Foi no dia 31 de março de 1893, no município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, que nasceu o primeiro ato público em protesto contra o autoritarismo político vigente e o restabelecimento das eleições presidenciais diretas.
No ano seguinte, outras mobilizações foram iniciadas em diversas partes do país, conhecidas posteriormente como Movimento das Diretas Já.
A Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), em conjunto com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e outras instituições, vai celebrar os 40 anos das Diretas Já, na próxima sexta-feira (31), em referência a esse primeiro comício realizado por quatro vereadores de Abreu e Lima, na Praça da Bandeira.
A solenidade será realizada às 10h, no Memorial da Democracia, localizado no Sítio da Trindade, no bairro de Casa Amarela.
A bancada de vereadores do município de Abreu e Lima era composta por nove parlamentares, sendo quatro filiados ao antigo PMDB, e cinco representantes do partido Arena. “Nós éramos militantes da esquerda e ligados a Ação Católica Operária, do movimento ligado a Dom Helder Câmara. Então tínhamos uma formação política e uma consciência de liberdade para as eleições, sonhávamos com isso”, rememorou o ex-vereador Reginaldo Silva.
Apesar do receio de haver repressão, o grupo formado por Reginaldo Silva, Severino Farias, Antonio Amaro Cavalcante e José da Silva Brito, iniciou as articulações com outras lideranças políticas da região para a realização do ato de protesto.
A escolha pelo dia 31 de março não se deu por acaso. “Escolhemos esse dia propositalmente por ser uma data em que se comemorava o golpe de 1964, que eles chamavam de Revolução”, explicou Reginaldo. Em cima de um caminhão e com uma pequena caixa de som, os parlamentares do PMDB discursaram para aproximadamente 100 pessoas, ou como o próprio ex-vereador diz, fizeram “o primeiro grito pelas Diretas”.
“Quem ganhou com esse movimento foi o povo do Brasil, foi a política pública, onde o eleitor conseguiu ter o prazer de votar e escolher seu representante maior. Precisamos mudar muitas coisas ainda, mas ali foi um avanço muito grande”, afirmou o ex-vereador Severino Cavalcanti.
“Algumas pessoas perguntavam se nós éramos loucos, se não tínhamos medo de fazer um ato desses. E a gente disse que não, porque o pensamento da gente era chamar a atenção das autoridades estaduais e federais”, explicou Cavalcanti.
Dias depois da realização desse comício, o senador Teotônio Vilela faria um pronunciamento no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, conclamando a população a apoiar a campanha que tomaria conta do país com comícios gigantescos em várias capitais.
No Rio de Janeiro, 1 milhão de pessoas ocuparam a Cinelândia, no centro da cidade, e 1,5 milhão estiveram no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.
O Brasil pedia nas ruas a aprovação pelo Congresso da emenda Dante de Oliveira, que restabelecia a regularidade eleitoral e direitos civis após quase 20 anos de um regime militar que já vivia uma severa crise econômica.
Embora a emenda não tenha sido aprovada naquela ocasião, o governo chegou ao fim em 1985, sob o peso das Diretas Já, com a eleição do primeiro presidente civil Tancredo Neves. Ele teve José Sarney em sua chapa como vice e disputou a eleição com Paulo Maluf, que era o candidato apoiado pelo regime militar.
PIONEIRISMO PERNAMBUCANO
Dentro de processos históricos, como as Diretas Já, que institucionalizaram reflexões necessárias sobre a política no país, Pernambuco se mostrou mais uma vez como um estado pioneiro diante das muitas inquietações acerca dos fenômenos sociais.
Na última quinta-feira (23), a Alepe aprovou o Projeto de Lei Nº 395/2023, que institui o Dia Estadual das Diretas Já, a ser celebrado todo dia 31 de março. O projeto foi subscrito pelos deputados João Paulo (PT), Doriel Barros (PT), Rosa Amorim (PT), Dani Portela (PSOL), Rodrigo Novaes (PSB) e Waldemar Borges (PSB).
“Demarcar a data das Diretas Já, em um momento em que estamos resgatando os princípios da nossa Democracia enquanto país, é um ato de forte caráter simbólico. A memória do que passamos é um instrumento importantíssimo para que possamos não cometer os mesmos erros no nosso futuro, como sociedade. A nossa Democracia ainda é muito frágil”, afirmou a deputada Dani Portela.
“Precisamos ainda avançar muito ainda com relação ao que se chama de democracia participativa, ou seja, a garantia de participação popular nas decisões importantes do Estado, através de plebiscitos, referendos. Mecanismos que estão previstos na Constituição mas que raramente são utilizados”, completou a parlamentar.
"É importante resgatarmos essa data tão significativa para a manutenção da democracia relativa, porque nós não vivemos em uma democracia plena. Mas, mesmo essa democracia, ela é importante de ser mantida onde tem tantas desigualdades sociais. Essa é uma data que relembra toda uma mobilização nacional em torno da defesa da democracia e em torno das Diretas Já", declarou João Paulo.
RELEMBRAR OS FATOS
A cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), Priscila Lapa, explica que retomar a agenda de discussões sobre a importância das Diretas Já é uma forma de fazermos um reencontro com a nossa própria história.
“Quando o tema da Ditadura veio à tona nos últimos tempos, escancarou que há aspectos ainda não resolvidos em nossa construção como país. Alguns consensos sobre fatos históricos devem ser buscados, sob o risco de não consolidarem nosso tecido social. A história importa muito para a formação de um povo e até para permitir reparações que forem necessárias”, disse.
A cientista política destaca que a história da democracia brasileira foi construída inicialmente sem a participação ampla da sociedade, mas como uma agenda de alguns segmentos que se organizaram e foram capazes de pressionar as forças políticas em vigor na época.
“No entanto, a democracia brasileira é frágil nas entregas para justamente a base da pirâmide. É uma democracia que não entrega igualdade, que não gera políticas públicas que gerem melhorias na vida da população mais necessitada. Sendo assim, quando houve uma mudança na correlação de forças políticas, entre direita e esquerda, a maior parte da população traduziu isso num debate entre valores, que revelava essa fragilidade da democracia com suas entregas”, analisa Priscila Lapa.
Para o cientista político e historiador Alex Ribeiro, trazer de volta a discussão e celebração de um movimento que veio para fortalecer a democracia, é válido porque o Brasil vivenciou nos últimos anos um período em que as instituições públicas e a legitimidade das urnas começaram a ser questionados.
“É evidente que existem resquícios das diretas já nos movimentos recentes do país . Apesar da sua peculiaridade , este evento contou , no início da década de 1980 com atores políticos que ainda são protagonistas no país, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente Lula, e de outros personagens que foram contemporâneos de parte da sociedade brasileira, como Miguel Arraes e Tancredo Neves”, destacou Ribeiro.
“Analisar estas associações, partidos , e agentes públicos é uma maneira de comparar o passado com o presente e tecer uma análise crítica do que ocorre no país”, completou.
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