CV NOS MINISTÉRIOS

Omissão de encontros fere lei que prevê transparência de agendas

Luciane, ligada ao Comando Vermelho, e que esteve em ministério, foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão por organização criminosa

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Estadão Conteúdo

Publicado em 18/11/2023 às 16:02
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Dois auxiliares do ministro da Justiça, Flávio Dino, que participaram de reuniões com a dirigente de uma ONG ligada ao Comando Vermelho, descumprem a Lei de Conflitos de Interesses e não divulgam publicamente seus compromissos. Luciane Barbosa Farias, de 37 anos, é apontada como o braço financeiro da facção Comando Vermelho no Amazonas e, mesmo assim, foi recebida por quatro autoridades da Pasta em março e maio deste ano.

Luciane foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão por organização criminosa, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro. Ela é casada há 11 anos com o traficante Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, um dos líderes da facção no Amazonas que responde também por uma série de homicídios em Manaus. A presença dela no Ministério da Justiça só veio à público após o Estadão noticiar. As audiências foram intermediadas pela advogada Janira Rocha, ex-deputada estadual no Rio de Janeiro pelo PSOL.

AGENDAS NÃO DIVULGADAS

O secretário Nacional de Assuntos Legislativos, Elias Vaz, e o Diretor de Inteligência Penitenciária, Sandro Abel Sousa Barradas, não divulgam suas agendas desde o início do ano, apesar de estarem obrigados por lei a publicá-las.

Já o Secretário Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco Brandani, costuma publicar seus compromissos num sistema da Controladoria-Geral da União (CGU), mas não há registro do nome de Luciane Farias.

Procurado, o Ministério da Justiça afirmou, em relação a Elias Vaz, que a Secretaria de Assuntos Legislativos é uma pasta "nova" e que a não divulgação se deve a um problema operacional que está sendo corrigido. Vaz foi nomeado há quase 11 meses. Por sua vez, a Senappen, que responde por Velasco e Barradas, alegou que "algumas hipóteses são dispensadas de divulgação, incluindo aquelas cujo sigilo seja imprescindível à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado".

A ouvidora Nacional de Serviços Penais, Paula Cristina da Silva Godoy, que também se reuniu com Luciane Barbosa em 2 de maio, não está na lista de autoridades que a lei obriga ter a agenda divulgada.

LEI PARA COMPARTILHAMENTO DAS INFORMAÇÕES

A divulgação dessas informações está prevista na Lei 12.813, de 16 de maio 2013, também conhecida como a Lei de Conflito de Interesses. "Os agentes públicos mencionados nos incisos I a IV do art. 2º deverão, ainda, divulgar, diariamente, por meio da rede mundial de computadores - internet, sua agenda de compromissos públicos", diz o texto.

Para o advogado Bruno Morassuti, membro do Conselho de Transparência Pública da Controladoria-Geral da União (CGU), a não divulgação dos compromissos desses agentes públicos representa descumprimento do decreto de regulamentação do E-Agendas, sistema do governo federal que reúne as agendas das autoridades, e também significa um enfraquecimento da política de controle de conflito de interesses. "É muito importante que essas autoridades façam a devida publicação pois assim fortalece o dever de transparência", avalia.

INVESTIGAÇÃO

Após o Estadão revelar os encontros de Luciane Barbosa com auxiliares de Flávio Dino, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu a abertura de uma investigação sobre as reuniões. No pedido, o subprocurador-Geral Lucas Rocha Furtado solicita ao TCU a adoção das necessárias para investigar "possíveis condutas atentatórias à moralidade administrativa".

"Qualquer que fosse o interesse público alegado para justificar o encontro, certamente não se tratava da única via disponível, cabendo ao órgão público selecionar interlocutores que respeitem a moralidade pública exigida das instituições oficiais", diz Furtado.

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