Na reunião ministerial de ontem para bater o bumbo sobre os cem dias de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a gestão de Jair Bolsonaro, prometeu apresentar novos programas e, mais uma vez, atacou a taxa de juros.
Lula defendeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de críticas recebidas em razão da proposta de arcabouço fiscal. Ao mesmo tempo, porém, a cúpula do PT insistiu na tentativa de enquadrar Haddad e cobrou o resgate de uma política desenvolvimentista que, na visão do partido, pode acelerar a geração de empregos.
Enquanto Lula elogiava Haddad no Palácio do Planalto, o Diretório Nacional do PT decidia, em reunião, convidar o ministro da Fazenda para um "processo de debates" por ver com ceticismo o projeto da nova âncora fiscal, idealizado para ajustar as contas públicas e acalmar o mercado diante do desejo petista de elevar gastos. Embora já apresentado em entrevista, o texto final ainda será entregue ao Congresso nesta semana.
Em ato marcado pelo slogan "O Brasil voltou", o mesmo do ex-presidente Michel Temer (MDB), Lula disse que "o arcabouço fiscal traz soluções realistas e seguras para o equilíbrio das contas públicas".
"Apresentamos o novo arcabouço fiscal que traz soluções realistas e seguras para o equilíbrio das contas públicas, que dá um fim às amarras irracionais - e sistematicamente descumpridas - do falido teto de gastos. Que garante a volta do pobre ao Orçamento. E que possibilita a aplicação de recursos no desenvolvimento econômico do País", afirmou.
O presidente se mostrou otimista com a aprovação das novas regras fiscais. "Haddad, de vez em quando eu sei que você ouve algumas críticas. Tenho de elogiar você e a equipe (..) porque certamente, em se tratando de economia, em se tratando de política tributária, a gente nunca vai ter 100% de solidariedade", disse.
Lula retomou, então, as queixas à taxa de juros, sem fazer uma referência direta ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - indicado por Bolsonaro. "Ainda acho que 13,75% (ao ano) é muito alto para juros. Estão brincando com o País e os empresários", criticou.
O PT endossou as queixas do presidente. "Apoiamos a firme posição do presidente Lula contra a política monetária suicida imposta pela diretoria do Banco Central que vem do governo anterior", diz trecho de nota oficial do Diretório Nacional do PT sobre os 100 dias do governo Lula.
Mais adiante, o documento mencionou o arcabouço fiscal. Não citou Haddad, mas fez uma advertência sobre o que será a prioridade da política econômica. "(...) Saudamos o fim da nefasta lei do teto de gastos e nos preparamos para debater, no interior do partido, no Congresso e na sociedade, as propostas de novas regras fiscais e de reforma tributária, tão logo sejam completamente conhecidas, reafirmando que a prioridade da política econômica é o desenvolvimento, a reindustrialização e o crescimento com geração de empregos e oportunidades", destacou a nota.
Na prática, o PT deve constranger Haddad. O partido quer saber como é possível compatibilizar déficit primário zero em 2024, como prevê o projeto da nova âncora fiscal, com crescimento da economia.
Além disso, o comando do partido pedirá detalhes de como o ministro pretende conseguir aumentar a arrecadação em R$ 150 bilhões para por a proposta de pé.
A ideia é que Haddad e integrantes da equipe econômica se reúnam com dirigentes e economistas do partido, e também com as bancadas petistas na Câmara e no Senado, ainda neste mês.
Embora o ministro avalie que o plano de atrelar as despesas de saúde e educação a um regime de gasto por habitante abra caminho para que despesas desse tipo fiquem menos sujeitos à arrecadação do governo, a cúpula do PT considera esse modelo ruim.
No diagnóstico de dirigentes do PT, o pacote do arcabouço, como está, pode provocar uma trava na economia, fazendo o desemprego aumentar.
Deputados do PT também mostraram preocupação com a proposta de arcabouço fiscal e avaliam que o projeto, se não for bem amarrado, pode levar a uma crise política. "Haddad tem de explicar o arcabouço e tentar convencer (as pessoas)", disse o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ). "Acho q é muito difícil passar no PT algo que altere o piso de 15% da receita corrente líquida para a Saúde e 18% das receitas dos impostos para a Educação. É compromisso histórico do PT com sua base", afirmou.
Velhos programas
Ainda na área econômica, Lula, no Planalto, descreveu os eixos do que deve ser o novo PAC, que até o momento é chamado pelo governo de "programa de investimentos estratégicos em infraestrutura". O terceiro mandato de Lula foi marcado até agora pelo relançamento de programas sociais de gestões petistas, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.
De acordo com o presidente, é "melhor desistir" se o cenário no governo for de lamúria em relação aos indicadores socioeconômicos. "Ninguém acredita no governo que acorda todo dia (e diz): ‘Ah, o PIB não vai crescer’, ‘ah, porque a economia não está muito boa’, ‘ah, porque o FMI disse tal coisa’, ‘ah, porque o Banco Mundial disse tal coisa’, ‘ah, porque o mercado financeiro disse tal coisa’. Olha, se a gente for governar pensando nisso, é melhor desistir", disse o presidente.
Nesse cenário, a reunião dos cem dias contou com cobranças públicas a ministros. Lula se referiu, por exemplo, diretamente a Carlos Lupi para mencionar as críticas recentes ao governo pelas longas filas dos benefícios da Previdência. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, porém, foi elogiado e chamado de mais "otimista" por trazer boas notícias de acordos feitos na China.
Sombra de Bolsonaro
Sem citar Bolsonaro, Lula disse que o governo que o antecedeu gastou recursos da União de maneira sem precedentes na campanha eleitoral do ano passado "na perspectiva de perpetuar o fascismo no País".
O petista disse ainda que os ataques de 8 de janeiro foram "uma tentativa de golpe feita com a maior desfaçatez, feita por um grupo de reacionários, fascistas, e de extrema direita que não queria deixar o poder". Na semana passada, Lula disse que estava proibido de falar de Bolsonaro.
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