Democracia

'A democracia tem de ser um valor absoluto', diz ex-chanceler Aloysio Nunes

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o ex-chanceler Aloysio Nunes

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Estadão Conteúdo

Publicado em 06/07/2023 às 9:10 | Atualizado em 06/07/2023 às 10:27
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Primeiro tucano a defender o apoio a Luiz Inácio Lula da Silva na eleição, o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira diz ver com tristeza a "agonia" do PSDB, que governou o País duas vezes, com Fernando Henrique Cardoso, e completou 35 anos no mês passado. O ex-chanceler acha que o presidente cometeu "grave erro político" ao afagar o venezuelano Nicolás Maduro. "Na Venezuela, a imprensa não é livre, as eleições não são livres, a oposição é reprimida, o Judiciário é controlado. Se isso não é ditadura, o que é?", questionou. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

O PSDB completou 35 anos, em sua maior crise. Perdeu o governo de São Paulo, tem sua menor representação no Congresso e enfrenta debandada de prefeitos. Por que o PSDB faliu?

Essa crise não aconteceu de repente: foi preparada por quatro anos de ausência absoluta de oposição que um partido social democrata teria o dever de fazer a um governo que foi autoritário, reacionário e regressivo do ponto de vista social e ambiental. O PSDB não só não fez oposição como em muitos momentos apoiou algumas das medidas mais nefastas do governo Bolsonaro.

Como o sr. define o PSDB hoje: é um partido de centro ou de direita?

É um partido de direita. Está na mesma confusão entre vazio político, clientelismo e distanciamento da base social, assim como outros partidos que povoam esse campo da direita. Com um agravante: o que os líderes do PSDB falam não é ouvido.

Qual é o impacto da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre o cenário político?

Bolsonaro vai continuar sendo um abscesso de fixação do que há de mais reacionário na política brasileira. Seu afastamento do processo eleitoral poderá dar margem ao surgimento de uma direita republicana, um partido que possa representar o pensamento conservador, mas respeitoso da Constituição. Na esquerda, já temos o PT, o PDT, o PSB... Temos até o que na França se chama "La Gauche Mignone", a esquerda bonitinha, que é o PSOL. Quem sabe reapareça no horizonte o PFL. Era um partido conservador, mas que tinha uma formulação programática e líderes respeitados.

Virou hoje o União Brasil, que é a fusão do DEM, antigo PFL, com o PSD.

Dá um banho de loja no União Brasil que pode ser (risos). Infelizmente, o PFL se fragmentou e também foi tragado pela extrema-direita.

Qual é a sua avaliação sobre os primeiros seis meses do governo Lula?

Começou um pouco confuso, enfrentou uma tentativa de golpe em 8 de janeiro, mas agora encontrou seu caminho. Retomou programas sociais importantes, como o Minha Casa, Minha Vida, e também a política externa, sobretudo em matérias nas quais somos valorizados, como meio ambiente e direitos humanos. Além disso, está reconstruindo o Ministério da Saúde, que havia sido destruído, e a área da cultura.

Mas o governo é refém do Centrão, que quer controlar o Ministério da Saúde. Como sair dessa armadilha de distribuição de emendas e cargos em troca de apoio?

A saída é o convencimento político: recorrer à opinião pública, propor com clareza os passos a seguir. Eu fui um dos poucos parlamentares a votar contra a obrigatoriedade de execução das emendas individuais. (A proposta) foi aprovada porque, à época, o governo Dilma era fraco. Depois, num governo mais fraco ainda, o do Bolsonaro, o Congresso prosseguiu tomando o freio entre os dentes. Agora, houve um início de reequilíbrio, com a atenuação do orçamento secreto.

O problema é que essas emendas foram desvirtuadas. Há envio de dinheiro para parentes, sócios, laranjas, obras superfaturadas...

Virou, muitas vezes, um mensalão disfarçado. Mas a maioria dos deputados não está atrás de mensalão. Deputado quer é ser reeleito, ter uma boa imagem e, para isso, o atendimento de suas bases é fundamental. Pode chamar de paroquialismo, mas é realidade não só do Brasil, mas do mundo.

Quando era chanceler, o sr. definiu a Venezuela como uma ditadura. Como vê agora os afagos do presidente Lula a Nicolás Maduro?

Eu lamento. É um grave erro político porque afasta muita gente que tem sincero apreço à democracia e pode ficar desconfiada de que esse apreço não seja compartilhado pelo Lula. Contraria, inclusive, os compromissos afirmados e reafirmados por ele, na prática, nos seus governos. A cassação da candidatura de María Corina Machado, à frente nas pesquisas eleitorais, por um Judiciário submisso a Maduro é prova incontestável de que não há democracia na Venezuela.

O presidente Lula disse que o conceito de democracia é relativo.

Democracia tem de ser um valor absoluto. Na Venezuela, a imprensa não é livre, as eleições não são livres, a oposição é reprimida, o Judiciário é controlado. Se isso não é ditadura, o que é? A situação se degradou depois de Hugo Chávez, inclusive. Chávez falava frequentemente com o presidente Fernando Henrique ao telefone. Chegou até a recomendar a ele o livro A Democracia na América, de Tocqueville. Lula faz bem em ter relações diplomáticas com a Venezuela. Agora, dar a Maduro um destaque especial, quando havia outros dez chefes de Estado sul-americanos aqui, foi um erro político. E foi um erro de avaliação classificar as críticas à situação política da Venezuela como "narrativa".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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