2022

No Brasil, caciques políticos ainda resistem à renovação de líderes nos partidos

Dinâmica partidária do Brasil, porém, parece esbarrar nos anseios dos eleitores, cada dia mais avessos à política tradicional

Renata Monteiro
Cadastrado por
Renata Monteiro
Publicado em 21/02/2021 às 9:30
RICARDO STUCKERT/DIVULGAÇÃO
Lula deve disputar a Presidência em 2022 e Haddad, o Governo de São Paulo - FOTO: RICARDO STUCKERT/DIVULGAÇÃO
Leitura:

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou, na última quinta-feira (18), que pode disputar as eleições em 2022 caso o Supremo Tribunal Federal (STF) devolva os seus direitos políticos. “Se for necessário para derrotar o tal do bolsonarismo, não tenha dúvida nenhuma que eu me colocaria à disposição”, afirmou Lula, ao UOL. A fala do petista, ao mesmo tempo em que acende a esperança da militância em seu retorno à vida pública, reaviva um tema há tempos debatido no Brasil: a dificuldade que os caciques políticos têm de renovar as lideranças nos partidos.

Condenado em segunda instância na Operação Lava Jato, Lula foi impedido de concorrer ao pleito de 2018 devido à Lei da Ficha Limpa, e apenas por conta disso abriu espaço na sigla para a candidatura de Fernando Haddad, que havia sido ministro da Educação e prefeito de São Paulo, mas até então era um completo desconhecido da grande maioria dos brasileiros. No último dia 5, Haddad afirmou que Lula o orientou a "colocar o bloco na rua" e rodar o País como pré-candidato do PT à Presidência da República, mas a mais nova declaração do pernambucano mostra que ele não está assim tão disposto a abrir espaço para o correligionário.

Esta, porém, não é uma realidade exclusivamente petista. Diversas lideranças brasileiras, estejam elas mais à esquerda ou à direita, demonstram resistência em ceder poder para o surgimento de novas forças políticas no seu habitat. “Ao meu ver duas coisas podem explicar esse cenário. A primeira é que nós temos, hoje, uma baixa institucionalização dos partidos, as siglas deixaram de ser um espaço para se estruturar ideias, aglutinar pessoas, projetos. Isso veio se perdendo desde a redemocratização, é um problema que está na estrutura do nosso sistema partidário”, avaliou Vanuccio Pimentel, cientista político da Asces/Unita.

>> Lula: com direitos políticos, posso ser candidato para derrotar o bolsonarismo

>> Busca por nomes externos mostra que PSB não tem líder natural para 2022

>> PT não discutiu pré-candidatura de Haddad, diz dirigente da sigla

>> Vai Ter um partido de direita para 2022, diz Bolsonaro

>> Sobre resultado da eleição de ontem, Maia diz que 'centro virá forte em 2022'

Ainda de acordo com o professor, eventos políticos e jurídicos como o Mensalão e a Operação Lava Jato, de certa maneira também contribuíram para o afastamento das novas gerações do ambiente partidário. “Um outro elemento conjuntural, este mais recente, é que a Operação Lava Jato e todo o processo de descredibilização pelo qual a política passou, colocou um elemento adicional de desconfiança da população com relação aos partidos, o que tem gerado falta de engajamento social em torno de causas importantes e impedido as pessoas de se aproximarem dessas siglas”, completou Pimentel.

Cientista político da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Antônio Lucena ressalta, também, que os partidos brasileiros têm a tendência de, uma vez formados, transformarem-se em uma espécie de oligarquia. “Hoje, as legendas brasileiras têm grupos que terminam por dominá-las. E são grupos que querem permanecer no poder. Fica realmente muito difícil haver uma renovação porque, uma vez que aquele grupo ascende ao poder, ele quer se manter lá a todo custo, e só sair se houver algum evento crítico, como ocorreu no PT em 2018”, observou.

Essa dinâmica partidária do Brasil, porém, parece esbarrar nos anseios dos eleitores, cada dia mais avessos à política tradicional. Para driblar essa resistência do eleitorado, enquanto parte das nossas agremiações insistem em cartas que já estiveram na mesa várias vezes, outras legendas tentam buscar fora do ambiente partidário as peças ideais para essa disputa.

De olho em 2022, partidos como o Cidadania e o DEM, por exemplo, já afirmaram publicamente que têm interesse na filiação do apresentador Luciano Huck. O Podemos e o PSL, por sua vez, flertam com o ex-juiz Sérgio Moro. Mais recentemente, surgiu a informação de que o PSB tem tido conversas com a empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, no sentido de convencê-la a concorrer à Presidência da República.

Esse tipo de movimento, no entanto, não é novo. Há alguns anos, quando a onda de negação da política que vemos hoje começou a ganhar força, outros nomes conhecidos da sociedade, como o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, chegaram a ser sondados para concorrer ao Palácio do Planalto, mas as negociações não foram adiante. O problema, lembra o cientista político e historiador Alex Ribeiro, é que essas figuras muitas vezes temem enfrentar as urnas e acabam deixando as siglas que contavam com aquela candidatura na mão.

“O crescimento no número de pré-candidatos outsiders é fruto da negação da política. Os casos de corrupção, as ações da Lava Jato e as ofensivas contra considerável parte da classe política contribuíram para o nascimento de novas estratégias por parte dos partidos, por isso algumas legendas estão à procura de um perfil externo. No entanto, ingressar no cenário político é enfrentar um processo de desconstrução perante a sociedade, e muitos não estão preparados ou não querem se dispor a isso”, pontuou Ribeiro.

Diante desse quadro há, ainda, partidos como o PSDB, que viu novas lideranças como os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, surgirem nos últimos anos. Em casos como este, o maior desafio que as agremiações vão ter que enfrentar é a fragmentação interna, gerada justamente pela disputa de poder dentro da legenda.

CENÁRIO BENEFICIA BOLSONARO

Enquanto a oposição quebra a cabeça para traçar a melhor estratégia para desbancar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no pleito do próximo ano, os analistas políticos consultados pelo JC crêem que o militar da reserva larga na frente nessa corrida. Na percepção de Antônio Lucena, por exemplo, a estratégia do PT de lançar uma pré-candidatura ao Planalto - seja de Lula ou Haddad - é equivocada, pois um postulante de consenso entre as oposições, mais alinhado à centro-direita, teria chances maiores de derrotar o militar.

“O melhor do cenário para Bolsonaro em 2022 é haver um segundo turno como em 2018, contra um adversário do PT, porque o ódio ao partido, o antipetismo, é tão grande, permeia tantas classes sociais, que isso acabaria beneficiando o presidente. As pessoas iriam acabar votando nele novamente para não ver o PT no poder. Isso é muito negativo para a oposição, que poderia formar uma coalizão em torno de uma candidatura viável de centro-direita que pudesse derrotar Bolsonaro, como a de Sérgio Moro”, detalhou Lucena.

Além de contar com o antipetismo, é preciso lembrar que Bolsonaro, apesar de ter visto a sua popularidade despencar desde o fim do auxílio emergencial, ainda é aprovado por cerca de um terço da população. Segundo pesquisa PoderData divulgada na semana passada, 31% dos brasileiros ainda consideram o governo dele bom ou ótimo, mesmo com todos os problemas que causou e teve que enfrentar durante a pandemia de covid-19.

Alex Ribeiro ressalta, também, outro fator que colabora com a vantagem do presidente, que é o fato de que ele conta com a máquina pública para catapultar seus planos de reeleição. “Historicamente os candidatos governistas largam na frente das eleições. A máquina pública, a relação com o Legislativo e o diálogo com a base eleitoral colaboram para isso. Então, no atual cenário , o presidente Bolsonaro possui essas ferramentas e pode ser considerado como o favorito no pleito”, frisou.

Para Ribeiro, o entrave mais significativo para os adversários do presidente em 2022 será a dificuldade que partidos como o PT e o PDT têm de abrir mão do protagonismo para se aliar com outras siglas em uma grande frente de oposição. “A oposição precisa construir candidaturas competitivas, com propostas que vão de encontro ao atual governo. O desemprego e a pandemia podem ser discursos favoráveis a ela. Já do lado político, eles precisam dialogar com uma quantidade de legendas significativas. O maior desafio está nas resistências de alguns partidos em se aliar com outras siglas”, cravou o cientista político.

Comentários

Últimas notícias