Ministério da Educação acelerou verba a prefeitos após interferência de pastores
O gabinete paralelo formado por pastores no Ministério da Educação tem obtido uma taxa de agilidade na liberação de verbas da pasta para municípios fora dos padrões de repasses federais
O gabinete paralelo formado por pastores no Ministério da Educação tem obtido uma taxa de agilidade na liberação de verbas da pasta para municípios fora dos padrões de repasses federais. Desde o começo do ano passado, os religiosos Gilmar Santos e Arilton Moura, que, como revelou o Estadão, controlam a agenda do ministro Milton Ribeiro, intermediaram encontros de prefeitos no MEC que resultaram em pagamentos e empenhos (reserva de valores) de R$ 9,7 milhões dias ou semanas após promoverem as agendas.
Em um dos casos, uma prefeitura conseguiu o empenho de parte do dinheiro pleiteado apenas 16 dias depois do encontro mediado pelos religiosos. Só em dezembro foram firmados termos de compromisso, uma etapa anterior ao contrato, entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e nove prefeituras, de R$ 105 milhões após reuniões com os pastores.
Especialista em finanças públicas, Eduardo Stranz afirmou que é "difícil" um prefeito conseguir liberar recursos em apenas 16 dias. "Isso é muito difícil. Temos coisas que não são pagas desde 2010, para você ter uma ideia. Conseguir essa liberação tão rápido… tem que ter muita vontade de todo mundo para sentar e conseguir essa liberação do dinheiro", disse ele, que é consultor da Confederação Nacional de Municípios (CNM). "Isso tudo envolve muita burocracia, muito papel, muita negativa."
Ao menos 48 municípios foram contemplados após encontros com pastores entre os primeiros meses de 2021 até agora, sendo 26 deles com recursos próprios do FNDE - o restante recebeu dinheiro de emendas do orçamento secreto.
A prefeita Marlene Miranda, de Bom Lugar (MA), teve o pedido de dinheiro atendido em apenas 16 dias, prazo fora dos padrões da distribuição de recursos federais. Em 16 de fevereiro, ela esteve no MEC acompanhada do marido, o ex-prefeito Marcos Miranda, numa agenda intermediada pelos religiosos Gilmar Santos e Arilton Moura. No último dia 4, o FNDE reservou R$ 200 mil para pagamento à prefeitura. O recurso foi destinado para a construção de uma escola de educação infantil, obra estimada pelo município em R$ 5 milhões. Procurada, a prefeita não quis comentar.
RAPIDEZ
Tal celeridade não é usual na liberação dos recursos. Não é raro que um pagamento caia na rubrica de "restos a pagar" e demore anos para ser quitado. Em 2021, por exemplo, o FNDE quitou um empenho de R$ 198,7 mil destinado à Secretaria de Educação de Pernambuco cuja data original era de novembro de 2012, quase dez anos antes.
Dos recursos empenhados, a maior parte (R$ 5,2 milhões) foi para a rubrica orçamentária de "apoio à infraestrutura para a educação básica", que inclui a construção de creches e escolas. Também foram liberados recursos para a compra de ônibus escolares e para a construção ou reforma de quadras de esportes, além da compra de materiais didáticos.
Outro caso de liberação célere de recursos ocorreu em Centro Novo do Maranhão. Em maio passado, o pastor Gilmar Santos levou o ministro da Educação na cidade de 22 mil habitantes. Noventa e seis dias depois, em 18 de agosto, o ministério empenhou R$ 300 mil para a construção de uma escola infantil. Na ocasião da visita, o pastor deixou claro seu papel no evento: "Estamos levando aos municípios os recursos".
Advogados dizem que os religiosos podem ter incorrido no crime de usurpação de função pública, punível com até dois anos de prisão, por não terem cargo no ministério, mandato parlamentar ou ligação com o setor de ensino. Em encontros promovidos com os dois pastores, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, já declarou que prefere fazer o contato com os prefeitos sem a intermediação de parlamentares.
OBRAS
Também em agosto, a cidade de Amapá do Maranhão recebeu o empenho de R$ 300 mil para a construção de uma escola de educação básica. Três meses antes, a prefeita esteve em Brasília para uma visita ao ministro da Educação - novamente, com a presença de Gilmar e Arilton.
No caso de Guatapará (SP), o município conseguiu receber no ano passado R$ 214 mil do FNDE para a compra de ônibus escolares para crianças da zona rural. O pedido estava represado desde junho de 2019, mas foi liberado depois que representantes da cidade estiveram no MEC acompanhados dos pastores em duas ocasiões: em 23 de dezembro de 2020 e em 27 de maio de 2021.
Situação parecida ocorreu em Israelândia (GO). A cidade conseguiu, em 2021, quitar um empenho de R$ 214 mil para a compra de ônibus escolares que estavam inscritos nos chamados "restos a pagar", o que ocorre quando a verba federal é empenhada, mas não paga. No caso de Israelândia, o empenho original era de dezembro de 2021. A prefeita Adelícia Moura (PSC) esteve no MEC em janeiro passado. Foi incluída na reunião por Arilton. "O rapaz que organizou para ele (Arilton) que me incluiu na lista dessa reunião", disse ela. Procurada, a prefeita afirmou que a entrega não teve relação com a reunião no ministério.
As agendas dos pastores incluem reuniões também com Djaci Vieira de Souza, chefe de gabinete de Milton Ribeiro. Em 24 de fevereiro de 2021, Arilton solicitou e foi recebido em audiência levando o prefeito de Tuntum (MA), Fernando Portela (Solidariedade). A agenda do MEC registra a reunião com o tema "obras". Em dezembro, o município celebrou termos de compromisso de R$ 1,2 milhão e de R$ 279,2 mil, para compra de veículos. Do montante total, R$ 280 mil já foram empenhados.
LIDERANÇAS
Gilmar e Arilton se apresentam como presidente e assessor da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, respectivamente. O Estadão revelou que eles participaram de 22 agendas oficiais do MEC, sendo 19 delas com a presença do ministro, do ano passado para cá.
Procurados, os religiosos admitiram que levam prefeitos ao gabinete de Milton Ribeiro, mas não explicaram por que participam de reuniões onde são discutidas liberações de recursos. Disseram que não pedem contrapartida pelo acesso ao ministro e que fazem isso porque são "homens de Deus". "Nunca houve (contrapartida)", disse Gilmar. Arilton alegou que nunca participou de reunião sobre obras, embora conste de agenda do MEC. O ministério não comentou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.