Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicar ser a favor de estudos para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que destruir um "presente de Deus" é uma "ingratidão com o criador".
Ao participar da mesa de abertura da Semana Laudato Si, um evento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, a ministra destacou que "pessoas mais vulneráveis" são vítimas das "piores consequências dos nossos atos".
A fala contrasta com a declaração de Lula no encerramento de sua passagem pela cúpula do G-7, no Japão. No domingo, o presidente reforçou o entendimento de que a região não deve ser transformada em um santuário. "Quem mora na Amazônia tem direito a ter os bens materiais que todo mundo tem", afirmou.
Lula sugeriu que a discussão não está fechada. "Se extrair petróleo na foz do Amazonas, que é a 530 quilômetros, em alto-mar, se explorar esse petróleo tiver problema para a Amazônia, certamente não será explorado. Mas eu acho difícil (não poder explorar), porque é a 530 quilômetros de distância da Amazônia, sabe?", disse o presidente a jornalistas em Hiroshima
O Estadão revelou que o processo de exploração pela Petrobras na foz do Amazonas colocou em lados opostos ministros do governo Lula. De um lado, Marina chegou a comparar o episódio com a polêmica construção da usina de Belo Monte, em Altamira (PA). De outro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da estatal, Jean Paul Prates, pressionam pela liberação da exploração.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), porém, já se posicionou de forma contrária à proposta da estatal, que vai recorrer do parecer.
Em entrevista, Prates disse que a Petrobras já iniciou os procedimentos para retirar a sonda que mantém na Margem Equatorial (que compreende a foz do Rio Amazonas), enquanto aguarda uma resposta do Ibama ao pedido de reconsideração da negativa de explorar no local.
Em um primeiro momento, a sonda irá para a Bacia de Campos, mas o presidente da estatal admitiu que está em estudo a possibilidade de levar o investimento para países como Guiana ou Suriname. "É uma chance de ouro que se perde", afirmou.
O indeferimento da licença foi assinado na semana passada pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. A decisão afirma que o projeto "ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental". E aponta a necessidade de "avaliações mais amplas e aprofundadas".
'Dia da Biodiversidade'
Quando chegava para o evento em Brasília, Marina foi abordada e se recusou a comentar as declarações de Lula no Japão, especificamente a afirmação do petista de que é "difícil" o Ministério de Minas e Energia não conseguir autorização para extrair recursos naturais na área.
"Hoje é dia da biodiversidade", se limitou a dizer Marina quando questionada sobre a disputa pública dentro do governo envolvendo a exploração de petróleo na foz do Amazonas.
Na solenidade da CNBB, a ministra - que é evangélica - citou o papa Francisco e sua "preocupação especial em amar o criador, traduzindo também esse amor em respeito e cuidado pela sua criação".
"Se a gente destrói o presente de Deus, é uma ingratidão com o criador. É muita contradição dizer que ama o criador e desrespeitar a criação, dizer que ama o criador e destruir a criação", escreveu Marina depois, no Twitter.
Em outra postagem, a ministra marcou o perfil de Lula na rede social. "O presidente Lula assumiu o compromisso de que vamos expulsar os criminosos das terras indígenas. Não está sendo fácil, só a base do Ibama já foi atacada cinco vezes por criminosos! Levando tiro, junto com a PRF e a Polícia Federal", escreveu ela, mais uma vez sem citar o impasse sobre o projeto na foz do Amazonas.
Em outro momento do discurso, Marina pontuou: "Quem são as pessoas mais atingidas pelas mudanças climáticas? São as pessoas mais pobres", disse, usando como exemplo o desastre do litoral norte de São Paulo, em fevereiro deste ano - quando fortes chuvas causaram deslizamentos de terra e deixaram 48 mortos.
A região da foz do Amazonas é chamada de "novo pré-sal" e tem sua exploração defendida por políticos da região amazônica, como o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (AP), que deixou a Rede Sustentabilidade após a decisão do Ibama com apoio de Marina.
'Vou cuidar disso'
No governo, a queda de braço tem sido mediada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, mas será assumida por Lula. "Estou chegando no Brasil na terça-feira (hoje) e vou cuidar disso", afirmou o presidente.
Apesar da sinalização contrária aos ambientalistas, Lula voltou a dizer que seu governo tem compromisso com a sustentabilidade e vai atingir a meta de desmatamento zero na Amazônia até 2030. A temática ambiental foi um dos temas-chave do G7.
O petista disse que o País "está de volta" ao cenário internacional e quer ajudar o mundo a cumprir as metas de combate a mudanças climáticas.
Segundo o presidente, o Brasil tem "autoridade moral" para discutir o tema, mas os países ricos precisam cumprir seus compromissos, inclusive financeiros, acertados em cúpulas multilaterais.
Lula também disse que os indígenas podem ser "guardiões" da Amazônia no Brasil e em países vizinhos. Ele voltou a defender aliança com Congo e Indonésia para proteger florestas.