ENTREVISTA

A direita precisa fazer um mea culpa sobre Bolsonaro, diz Catarina Rochamonte

Presidente do Instituto Liberal do Nordeste, Catarina Rochamonte defende que liberais e conservadores rompam com o governo Jair Bolsonaro,

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Paulo Veras

Publicado em 30/01/2021 às 16:25
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Em um artigo na Folha de S. Paulo, a doutora em Filosofia e presidente do Instituto Liberal do Nordeste, Catarina Rochamonte, defendeu que conservadores e liberais rompam com o governo Jair Bolsonaro. Em entrevista a Paulo Veras, do JC, ela diz que o presidente rompeu com pautas da direita, como o combate à corrupção, e apostou no extremismo.

JORNAL DO COMMERCIO – Por que a senhora defende que liberais e conservadores se afastem do governo Bolsonaro?

CATARINA ROCHAMONTE – Primeiro porque ele não é nem liberal, nem conservador. Eu defino o caráter do bolsonarismo como um tipo de pensamento mais populista e reacionário. A eleição do Bolsonaro, de certa forma, catapultou uma demanda da sociedade em relação aos valores conservadores e às pautas econômicas liberais. Houve uma certa confluência que favoreceu o nome dele. Havia uma insatisfação enorme com a esquerda, com relação às pautas progressistas e à corrupção que ficou escancarada com a Operação Lava Jato. Agora, quem foi que elegeu o Bolsonaro? Uma pequena parcela é aquele núcleo duro de eleitorado dele que, até agora, é fechado com o Bolsonaro, independente do que ele fizer. É um núcleo mais fanatizado, acrítico, que acha que ele é o mito, o salvador que pode derrotar a esquerda. Mas obviamente que este não foi o único eleitorado dele. A outra parte que elegeu o Bolsonaro está cada vez mais insatisfeita. As pessoas que apoiaram a Lava Jato, eu acho que são as mais insatisfeitas. O Bolsonaro se elegeu sob a insígnia da Lava Jato, e traiu essa bandeira. A gente foi acompanhando a questão da prisão em segunda instância, do juiz de garantias, a indicação do (procurador-Geral da República) Augusto Aras, depois uma perseguição à Força Tarefa de Curitiba, a indicação do Kassio Nunes Marques para o STF. Ele começou a tentar aparelhar as instituições, minar a Lava Jato, para não chegar no filho dele (o senador Flávio Bolsonaro). Isso ficou muito claro. E a gente teve essa primeira ruptura da direita com a saída do (ex-ministro da Justiça) Sérgio Moro.

JC – As pautas liberais, como reformas e privatizações, ainda são possíveis no governo Bolsonaro?

ROCHAMONTE – Eu acho que ele não tem interesse nisso. Houve uma espécie de engano. Eu não sei se proposital ou não. Mas pessoas de viés liberal foram chamadas a compor o governo. No começo do governo, os nomes eram bons. Isso fez com que a gente tivesse a expectativa. Mas o que fica mais claro é que o Bolsonaro que ficou como um presente de grego para o brasileiro é aquele Bolsonaro da velha política, um cara que faz parte desse establishment, não aquele cara que vai destruir o establishment. Ele está articulando com o centrão, troca de cargos e ministérios. Tudo agora voltou para aquilo o que a gente combatia. A privatização não interessa por quê? Porque a privatização vai comprometer esse jogo político de troca de cargos.

JC – No artigo, a senhora fala sobre os protestos de grupo de direita pelo impeachment. No entanto, esses grupos foram em dias diferentes da esquerda. Essa divisão não atrapalha a oposição ao governo?

ROCHAMONTE – Talvez atrapalhe. Mas eu acho muito difícil ainda confluir. Porque a visão de mundo dessas pessoas que estão pedindo impeachment de Bolsonaro a esquerda é um tanto quanto diferente da visão política desse pessoal mais a direita. O discurso é diferente, as pautas são diferentes, a forma como criticam o governo é diferente. O Bolsonaro precisaria ser criticado pontualmente pelos erros gravíssimos que ele cometeu. Mas a imprensa sempre combateu o Bolsonaro de uma maneira extremamente exagerada, demonizava o Bolsonaro. Uma coisa completamente despregada da realidade. Não tão despregada assim, mas exagerada. Isso fez com que a imprensa perdesse credibilidade. Isso é um fator muito importante. Porque quando a gente quer mostrar as coisas graves que efetivamente aconteceram no governo, a gente vai mostrar através da imprensa. Mas as pessoas que votaram no Bolsonaro não acreditam mais. Porque eles já compraram aquela teoria de que toda a imprensa simplesmente persegue o Bolsonaro. Então, quando você vai explicar que o cara está aliado com o centrão, está fazendo isso para proteger o Flavio, perde a força.

JC – Pessoalmente, a senhora acha que há elementos para um impeachment?

ROCHAMONTE – Eu não sou advogada, não tenho esse conhecimento jurídico dos pormenores. Mas, pelo que eu tenho lido, eu acho que você pode ter sim um crime de responsabilidade. Tanto em relação a questão da condução da pandemia, quanto com relação a tentativa de interferência nas instituições. Mas aí isso precisaria ser provado. Se há 60 pedidos de impeachment na mesa do presidente da Câmara, não é possível que dentro desses 60 pedidos não haja uma legitimidade. A questão, me parece, ser muito mais de cunho político agora, do que jurídico.

JC – Como a vitória de Joe Biden influencia a política no Brasil e o governo Bolsonaro?

ROCHAMONTE – O Trump prejudicou os republicanos. É mais ou menos o que acontece aqui com o Bolsonaro em relação às pautas liberais e conservadores. Porque o Trump é uma coisa caricata. E aí, o que aconteceu? Veio o Biden porque era a única possibilidade de tirar essa direita populista. Só que não é, obviamente, aquilo o que um conservador queria. O Biden começou cedendo às pautas identitárias, as pautas progressistas ganharam espaço. Beleza, é o movimento lá deles. Eu também acho que precisa encontrar um meio termo. Porque o Trump já é uma resposta ao excesso das pautas progressistas. Da mesma forma que o Bolsonaro aqui foi uma resposta. Então, se a direita precisa fazer uma mea culpa em relação ao Bolsonaro, a esquerda também precisa fazer uma mea culpa em relação ao seu discurso e à radicalização das suas pautas. Só assim a gente vai encontrar um equilíbrio.

JC – A eleição de 2018 foi extremamente polarizada. Há chance de um candidato de centro-direita romper essa polarização em 2022?

ROCHAMONTE – Se você me perguntar qual seria o perfil político que eu almejo que apareça em 2022, seria alguém de centro-direita. Alguém que defendesse valores conservadores, como ser contra o aborto, contra a ideologia de gênero, mas que não seja um reacionarismo, não seja uma coisa assim bruta. Porque você tem que entender o pluralismo, a necessidade do respeito às minorias, a questão do racismo, a questão da homofobia. O que a gente precisa combater é o radicalismo e a instrumentalização das minorias pela esquerda. Mas a gente não pode combater as minorias. Entende como é sutil? Agora, isso pressupõe um esclarecimento. Tanto da população, quanto dos políticos. A centro-esquerda está se organizando. Tem uma figura aí que vai querer aparecer como o nome da centro-esquerda, que é o Ciro (Gomes, ex-governador do Ceará). Só que o Ciro é tão autoritário e tão boçal quanto o Bolsonaro. Se não tiver alguém da direita que mostre, com firmeza, que o bolsonarismo não engloba toda a direita, eles vão entregar de bandeja para este pessoal da esquerda. Se a gente não quer isso, vamos construir essa candidatura. Mas infelizmente isso não está acontecendo porque os nossos melhores nomes, como a Janaína Paschoal e o Marcel Van Hatten, ainda estão reticentes em relação ao Bolsonaro. Essa relutância em depor esse presidente de direita, é o que está ainda dificultando que emerja no quadro político um nome de centro-direita interessante.

JC - Apesar dessa onda de direita no país, o Nordeste se constituiu numa fortaleza da esquerda, com a maioria dos governadores e prefeitos de capital. Existe uma possibilidade de a direita crescer na próxima eleição?

ROCHAMONTE – Na minha visão, a gente não tem, nem no Brasil, muito menos no Nordeste, um capitalismo de livre concorrência. A gente tem um capitalismo de Estado, uma situação bem complicada que é uma relação do empresariado com o Estado. E aí a gente tem uma desigualdade social que se recrudesce justamente por conta dessa relação parasitária entre determinadas empresas, inclusive grandes grupos, e os benefícios que elas ficam recebendo do Estado. Há uma promiscuidade entre a política e a economia. E aí, o que acontece no Nordeste? Esses políticos de esquerda estão associados a esses grupos empresariais. Nossa economia é refém dessa situação. Os pequenos não crescem, não há oportunidade de desenvolvimento econômico e social. A desigualdade permanece, com disparidades enormes de IDH de um bairro para outro. Aí esse pessoal que mantém o status quo dessa maneira, se arroga defensor dos fracos e oprimidos, daquele que precisa receber o auxílio-moradia, do pobre, começa a criticar os ricos. É tudo uma hipocrisia. No Nordeste, é preciso abrir espaço para pessoas que queiram fazer algo decente na política. Infelizmente, é uma minoria. Mas essas pessoas existem.

JC - Sua posição rompe com essa polarização na política brasileira. Como é lidar com isso no meio acadêmico e na Internet?

ROCHAMONTE – É difícil. Eu passei por um momento bem tenso em 2018. Na época, eu era professora da Universidade Estadual do Ceará, em meio àqueles ânimos acirrados da eleição. E o meu posicionamento, naquele momento, era quase reaça mesmo. Porque no segundo turno, eu votei no Bolsonaro e, como eu, assim como a maioria da população brasileira, estava indignada com o PT e com a corrupção. Eu recebi uma boa dose de intolerância da esquerda universitária. Precisei sair da universidade. Eu era professora substituta e eu sai antes de concluir o meu prazo, porque ficou completamente impossível de eu pisar no lugar em que eu dava aula. Agora, em 2020, eu tô sentindo o peso da intolerância da direita. Porque como eu batia muito forte na esquerda, eu fui criando um público de redes sociais mais a direita. E aí, quando eu me posiciono contra o Bolsonaro, vem toda aquela horda raivosa te xingando de tudo. Mas, estando nesse lugar de ser atacada tanto pela esquerda, quanto pela direita, eu tenho me esforçado para trazer um discurso firme, mas conciliador. A gente precisa ter a coragem do equilíbrio, a coragem da moderação.

JC - Como vai ser a direita no Brasil depois de Bolsonaro?

ROCHAMONTE – Eu acho, e isso é otimismo meu, que o bolsonarismo enquanto fenômeno perdeu força. O que a gente teve ali em 2018 foi realmente uma coisa muito grande. Mas isso é uma coisa momentânea, um espasmo de um acontecimento político que não se sustenta. E a tendência, pelo menos eu vou batalhar para isso, é que haja um esclarecimento político no sentido de nós defendermos uma sociedade plural, uma democracia liberal, uma tradição democrática pluralista e liberal. E isso pressupõe o quê? O respeito, o diálogo, a alternância de poder. Acho que a gente já está se livrando um pouco do extremismo de esquerda. A queda do Bolsonaro vai mostrar que também há uma grande insatisfação com o tipo de discurso do Bolsonaro. E aí, a direita precisa se construir e se reconfigurar.

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