Ano eleitoral

O peso do imprevisível nas eleições brasileiras

Doses do improvável são sempre esperadas no ambiente político, mas o peso que esses acontecimentos têm ou terão não é assim tão simples de mensurar

Renata Monteiro
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Publicado em 16/01/2022 às 7:59
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SAÚDE Atentado contra Bolsonaro a um mês da eleição foi determinante para resultado das urnas em 2018 - FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
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Em 6 de setembro de 2018, a um mês para o primeiro turno das eleições, o então candidato a presidente Jair Bolsonaro (PL) sofreu um atentado a faca na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. O fato, impossível de ser previsto, é considerado por muitos como determinante para o resultado do pleito no qual Bolsonaro saiu vencedor, uma espécie de ponto de virada, e nos dá uma pequena amostra prática do dito popular que diz que “uma eleição só está decidida quando está decidida”.

Cientistas políticos procurados pelo JC afirmaram que certas doses do improvável sempre são esperadas, não apenas em processos eleitorais, mas no curso da história política como um todo. O peso que esses acontecimentos têm ou terão, contudo, não é assim tão simples de mensurar.

No ano 2000, por exemplo, o então prefeito do Recife, Roberto Magalhães (naquela época filiado ao extinto PFL), candidato à reeleição, foi flagrado dando uma banana para eleitores petistas em plena Praia de Boa Viagem, na Zona Sul da capital. O gesto pegou super mal e, coincidentemente ou não, ele foi derrotado nas urnas por João Paulo, hoje no PCdoB.

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Para o cientista político Arthur Leandro, fatos como o citado acima, ainda que peguem a todos de surpresa, muitas vezes não são tão inesperados quanto parecem. “Quando falamos de fenômenos políticos, a gente vive na iminência do inaudito, do imprevisto, do imprevisível. Porém, existe sempre a possibilidade de que nós não tenhamos acompanhado um processo de cauda longa que vinha sendo construído e onde aquele evento específico representa o ponto de ruptura que modifica a estrutura do sistema político e do conjunto de relações de poder estabelecido até então”, explica.

Segundo o analista, o episódio envolvendo Roberto Magalhães, por exemplo, foi o ponto alto de uma série de atitudes que já vinham desgastando a imagem do gestor perante o eleitorado recifense. Ele foi um fato imprevisível, mas não totalmente inesperado. “O gesto obsceno de Roberto Magalhães na verdade coroou um questionamento que muitos vinham fazendo acerca da capacidade de liderança dele. Ele sinalizou para um tipo de destempero que fez com que o ex-prefeito fosse sacramentado como alguém incapaz de seguir na liderança da União por Pernambuco. Antes disso, ele já havia ameaçado o jornalista Orismar Rodrigues, do JC, entre outras coisas. Quanto ao resultado da eleição, há que se considerar, também, que havia uma tendência de mudança no Brasil inteiro e no Recife não foi diferente, houve uma verdadeira onda vermelha naquele ano”, completou Leandro.

Ernani Carvalho, que integra o Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), segue a mesma linha de pensamento. Na visão do docente, eventos como a facada de Bolsonaro, o suicídio de Getúlio Vargas em 1945 ou ainda o acidente que vitimou o ex-governador Eduardo Campos em 2014 - que muitos relacionam à vitória de Paulo Câmara (PSB) em Pernambuco naquele mesmo ano - são impossíveis de prever e têm impactos inegáveis, mas, ainda assim, “é muito difícil dizer se eles foram decisivos” para os fatos que ocorreram depois deles.

“Em 1985, na eleição para a Prefeitura de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso sentou na cadeira de prefeito antes do pleito e isso gerou a visão de que aquele ato passou uma imagem de arrogância dele para o eleitorado. O que se via, no entanto, é que já havia um movimento de mudança crescendo a favor de Jânio Quadros. Essas questões misturam um pouco de incerteza, mas é possível também prever algumas tendências, quando os eventos não são tão fortes e de impacto tão imediato na população”, detalhou Ernani.

O professor universitário acrescentou que, apesar de não ser exata, a ciência política pode, “através de uma análise astuta de dados”, construir uma visão elucidadora de eventos futuros. “Isso não quer dizer que ela consiga controlar esses eventos e que ela vá acertar o seu desfecho, principalmente se pensarmos nesse tipo de situação, que cause comoção, que traga algum tipo de movimento nas eleições. Isso vai de uma análise do caso a caso, como a morte de um político, algum escândalo que aconteça perto do pleito. Esses eventos não desenham padrões e podem ter até efeitos reversos, muitas vezes o candidato pode achar que algum tipo de situação possa lhe prejudicar e ela acaba o beneficiando, e vice-versa”, frisou.

Se é possível traçar possíveis cenários políticos futuros, temos como imaginar como será a eleição presidencial brasileira deste ano? Será que algum fato não planejado mudará o quadro que vem se desenhando até o momento, com Lula liderando todas as pesquisas de intenção de voto?

"A campanha presidencial desse ano tem tudo para ser muito polarizada e deve ser violenta, pelo menos porque por parte de Bolsonaro, porque ele precisa manter a sua turba ativa. E como ele consegue fazer isso? Através da radicalização. Tanto Bolsonaro quanto (Donald) Trump (ex-presidente dos Estados Unidos) já perceberam que ao flexibilizar algo do seu discurso, eles perdem apoio. No caso do ex-presidente norte-americano, há o exemplo da vacina, que ele disse que tomou a terceira dose, está incentivando a população a se vacinar, e o grupo dele não perdoou esse tipo de postura, pois é um grupo majoritariamente antivacina", afirmou Antônio Lucena, cientista político da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

A respeito das estratégias que podem ser usadas no pleito, o docente declarou que o antipetismo deverá estar forte, assim como temas que apelem para o emocional da população. "Provavelmente uma das estratégias de Bolsonaro vai ser levantar o 'você quer que o PT volte?', para tentar trazer medos de corrupção, da economia ruim como nos anos de Dilma (Rousseff, PT). E também mexer com a emoção do eleitorado, o que muitas vezes funciona, mas nem sempre. Isso pode ser utilizado no primeiro turno para garantir que tanto Lula quanto Bolsonaro cheguem à próxima fase da disputa", explicou Lucena.

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