O dia em que a Academia Brasileira de Letras abriu suas portas para que histórias cativantes de Marco Maciel fossem relembradas
Um fim de tarde memorável, que reuniu da esposa Anna Maria Maciel, a quemmconheceu ainda nos tempos de líder estudantil quando estudavam na Universidade Federal de Pernambuco - ele fazendo Direito e ela estudando Sociologia - ao acadêmico Arnaldo Niskier, o jurista pernambucano Joaquim Falcão, passando por políticos que dividiram pensamentos liberais, como o ex-ministro da Saúde Alcenir Guerra, e atuais como Mendonça Filho (União Brasil-PE) todos têm em Marco Antônio Maciel (1940-2021) uma inspiração quase que dogmática.
“Na política eu nunca o contestei. Sempre tive por ele uma admiração profunda por sua realidade, pela firmeza das ideias e pelo propósito conciliador”, disse Anna Maria. “Eu sempre o apoiei, ao meu modo, e ao modo que ele também gostava. Marco Antônio não gostava que eu aparecesse não, viu. Mas eu o ajudava muito naquilo que estava ao meu alcance. Organizando documentos, recebendo pessoas em casa. Eu sempre tenho por temperamento gostar de gente, então essa era uma forma de ajudá-lo a ser o político, a pessoa repleta de generosidade”, disse emocionada.
O calor de quase 40ºC na cidade do Rio de Janeiro (RJ) contrastava com a suntuosidade da Academia Brasileira de Letras onde Marco Maciel ocupou a cadeira nº 39, por 18 anos. Ao fundo, um saxofonista passeava pela Bossa Nova, o jazz de Stan Getz e uma MPB soft. Na entrada, cercado por políticos pernambucanos, empresários e leitores de seu blog, o jornalista Magno Martins suava a camisa enquanto distribuia autógrafos e posava para fotos.
O autor de “O Estilo Marco Maciel”, pela editora CRV, lembra que “Marco Maciel marcou pela austeridade. Nessa pesquisa de dois anos, sobre sua vida, levantei tudo o que estava ao meu alcance. Mas o que me deixou impressionado foi a maneira com que Tancredo Neves (1910-1985) se referia a Marco Maciel como um grande inspirador na montagem da chapa com José Sarney para derrotar Paulo Maluf, levando consigo o pensamento que ia do centro-direita à esquerda e que culminou com o advento da Nova República”, disse.
“Cria de Marco Maciel”, como é conhecido o ministro André de Paula, da Pesca e Aquicultura, disse que “só quem desfrutou ainda que por pequenos momentos, da companhia de Marco Maciel, sabe como ele pensava grande, no sentido de dar significado ao trabalho que realizava. Para ele, não tinha tempo ruim”, relembra.
Um padrinho generoso — “Quando cheguei em Brasília, eleito deputado federal, isso em 1983, foi quando conheci Marco Maciel. Ele me convenceu a criarmos a frente liberal, um movimento que chegou para substituir aquele pensamento arcaico, reacionário da política. Mas o que nos uniu profundamente foi quando ele e Anna Maria batizaram minha filha Maria Pia. Foi uma maneira que encontramos para retribuir sua generosidade. Compadre Marco Maciel só tinha uma frustração na política, ele nunca foi vereador. Mas foi um político completo”, disse Alceni Guerra, ex-deputado e ex-ministro da Saúde, no governo Fernando Collor.
O acadêmico Arnaldo Niskier destacou que além da ABL, Marco Maciel marcou o país. “No meu caso, como educador, eu apreciei muitíssimo as ações que ele desenvolveu durante o tempo em que foi ministro da Educação [1985-1986]. Foi um grande ministro, homem sereno, ponderado, eficiente. Um grande amigo que nos faz sentir muito sua ausência”, afirmou.
Entre um cumprimento e outro, o deputado Mendonça Filho recorda-se de Marco Maciel com um dos poucos políticos que tanto se destacou pela arte do diálogo. Do convencimento. “Ele é uma referência quando falamos de homens públicos, sérios, dedicados. Ele deixou um legado de luta em defesa de Pernambuco, mesmo quando ocupou cargos públicos em Brasília, seja em ministérios, na Câmara, no Senado ou na vice-presidência”. O deputado ressalta que o livro “O Estilo Marco Maciel ”celebra esse estilo tão ausente nos dias atuais”.
Sua derradeira aventura, como homem público, se deu quando disputou a cadeira que antes era do jornalista Roberto Marinho (1904-2003). Em sua posse na Academia Brasileira de Letras, Marco Maciel afirmou que estava vivendo “num dos momentos mais fascinantes da minha vida, envergando o fardão, ostentando o colar e empunhando a espada”, como destaca Magno Martins.
Hoje a cadeira 39 está com o ilustre jurista, também pernambucano do Recife, José Paulo Cavalcanti.
A chuva cessou, o mormaço subiu, as pessoas já falavam uns decibéis acima, quando as luzes do hall de entrada da Academia Brasileira de Letras começaram a se apagar. Era hora começar a ler as mais de 200 páginas de inúmeras revelações e de um sentimento: Marco Maciel soube, como poucos, fazer da vida pública um verdadeiro sacerdócio.