Por que as pesquisas erraram ao subestimar a força do bolsonarismo?
Atraso de dois anos no censo demográfico, que foi adiado de 2020 para 2022 por conta da pandemia, pode ter influenciado na falta de precisão das pesquisas
Da AFP
O presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro obteve no primeiro turno um forte apoio que nenhuma das principais pesquisas do país detectou. O que saiu errado?
O que mostravam as pesquisas?
Luiz Inácio Lula da Silva obteve 48% dos votos, contra 50% e 51% que previram, respectivamente, Datafolha e Ipec, que acertaram seus prognósticos dentro da margem de erro para o ex-presidente de esquerda.
Mas o que não souberam antecipar foi o sucesso que teria o bolsonarismo: com 99% das urnas apuradas, o presidente conquistou 43% dos votos, contra um máximo de 37% atribuídos pelas pesquisas.
Outros dois aliados do presidente derrubaram as previsões: o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, que foi eleito no primeiro turno com mais de 58% (após pontuar 44% e 47% nas pesquisas) e o candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas que passou para o segundo turno com 42% dos votos, dez pontos acima dos 31% previstos nas pesquisas.
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"Pesquisa é uma foto, não é um filme. Mas as últimas pesquisas de sexta-feira e sábado mostraram que houve grandes erros, não só na presidencial, mas na escolha de senadores, de governadores", comentou à AFP Leandro Gabiati, doutor em ciência política e diretor da Dominium Consultoria.
O que saiu errado?
Essa questão dominava o debate nesta segunda-feira.
Embora as conclusões possam demorar algum tempo, os analistas consideram um conjunto de razões, que vão desde possíveis problemas com o desenho das pesquisas em captar a intenção de determinados setores até a movimentação de votos indecisos no último momento.
A diretora do Instituto Datafolha, Luciana Chong, defende a tese de que houve migração de apoio a Bolsonaro, já que às vésperas da eleição, 13% dos pesquisados que declararam alguma intenção de voto disseram que ainda podiam mudar de ideia.
"Acreditamos que teve ali um movimento de decisões de última hora, especialmente de eleitores de Ciro, Tebet e aqueles que ainda estavam indecisos ou poderiam votar em branco e nulo", analisou Chong em entrevista à GloboNews.
"Esse movimento acabou sendo mais em favor de Bolsonaro. É por isso que ele ficou no final com um resultado maior do que a pesquisa tinha captado na véspera da eleição", argumentou Chong.
Alguns analistas também cogitam possíveis dificuldades das pesquisas na hora de retratar alguns setores.
Para a cientista política Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, há um "apagão de informação no Brasil", devido ao atraso de dois anos no censo demográfico, que foi adiado de 2020 para 2022 por conta da pandemia.
Isso afeta a precisão da amostra, principalmente em segmentos como o evangélico, que representa 30% dos brasileiros e é "um setor popular capaz de dar votos à extrema-direita", diz Goulart.
"É provável que o censo de 2022 ajude a corrigir algumas dessas inconsistências para futuras eleições", concorda Guilherme Casarões, cientista político da Fundação Getúlio Vargas.
Consequências para a eleição e para a democracia
"As consultoras de opinião terão que lidar com isso". "Isso afetará a análise dos jornalistas e especialistas", comentou à AFP Leonardo Paz, consultor para o Brasil do think tank International Crisis Group.
Essas discrepâncias representam um "grande problema para os institutos e para a própria democracia", concorda Gabiati.
"As pesquisas são uma peça importante no processo eleitoral e é péssimo para a democracia que esse ator seja tão questionado", sustenta o especialista, para quem as pesquisas serão um dos principais assuntos.
Bolsonaro vai reforçar seu discurso de que o que importa são as ruas, que ele chama de "DataPovo" e que "a vitória está garantida porque as pesquisas não refletem a realidade", prevê Gabiati.
Ele dirá "que os institutos de pesquisa trabalham para a oposição e que a grande mídia que as contrata age de forma enviesada".
Goulart também alerta para o risco de que as críticas às pesquisas se transformem em um discurso de negacionismo generalizado.
"Colocar em xeque as pesquisas eleitorais num contexto de populismo de extrema-direita é colocar em xeque a ciência e as fontes balizadas de informação, entre elas a mídia", alerta.
O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, anunciou nesta segunda-feira que coletará assinaturas para abrir Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os "institutos de pesquisa" por seus erros.