Coronavírus

Recursos para vacina contra covid-19 ainda não estão definidos no orçamento do governo federal

Setor de pesquisas também está de olho no orçamento do governo federal

Da Redação com agências
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Publicado em 12/12/2020 às 9:00
REUTERS/SIPHIWE SIBEKO
Entenda mais sobre os imunizantes produzidos para combater a covid-19 - FOTO: REUTERS/SIPHIWE SIBEKO
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Diante da pandemia da covid-19, os olhos do mundo se voltam para a necessidade de uma imunização e no Brasil não é diferente. Na última semana, diferentes entidades e prefeitos cobraram do governo Jair Bolsonaro a aquisição de vacinas e afirmaram ser "descabido que a União não se coloque, com clareza e efetividade, à frente desse processo para proteger os cidadãos brasileiros".

Hoje, a previsão orçamentária do governo federal não inclui, especificamente, uma ou mais futuras vacinas contra a covid-19. De acordo com o Ministério da Saúde, foi estabelecido para 2021 um piso de R$ 123,8 bilhões para ações em serviços públicos de saúde, seguindo as regras estabelecidas pela Emenda Constitucional (EC 95/16) do teto de gastos. A maior parte desses recursos está destinada à assistência hospitalar (R$ 55,38 bilhões) e à atenção básica (R$ 23,9 bilhões).

A proposta orçamentária prevê R$ 4,6 bilhões para a compra de 290 milhões de doses de vacina que fazem parte do Programa Nacional de Imunização. Mas o subsecretário de Planejamento e Orçamento do Ministério da Saúde, Arionaldo Rosendo, apresentou os principais pontos do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), que deve ser votado no plenário da Câmara dos Deputados nos próximos dias, e explicou que vacinas para a covid-19 estão sendo tratadas via crédito extraordinário. "Vacinas que nós estamos apresentando no orçamento corrente, como não poderia deixar de ser, são essas do calendário anual de vacinação”, explicou ele durante debate sobre o assunto na Câmara dos Deputados.

Acompanhe o debate sobre a vacina:

Rosendo acrescentou que, como não há clareza sobre quais despesas serão necessárias para enfrentar a pandemia em 2021, não seria possível incluí-las na proposta orçamentária entregue em agosto. Ele também lembrou que o estado de calamidade pública termina em 31 de dezembro.

"Nós, do Parlamento, não vamos nos furtar, com a PEC emergencial, ou outro instrumento, se porventura precisar em janeiro de garantir todos os recursos para que o governo brasileiro adquira o maior número de doses possíveis para imunizar a população. O custo de uma dose de vacina é muito menor do que a taxa de ocupação de leitos de UTI, que a dificuldade de estar no mercado de trabalho, com estabelecimentos fechando e sofrendo com desemprego, e, mais que isso, as vidas que vamos salvar com a imunização", destacou a relatora da Comissão Externa da Câmara que acompanha as ações contra o coronavírus, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC).

No encontro, parlamentares cobraram que o orçamento da Saúde para 2021 já conte com a previsão de recursos para enfrentar a covid-19 — incluindo a compra de vacina. Eles também alertaram que cerca de 1 bilhão de procedimentos de saúde que deixaram de ser feitos em 2020 por conta da pandemia devem impactar os gastos do setor no ano que vem.

THIAGO FAGUNDES/AGÊNCIA CÂMARA
Vacinas contra a covid-19 em fase final de testes - THIAGO FAGUNDES/AGÊNCIA CÂMARA

O deputado Alexandre Padilha (PT-SP), que já foi ministro da Saúde, afirma que o orçamento proposto não dará conta das demandas em relação à covid-19 e que é preciso prever recursos para a vacinação. "Precisamos garantir, de forma urgente, uma rubrica específica para adquirir o volume necessário de vacinas e vacinar todos e todas que tiverem indicação para participar dos vários projetos de desenvolvimento da vacina. Se não participarmos de 4,5,6 projetos possíveis, nós não teremos vacina na velocidade que precisamos para estancar a pandemia nesse momento e para a aquisição e produção dos insumos. Isso é fundamental para salvar vidas e para recuperar a economia”, afirmou.

A assessora técnica do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) Blenda Leite criticou a diminuição gradual do percentual de recursos federais para a saúde e apontou que, por causa da pandemia, procedimentos de saúde que deixaram de ser realizados neste ano podem gerar uma despesa de cerca de R$ 6 bilhões em 2021. A preocupação da entidade é com a manutenção dos investimentos na atenção básica e com os gastos que ainda serão necessários para enfrentar o coronavírus.

"Precisamos garantir recursos suficientes para atender à demanda reprimida causada pela covid-19 e dar continuidade às ações de enfrentamento à covid. A covid não termina no dia 31, existe um legado da covid que são a implementação desses leitos de UTI e a manutenção desses leitos, enfim, existem várias ações que precisam ser financiadas e nós precisamos ter a garantia do financiamento sustentável para essas ações", apontou.

Por enquanto, a previsão do Ministério da Saúde é de adquirir 100,4 milhões de doses da chamada vacina de Oxford e 42 milhões de doses do consórcio Covax Facility, mas estão sendo assinados memorandos de entendimento que podem resultar na compra de outras vacinas.

A primeira parte da vacinação será dividida em quatro fases, que inclui trabalhadores da saúde, idosos, indígenas, pessoas com comorbidades e professores, num total estimado de até 52 milhões de pessoas. O secretário Rosendo ressaltou, no entanto, que os números ainda não são definitivos e que a intenção é imunizar toda a população. "A definição dos grupos ou das fases em que ocorrerá a vacinação está em constante mudança, porque vai depender do quantitativo de doses que efetivamente nós teremos para um determinado tempo", disse o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo de Medeiros.

Secretários estaduais

GUSTAVO SALES/CÂMARA DOS DEPUTADOS
Carlos Eduardo Lula é secretário estadual de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) - GUSTAVO SALES/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Presidente do Conselho Nacional de Secretários estaduais de Saúde (Conass), Carlos Eduardo de Oliveira Lula listou algumas condições para que o Brasil não fique para trás na vacinação, frustrando as expectativas da sociedade: “Primeiro, incorporar todas as vacinas disponíveis, que sejam eficazes e seguras; segundo, ter o horizonte de 2021 para imunizar toda a população brasileira ou um número máximo de pessoas possíveis; e, terceiro, que isso seja algo coordenado pelo Ministério da Saúde”.

Parlamentares reforçaram a necessidade de coordenação por parte do ministério, principalmente na perspectiva de utilização de mais de uma vacina e cobraram a definição de um orçamento para a vacinação que possa ser negociado pelos congressistas. Carmen Zanotto ressaltou que a priorização dos grupos a receberem as primeiras doses tem que ser feita por critérios técnicos e teme uma corrida às vacinas.

"Se não for baseado em critérios técnicos e científicos, nós corremos o risco de ter arrombamento de salas de vacinas, que nós vamos ter que pensar em reforço de segurança; sequestro de caminhões com vacina no seu transporte; briga nas filas, porque ‘eu quero ser vacinado e o outro também quer ser vacinado’. Então os critérios têm que ser claros", afirmou Zanotto.

Líder do Governo

Estão em vigor até 31 de dezembro deste ano um decreto de calamidade pública e o chamado Orçamento de guerra. As duas medidas afrouxaram regras fiscais para que o governo pudesse ampliar gastos relacionados ao combate ao coronavírus. Em pouco mais de três semanas, com a virada para 2021, essas medidas deixarão de valer, e o governo terá de respeitar o teto de gastos, a regra de ouro e a meta fiscal.

O líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado Ricardo Barros (PP-PR), defendeu que o governo aproveite as regras flexíveis para que sejam liberados ainda em dezembro os recursos necessários para vacinar a população brasileira contra o coronavírus. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele disse que as vacinas podem ser compradas em 2020 se forem aprovadas rapidamente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa ). Se esse cenário não se confirmar, ele defende que o governo e o Congresso aprovem a liberação das verbas neste ano mesmo que não haja certificação das vacinas.

"Assim que o ministro da Saúde tiver condições, ele bate o martelo e compra as vacinas, só é preciso que tenha [autorização da] Anvisa, FDA (agência de regulação de medicamentos dos Estados Unidos), alguma certificação. No caso da AstraZeneca, nós compramos ainda antes da certificação. Pode-se fazer isso e aproveitar o Orçamento deste ano. Não há previsão desse tipo de despesa no ano que vem fora do teto de gastos”, afirmou.

Pesquisas

As diretrizes do orçamento para 2021 devem ser votadas no Congresso na próxima semana e setores de ciência e tecnologia estão de olho no total previsto para as áreas. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, a pandemia atingiu o Brasil no momento em que a área de ciência, tecnologia e inovação enfrenta a pior situação financeira dos últimos tempos.

>> Com pesquisas prejudicadas pela pandemia, pós-graduandos pedem prorrogação de bolsas da Facepe

"Quando a pandemia chegou, o Brasil foi pego no contrapé. Para enfrentá-la, é preciso ter dinheiro que garanta laboratórios equipados e pessoal qualificado. Em vez disso, o que temos é o desmonte de muitas das nossas instituições por falta de recursos financeiros", afirmou Ildeu.

Pela proposta orçamentária de 2021, elaborada pelo governo federal e em análise no Congresso Nacional, o Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, terá para investimento R$ 2,7 bilhões, sem contar os já esperados bloqueios que serão impostos no correr do ano. Se os parlamentares confirmarem a cifra, os cofres continuarão em queda, pois para o ano atual, como comparação, o valor reservado no Orçamento federal é de R$ 3,7 bilhões. No ano passado, foi de R$ 5,7 bilhões. Ainda assim, o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, disse recentemente que a pandemia ressaltou a importância da ciência "como única arma para vencer o vírus". "Precisamos melhorar o financiamento da ciência e tecnologia e de inovações", disse o ministro.

O setor científico no Brasil é custeado, principalmente, pelo governo. Muitos dos cientistas trabalham em institutos públicos de pesquisa e nos programas de pós-graduação das universidades federais e estaduais, em áreas tão distintas quanto as relacionadas a fármacos e agronegócio, aeronáutica e petróleo, satélite e biocombustível, meio ambiente e defesa.

As principais fontes de recursos dos cientistas brasileiros provêm do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Igualmente importante é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação. Todas essas fontes deverão ter menos recursos para distribuir em 2021.

"Se os cortes previstos para 2021 forem mesmo implementados, haverá impacto nos programas de bolsas, tanto na pós-graduação quanto na educação básica, e isso afetará bastante os programas de fomento à pesquisa", disse  presidente da Capes, Benedito Aguiar, à Agência Senado. Atualmente, a Capes concede bolsas a quase 100 mil pesquisadores. O CNPq financia perto de 80 mil bolsistas — quase 25% a menos do que em 2014, quando havia 105 mil bolsistas.

Falta prioridade

GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO
Senador Izalci Lucas é autor de projeto que preserva verbas da ciência - GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

Mesmo com a arrecadação do poder público em queda nos últimos anos, além do baque econômico causado pela pandemia, cientistas e parlamentares dizem ser possível poupar o setor científico de grandes perdas orçamentárias. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, reclama que os governantes, de forma geral, "só atuam pensando na próxima eleição, e não nas próximas gerações".

"Preferem investir em programas que tragam resultados imediatos e tenham bastante visibilidade, garantindo votos. A ciência não é assim. Os resultados científicos que vemos hoje costumam ser fruto de anos de investimento e nem sempre podem ser mostrados na propaganda eleitoral. Isso ajuda a explicar o descaso com a ciência", afirmou o senador.

A maior parte do contingenciamento (R$ 4,2 bilhões), incide sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com expectativa de arrecadação acima dos R$ 5 bilhões. Alimentado por 14 fundos setoriais, o FNDCT é gerido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que aplica os recursos em pesquisa e inovação em universidades e empresas.

A verba livre do FNDCT, que já superou R$ 4 bilhões, caiu seguidamente, para R$ 850 milhões em 2019, R$ 600 milhões este ano e aos R$ 510 milhões previstos para 2021. Para o CNPq, o orçamento se manteve na faixa dos R$ 1,2 bilhão em 2019 e 2020, mas cairá para R$ 560 milhões em 2021.

Com informações da Agência Câmara, Agência Senado e Estadão Conteúdo

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