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O fiel da balança, a democracia-equilibrista e o nome indicado ao STF

Supremo Tribunal Federal, com a democracia testada e re-testada à exaustão, funciona, em perspectiva mais ampla, como fiel da balança da democracia-equilibrista que, a duras penas, tem-se protegido por aqui

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
Publicado em 29/03/2023 às 22:31
Carlos Moura/SCO/STF
Supremo só age mediante provocação. É da sua natureza intrínseca ser desse jeito - FOTO: Carlos Moura/SCO/STF

Um dos alvos do extremismo que transformou a Praça dos Três Poderes, em Brasília, no último dia 8 de janeiro, em um cenário apocalíptico, o Supremo Tribunal Federal, com a democracia testada e re-testada à exaustão, funciona, em perspectiva mais ampla, como fiel da balança da democracia-equilibrista que, a duras penas, tem-se protegido por aqui.

Nessa perspectiva, Guilherme Trindade, em artigo para o Consultor Jurídico de 01/09/2022, no próprio título, pergunta: “Democracia brasileira é real ou meramente ‘pro forma’?” E a seguir responde: “Não basta ter uma casa com fundação sólida, porém, que não tenha sido devidamente finalizada, sob pena desta apresentar, com o passar dos anos, infiltrações, rachaduras, vazamentos, etc”. Referiu-se à Constituição de 88, um primor garantista, mas, em diversos aspectos, romântica obra de ficção.

Já a dupla Gustavo Machado e Martonio Mont’Alverne, em texto para o Migalhas de 10/01/2023, não menos assertivamente, pontua, com o que concordo: “As lições que a história nos mostra servem de advertência para todos, e trazem a convicção de que a necessidade de uma democracia que defenda a si própria é uma tarefa de todos nós”.

Ora, o Supremo só age mediante provocação. É da sua natureza intrínseca ser desse jeito. Em quadras decisivas, devidamente provocado, foi ele que nos impediu de uma queda precipício abaixo: quando chancelou medidas de prevenção durante o ápice da pandemia do coronavírus; quando enfrentou a crise carcerária; quando emprestou efetividade aos direitos humanos em “n” ocasiões; quando deliberou sobre as pesquisas com células-tronco. Havendo o “estado de coisas inconstitucional”, cabe à Corte se despir do figurino da “self-restraint” e não hesitar em deliberar.

Segundo pesquisa de outubro de 2020, 8 em cada 10 brasileiros consideravam as decisões do STF muito importantes nas suas vidas. Não é pouca coisa. As críticas a um certo “ativismo” acentuado desprezam, quase sempre, o que esse número significa em última amplitude e explica o porquê, não raro, seus Ministros são mais conhecidos, mas nem sempre elogiados, do que a mais querida seleção de futebol.

Simplesmente não há a prerrogativa da Corte de decidir não decidir, mas haverá sempre a de promover a
preservação da Constituição quando esta seja uma Constituição de caráter defensivo.

Avizinha-se para maio uma vaga de Ministro e em outubro, outra. Muito se discute, nesses tempos polarizados, sobre o perfil ideal dos indicados. Tão significativo, porém, quanto o nome ser espelho do singular mosaico social, é o compromisso do apontado de somar forças para que o Tribunal caminhe coeso na proteção das bases fundantes da democracia. Ou de nada vai adiantar qualquer outro critério.

A(o) Ministra(o) precisa ser contramajoritária(o) e não temer a reação da opinião pública. Nenhum nome há de ser riscado senão pela ausência desse vetor. Vale um passeio ao passado. O Ministro Ribeiro da Costa, Presidente da Corte em março de 1964, quando do golpe, era família militar, porém, nunca foi subserviente ao regime; ao contrário, teve uma das vozes mais incisivas contra a corrosão da independência do Tribunal.

O Ministro Aliomar Baleeiro, nomeado em vagas criadas pelo AI-2, foi um liberal na defesa do Estado de Direito. Já o Ministro Adauto Lúcio Cardoso, ex-deputado pela UDN e pela Arena, indicado por Castelo Branco, em 1971 abandonou o Plenário jogando sua capa e anunciando sua aposentadoria ao se revoltar com a decisão do tribunal pela constitucionalidade da lei da censura prévia do governo Médici.

Rodrigo Kaufmann sintetiza bem: “A experiência no campo do diálogo, do exercício político de função executiva ou desempenho de mandato eletivo auxilia no necessário bom senso e discernimento que um Ministro do STF precisa ter necessariamente ao julgar as questões constitucionais”.

Com suas decisões sob o crivo dos juristas de Google, o Tribunal deve ser, sobretudo, livre, ou nenhum de nós o será. Nisso é que reside o único caminho para que os inimigos da democracia não se atrevam novamente a mostrar as suas garras e a tentar tomar de assalto o Estado brasileiro no tapetão.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

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