pela Educação elaborou um documento técnico para colaborar no debate sobre as políticas
educacionais no contexto das eleições municipais deste ano. São sugeridas quatro prioridades: atendimento com qualidade na educação infantil; alfabetização; evolução da aprendizagem e fluxo escolar e redução das desigualdades.
“Sabemos que os efeitos da pandemia na educação não serão mitigados em 2021. Mas não dá para achar que os quatro anos de gestão serão apenas para isso. É fundamental um plano robusto para educação e com objetivos claros”, destaca o gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa. “É essencial que os novos prefeitos tenham em mente uma gestão para a aprendizagem, com redução das desigualdades entre as escolas e mesmo dentro de cada escola, olhando sobretudo os alunos mais vulneráveis.”
POUCAS CRECHES
Nos programas de governo de quase todos os candidatos a prefeito, sobretudo os Grande Recife, a construção de creches, com ampliação de vagas para crianças de 0 a 3 anos, está entre as promessas. Em Pernambuco, conforme o módulo de educação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dois terços dos pernambucanos nessa faixa etária não frequentavam creches (31,8%) no ano passado. O Estado ocupa o 11º lugar no ranking nacional, abaixo da média do Brasil (35,6%) e atrás de outros Estados nordestinos, como Rio Grande do Norte (36,1%), Paraíba (32,8%) e Ceará (32,2%).
“Tentei colocar meu filho numa creche mas não tem vaga. É ruim porque a gente precisa de ajuda. Quando saio porque tenho algum trabalho, minha mãe fica com ele. Só que às vezes ela também trabalha”, conta Ingrid Vitória de Lima, 20 anos, mãe de João Vitor Lima, 2 anos. Eles moram no bairro de Fosfato, um dos mais carentes da cidade de Abreu e Lima, no Grande Recife. O município não tem nenhuma creche da rede municipal. O estabelecimento que Ingrid procurou é mantido por uma congregação da Igreja Católica.
Abreu e Lima tem a terceira menor cobertura de vagas em creches da RMR, 9%, segundo a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, entidade voltada para primeira infância e
que usou dados do Ministério da Educação. Em primeiro e segundos lugares, respectivamente, com baixo atendimento, estão Itamaracá (6,45%) e Moreno (6,51%). A capital
pernambucana aparece com o maior percentual de atendimento, 40%. Esses índices consideram a oferta em creches públicas e particulares.
“Há uma visão de que a creche é apenas um local para atender as mães que precisam trabalhar. Entendemos que é uma política importante para a mãe trabalhadora, mas a centralidade deve ser na criança. A creche não é um depósito nem deve ser percebida como assistencialismo. É um investimento na primeira infância”, defende Cida Freire, do comitê gestor do
Fórum em Defesa da Educação Infantil de Pernambuco.
ALFABETIZAÇÃO
Outro desafio que os prefeitos precisam enfrentar é ensinar as crianças a ler e escrever até os 8 anos de idade, ou seja, quando concluírem o 2º ano do ensino fundamental. A última edição da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), de 2016 (a atual gestão do governo federal não deu mais continuidade ao diagnóstico) revelou que em Pernambuco, sete de cada dez alunos não sabiam ler adequadamente e cinco tinham problemas na escrita.
Diante desse cenário, o governo de Pernambuco lançou, ano passado, o Programa Criança Alfabetizada, a fim de apoiar as prefeituras nessa tarefa. “Avançamos, mas podemos melhorar muito mais. Os novos prefeitos devem colocar a alfabetização como prioridade. Até porque se quiserem receber mais recursos do ICMS, terão que apresentar melhores resultados na educação. Com o Criança Alfabetizada, a educação é o indicador dentro do ICMS que tem mais peso. Saímos de 3% para chegar a 18%, gradualmente, em seis anos”, explica o secretário estadual de Educação, Fred Amancio. No primeiro ano o aumento é de 5% e nos demais, 2% a cada ano.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é o principal tributo do Estado. O primeiro ano de repasse com a nova regra é 2021, ano em que os gestores precisarão de mais apoio financeiro para vencer as lacunas impostas pela pandemia. O montante a ser dividido entre as cidades ganha um incremento de R$ 240 milhões, estimativa considerando a arrecadação atual.
O cálculo do repasse vai levar em conta os resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de Pernambuco (Idepe), indicador de qualidade aferido pelo governo estadual. Alfabetização terá peso de 60% (outros 30% vão para o desempenho nos anos iniciais do ensino fundamental e 10% nas séries finais).
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