PEC Emergencial

Piso para saúde e educação é mantido pelo Senado, mas debate sobre desvinculações ainda ferve no país

Após propor desvinculação do Orçamento para compensar gastos com nova rodada do auxílio emergencial, Márcio Bittar recuou. Políticos e economistas, contudo, ainda debatem a questão

Renata Monteiro
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Publicado em 28/02/2021 às 9:22
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BENEFÍCIO Segundo o governo, desvinculação seria a forma de financiar nova rodada do auxílio emergencial - FOTO: JAILTON JR./JC IMAGEM
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Desde o início do governo Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro Paulo Guedes (Economia) defende a desvinculação total do Orçamento. Na visão dele, fazer com que despesas de áreas como saúde e educação deixem de ter percentuais mínimos de investimento descentralizaria recursos e faria com que governadores, prefeitos e o próprio presidente tivessem mais autonomia para administrar. Atualmente, os estados são obrigados a destinar 12% de seus recursos para a saúde e 25% para a educação, enquanto, no Orçamento federal, os índices são de 15% e 18%, respectivamente.

Esse tema, que de tempos em tempos ressurge e costuma gerar grandes divergências, voltou à tona como uma avalanche na última semana, em meio às tratativas sobre a retomada do auxílio emergencial no Congresso Nacional. Tudo começou quando o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC Emergencial (Proposta de Emenda à Constituição 186/2019), de comum acordo com o Palácio do Planalto, propôs a extinção das vinculações em educação e saúde para compensar parte dos gastos que seriam criados com o retorno do benefício assistencial.

Em teoria, a mudança possibilitaria que, em um ano atípico como 2020, por exemplo, quando praticamente não houve aulas presenciais e a demanda por atendimento médico cresceu bastante, um prefeito ou governador utilizasse as “sobras” dos recursos que recebeu para a educação para investir na saúde do seu município. Parlamentares contrários à proposta, no entanto, a classificaram como “chantagem”, pois não seria justo trocar investimentos em educação e saúde por um benefício temporário.

“Se o governo tivesse interesse em aprovar o auxílio emergencial, a urgência estaria com uma PEC do auxílio emergencial em separado. Mas ele está exigindo do Congresso Nacional, chantageado, que vote contra a educação, contra a saúde, contra os servidores públicos (para liberar o benefício)”, afirmou a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), na última quinta-feira (25).

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Nas suas redes sociais, o governador Paulo Câmara (PSB) disse que a ideia “fere o estado democrático de direito” e “gera um clima de insegurança quanto à destinação de verbas necessárias para esses dois setores tão importantes”. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM), por sua vez, lançou uma nota declarando que “a vinculação de impostos para a educação é um princípio inarredável e essencial para garantia do direito à educação” e que, para a saúde, “a PEC também representa um retrocesso de décadas e implicará, invariavelmente, em punição e maior carga de responsabilidade aos municípios perante a garantia de execução e financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

“O governo tenta passar a impressão de que estados e municípios vão continuar a receber os mesmos recursos, apenas facilitando a vida dos gestores municipais. Na verdade, se essa proposta for adiante, isso vai desestruturar a política pública, porque os estados e a União desobrigam os percentuais deles e quando isso ocorre a coisa fica muito solta, eles podem não mandar mais a parte deles”, afirmou José Patriota, presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe).

Depois de tantas reações negativas, Bittar decidiu retirar do seu relatório o artigo que trata das desvinculações e a PEC deve ser votada nesta semana, provavelmente na quarta-feira (3). Os chamados “gatilhos” que constam na proposta, contrapartidas que obrigam tanto a União quanto estados e municípios a conter gastos (como congelamento de salários de servidores), devem ser mantidos no texto.

Segundo o Tesouro Nacional, a aprovação de uma nova rodada do auxílio emergencial sem contenção de gastos poderia atrasar ainda mais a recuperação econômica do País no pós-pandemia. “As contrapartidas são importantes para consolidar o compromisso de que estamos em um processo contínuo de reorganização fiscal, bem como reforçar os limites de expansão do gasto público futuro estabelecidos pela regra do teto dos gastos. (...) Se o auxílio emergencial for concedido sem as medidas de fortalecimento da posição fiscal do país, pode haver um efeito adverso na economia com aumento da incerteza e perda de credibilidade, provocando aumento do risco país e dos juros, postergação da retomada da economia, bem como menor geração de emprego e renda para a população”, argumentou o Tesouro, ao divulgar o resultado das contas do governo para janeiro. O novo ciclo do benefício deve custar entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões aos cofres públicos.

Apesar de aparentemente resolvido no Congresso, o debate em torno das desvinculações continua a dividir opiniões, até mesmo no meio econômico. Para o economista Écio Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por exemplo, a não fixação de percentuais mínimos de investimento em saúde e educação poderia trazer avanços para as administrações locais.

“Hoje, os prefeitos e governadores têm um orçamento muito engessado. Quando se junta essas despesas obrigatórias com folha de pagamento, pensão, não há nenhuma autonomia, você não consegue colocar em prática nenhuma bandeira levantada pelo gestor na eleição. Ele promete e acaba não tendo margem, porque essas rubricas já carimbadas acabam representando cerca de 95% do orçamento. Com a desvinculação, a ideia é que se tenha um pouco mais de versatilidade para tocar políticas melhores para a saúde, educação dentro das necessidades daquele estado ou município”, observou Écio.

O economista diz, ainda, que atualmente o Brasil gasta mais com educação do que a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - nós investimos 6,2% do PIB nessa área, segundo dados de 2020 do Tesouro Nacional, enquanto a média dos países da OCDE é de 5% -, fato que poderia demonstrar que “gastar muito nem sempre significa gastar com qualidade e ter retorno”.

Professor de economia e finanças da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Luiz Maia até concorda que a questão das desvinculações devem ser debatidas no país, mas crê que esse não seja o melhor momento para isso. “Diante da gravidade da crise sanitária e social que nós estamos vivendo, esse não seria o momento ideal para se discutir mudanças tão profundas na nossa Constituição. Para fazer isso, nós precisaríamos de uma explicação muito bem montada. Se o governo quer propor essa flexibilização, ele tem que mostrar que a cláusula mínima é inócua. Com uma radiografia dos gastos em educação e saúde nos estados e municípios, aí sim nós poderíamos discutir se os recursos estão sendo bem gastos e se estão gerando ganhos”, pontuou Maia.

O docente explica, também, que haveria outras maneiras do governo financiar esta nova rodada do auxílio emergencial sem, necessariamente, depender da desvinculação. “Com a estimativa de quatro parcelas de R$ 250 para 45 milhões de pessoas, o governo deve precisar de cerca de R$ 35 milhões para bancar o benefício. Por incrível que pareça, comparado com o Orçamento total da União, esse valor não é muita coisa. Se o Orçamento de 2021, que ainda está sendo discutido, for reorganizado, remanejando o tanto de emendas parlamentares que estão previstas, além dos reajustes para os militares, por exemplo, nós chegaríamos a esse montante. O problema é que nem o Congresso nem o governo querem mexer no planejamento orçamentário de 2021”, declarou Luiz Maia.

Marcos Oliveira/Agência Senado
Ao definir a reunião de instalação da CPI como semipresencial, Rodrigo Pacheco considerou os riscos sanitários que envolvem as reuniões presenciais no Senado - FOTO:Marcos Oliveira/Agência Senado

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