No Recife, presidente do STF, Luiz Fux, defende autonomia do Poder Judiciário
Para o ministro, é preciso preservar não apenas a independência administrativa e financeira do Judiciário, mas de uma forma mais genérica, a independência ideológica
Em meio a uma aparente trégua entre os poderes, a independência do Judiciário foi defendida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux nesta sexta-feira (5) durante ida ao Recife. Ele participou no 120º Encontro de Presidentes de Tribunais de Justiça, realizado na Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (Esmape).
Fux ministrou a palestra de encerramento do evento, com o tema "Autonomia e independência administrativa e financeira do Poder Judiciário nos estados". O encontro começou na quarta-feira (3), reuniu presidentes e representantes de todos os tribunais de justiça do Brasil. O anfitrião foi o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Fernando Cerqueira.
Para o ministro, é preciso preservar não apenas a independência administrativa e financeira do Judiciário, mas de uma forma mais genérica, a independência ideológica. "E não é por outra razão que a Constituição Federal estabelece que os poderes da República são o Executivo, Legislativo e Judiciário. E o Judiciário vem exatamente em terceiro player nessa composição de separação de poderes porque ele tem a prerrogativa de rever os atos dos demais poderes", afirmou o magistrado.
Na época das manifestações do dia 7 de setembro que pediam o fechamento do Congresso e destituição dos ministros do STF, com direito a ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao ministro do STF Alexandre de Moraes e a própria corte, Luiz Fux, que costuma adotar uma postura mais comedida, fez um duro discurso em resposta.
O presidente da corte atestou que ameaças de desobediência à ordens judiciais configuram crime de responsabilidade e incitação à propagação de ódio contra o STF são práticas "antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis".
No evento, Fux rebateu as críticas em relação ao que se chama de judicialização da política, um fenômeno caracterizado como a influência da esfera jurídica nas questões políticas. Ele ressalta que os atores políticos é que são os responsáveis por demandar a resolução de conflitos para a resolução do judiciário.
"A jurisdição é uma função que não se exerce sem que ela seja provocada. Não há judicialização da política. O que é a provocação da jurisdição pela classe política e é isso que tem ocorrido hoje. Toda vez que a classe política não tem consenso sobre determinado valor moral, recorre ao Judiciário. E diz-se que há uma judicialização da política, o que na verdade o que há são os políticos movimentando a nossa atuação, a nossa jurisdição", resumiu o ministro.
Luiz Fux diz não ver a instauração de crise com o Poder Legislativo quando uma lei é declarada inconstitucional ou com o Executivo quando algum ato administrativo é anulado. "Mais importante do que tudo isso é exatamente a nossa independência enquanto poder, e sem prejuízo também como o tema base aqui é a independência dos tribunais de justiça federais, os tribunais estaduais", disse o ministro.
Recentemente, o ministro restabeleceu a exigência do comprovante de vacinação contra a covid-19 no município de Maricá, no Rio de Janeiro, prevista em um decreto municipal, de nº 739/2021. Um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) havia sustado os efeitos do decreto, atendendo ao habeas corpus de um vereador do município.
No seu discurso, Fux abordou ainda, no quesito independência financeira, a iniciativa dos órgãos do judiciário na gestão dos seus recursos, no caso do repasse dos duodécimos pelos governos estaduais para os tribunais de justiça, previsto no artigo 168 da Constituição.
"O repasse dos duodécimos das verbas orçamentárias destinadas ao poder Judiciário quando retidos pelo Governo do estado constituem prática indevida e flagrante violação dos preceitos fundamentais contidos na Constituição Federal de 1988", disse.
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Insatisfação
Luiz Fux se mostrou preocupado quanto ao sentimento de insatisfação da sociedade com as decisões do Judiciário. Uma pesquisa do Poder Data divulgada em junho de 2021 mostrou que 31% considerava o trabalho do STF "ruim" ou "péssimo". Outros 43% consideram a corte regular e apenas 18% "ótimo" ou "bom".
Ele atribuiu como um dos fatores para a perda de prestígio a frustração das pessoas com o combate à corrupção. O presidente do STF é da ala lavajatista da corte, e teve posicionamento contrário às decisões que acabaram por enfraquecer a força tarefa da Operação Lava Jato, como a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro.
"Eu sou um homem de colegiado, fiquei vencido mas absolutamente não convencido, e os jornais noticiaram que essa queda de prestígio do poder judiciário deveu-se a destruição de operações sérias que foram levadas ao fim", lamentou.
O segundo aspecto para a insatisfação, segundo Fux, decorre do que ele chamada de dissonância das decisões judiciais e os valores morais da sociedade. O problema poderia ser mitigado caso não houvesse o princípio da inafastabilidade, ou seja, a obrigatoriedade do Judiciário de julgar uma causa submetida à sua jurisdição.
"O nosso problema é que os tribunais estrangeiros têm um instrumento de não julgar quando eles entendem que a sociedade não está preparada ainda para receber uma solução em relação a uma questão moral porque há um desacordo moral na sociedade", explicou o ministro.
Outra alternativa a ser levada em consideração pelos magistrados, aponta o ministro, seria devolver os processos para a instância própria, considerando também que os tribunais superiores, por exemplo, não tem a expertise de julgar casos específicos.
Um exemplo apontado por ele foi o Código Florestal: "O Código Florestal passou por 70 audiências públicas na Câmara dos Deputados, cientistas brasileiros foram ouvidos e houve uma impugnação em relação à constitucionalidade do Código Florestal e entregaram ao STF".
"São exemplos de questões que nós temos que decidir não decidir e devolver o problema para não alcançarmos esse grau de insatisfação que a sociedade hoje nutre pelo poder judicial, não só em relação a desacordos morais com relação às decisões tomadas à luz do ordenamento jurídico, a luz da constituição federal, mas também em relação a essas outras questões que nós não temos como fugir daquilo que está explicitado como valores morais de razões públicas da Constituição Federal", completou o ministro.