Cármen Lúcia manda para PGR notícia-crime de 'gravidade incontestável' contra Salles
A ministra do Supremo enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR) a notícia-crime do delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva contra o ministro do Meio Ambiente
Em despacho com recados ao governo sobre a importância da apuração de fatos, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR) nesta terça-feira (27) a notícia-crime "de gravidade incontestável" do delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acusado de favorecer madeireiros investigados na Amazônia.
Apesar do procedimento ser praxe - cabe à PGR avaliar se há indícios suficientes de crime para abertura de inquérito - Cármen Lúcia fez questão de destacar que considerou o caso grave, descrito com ‘minúcia e objetividade’ por Saraiva sobre a atuação de Salles em prol dos madeireiros. A ministra frisa ainda que as ações relacionam-se com "tema de significação maior para a vida saudável do planeta, como é a questão ambiental" e defende que o caso seja avaliado ‘objetivamente’ pela Procuradoria.
"Na esteira da consolidada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, esta relatoria não poderá deixar de atender o que for concluído pelo órgão acusador. Como parece certo também que o Ministério Público não abdicará do seu dever de analisar e concluir, fundamentada e objetivamente, sobre o procedimento a ser adotado quanto a esta notícia-crime", escreveu Cármen.
Em despacho, a ministra Cármen Lúcia apontou que o envio de notícia-crime para avaliação da PGR é praxe no Judiciário como forma de avaliar se a acusação tem indícios suficientes para a abertura de uma investigação. E que tanto o parecer pelo arquivamento como pelo prosseguimento do caso devem igualmente ser fundamentados.
"Se não é admissível abuso persecutório, por igual não é aceitável omissão persecutória a permitir a continuidade de práticas contrárias ao direito e que mantêm a sociedade em situação de calamidade antijurídica e criminosa", anotou a ministra. "Uma sociedade na qual indícios relatados sobre práticas criminosas sequer fossem investigados, para a adoção de providências jurídicas adequadas, poria abaixo a confiança cívica no direito e no próprio Estado".
Saraiva acusa Salles de atuar para obstruir a Operação Handroanthus GLO, que mirou extração ilegal de madeira na Amazônia no final do ano passado. Segundo o delegado da PF, o ministro do Meio Ambiente "patrocina diretamente interesses privados" e integra organização criminosa na condição de "braço forte do Estado".
Desde a deflagração da Handroanthus GLO, Salles critica a apreensão da PF - a maior na história da corporação - alegando que as supostas toras encontradas pelos agentes seriam de extração legal. O ministro também negou considerar os investigados pela operação como integrantes de organização criminosa.
Após apresentar a notícia-crime no Supremo, Alexandre Saraiva foi substituído do comando da superintendência da PF no Amazonas A justificativa oficial do governo era de que o delegado já havia sido sondado sobre a mudança, que estava prevista para ocorrer. Ao Estadão, porém, Saraiva afirmou que apenas recebeu a ligação de um ‘amigo’ sobre uma audiência, e que não havia sido comunicado sobre sua saída do comando da PF.
"Só tem duas formas de me comunicar oficialmente - ou meu chefe me liga, pelo princípio da hierarquia, que é o diretor-geral, ou publicação no Diário Oficial", disse.
Declarações de Saraiva na Câmara
Em comissão realizada pela Câmara dos Deputados nesta segunda, 26, Saraiva disse que Ricardo Salles decidiu se colocar ao lado dos madeireiros a partir da avaliação de duas toras de madeira, quando estava diante da maior apreensão de madeira ilegal já feita pela PF em toda história. Segundo o delegado, o ministro do Meio Ambiente age para "legitimar a ação de criminosos e não a dos agentes".
"Nós temos mais de 70% da madeira apreendida que não apareceu dono, ninguém reivindicou. Como é que o ministro pode dizer que aquilo ali está tudo certo e que a Polícia Federal está errada?", questionou. "A principal empresa que está na região recebeu mais de 20 multas do Ibama, deve aproximadamente de R$ 9 milhões. O senhor ministro fez uma inversão, tornou legítima a ação dos criminosos e não dos agentes públicos. Em linhas gerais, sendo bem conciso, foi isso que nos motivou a fazer essa notícia crime".
Em nota enviada após a apresentação da notícia-crime, o Ministério do Meio Ambiente se limitou a informar apenas que "a resposta será dada em juízo".