Terras Indígenas

Câmara aprova PL do Marco Temporal e impõe derrota a governo Lula

Apesar de governistas terem tentado adiar a votação, a proposta contou também com votos de parlamentares de partidos da base

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Publicado em 30/05/2023 às 21:13 | Atualizado em 31/05/2023 às 10:38
Antônio Cruz / Agência Brasil
STF retomará um julgamento sobre demarcação de terras indígenas na próxima terça-feira - FOTO: Antônio Cruz / Agência Brasil

A Câmara aprovou o texto-base do projeto de lei 490/2007, o chamado PL do Marco Temporal, nesta terça-feira, 30, por 283 votos a 155, em uma derrota ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Apesar de governistas terem tentado adiar a votação, a proposta contou também com votos de parlamentares de partidos da base.

O principal ponto do projeto é estabelecer em lei que somente territórios ocupados por indígenas na data da promulgação da Constituição 1988 podem ser demarcados como terras indígenas.

O texto, que seguirá ainda ao Senado, era uma demanda dos ruralistas e foi votado sob protesto de parlamentares de esquerda e movimentos indigenistas. Governistas já falam em judicializar a votação em que saíram derrotados.

O QUE É MARCO LEGAL? ENTENDA:

Na prática, se promulgada, a lei vai paralisar todos os processos de demarcação em andamento. Há pelo menos 303 em tramitação. Hoje, o Brasil tem 421 terras indígenas homologadas. Elas somam 106 milhões de hectares e têm cerca de 466 mil indígenas.

Com a aprovação, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), e a cúpula da Casa pretendiam passar um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte retomará um julgamento sobre demarcação de terras indígenas na próxima terça-feira, 6.

"Tenho certeza que a sinalização da Câmara, aprovando esse projeto de lei, fará com que Supremo reflita e pelo menos paralise essa querela jurídica que está marcada para se julgada em junho", afirmou Arthur Maia (União-BA), autor do texto aprovado. "Estamos mandando a nossa mensagem ao Supremo, a de poder harmônico, mas altivo. Não podemos aceitar que outros Poderes invadam nossa prerrogativa".

Os deputados favoráveis à proposta argumentam que ela foi construída à luz do julgamento do Supremo sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009. Na ocasião, o marco temporal foi considerado. Para eles, as condicionantes daquele julgamento devem ser tratados como paradigma.

Os contrários ao texto, porém, ressaltam que o debate não foi esgotado pelo Supremo e que há diversos precedentes que afirmam que o marco temporal e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol são aplicáveis somente para a demarcação daquela terra indígena específica.

Para a deputada governista Juliana Cardoso (PT-SP), o projeto é um retrocesso. "É o projeto da morte, da perversidade do lucro acima da vida humana. Esse ‘PL da morte’ quer acabar de novo com direito adquirido e promover a injustiça. É um crime contra os povos indígenas", disse.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que tentou articular o adiamento da votação, mas foi superado. "Respeitando aqueles que são d governo e votam a favor, mas o governo não tem como encaminhar o voto ‘não’ a essa matéria porque compreende que é um erro votar esse projeto agora", disse, na discussão.

Segundo estimativas da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), principal fiadora da proposta, as terras indígenas são cerca de 14% do território nacional. Se todos os processos de demarcação em curso fossem encerrados, seriam 30%. A produção agrícola abrange 24% do território brasileiro.

Apesar de a chamada tese do "marco temporal" ser o principal item do PL 490/2007, ele altera políticas indigenistas que vigoram há décadas. Uma delas reacende a possibilidade de contato com povos que vivem em isolamento voluntário, prática que marcou a relação da ditadura militar com indígenas.

O texto cria a possibilidade de contato com indígenas que vivem em isolamento voluntário para ações de "utilidade pública", inclusive por meio de "entidades particulares, nacionais ou internacionais", contratadas pelo Estado. O projeto não especifica quais seriam as atividades de utilidade pública admitidas.

Por se tratar de expressão genérica, parlamentares e movimentos contrários ao projeto temem que o dispositivo permita o contato forçado até para missões religiosas.

O relator, deputado Arthur Maia, afirmou que o texto atrela o contato ao controle da Fundação Nacional do Índio (Funai) e que seu objetivo foi o de apenas evitar que organizações não governamentais estrangeiras acessem povos isolados no Brasil sem a fiscalização do governo.

Antes da aprovação do texto, o governo sofreu duas derrotas expressivas. Primeiro, apresentou requerimento para retirar o projeto da pauta. Obteve apenas 123 votos favoráveis, contra 257 contrários. Depois a oposição, pediu para abreviar a discussão e conseguiu 311 apoios. O governo, só 137.

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