DERROTA DO GOVERNO

Congresso impõe derrotas a Lula em votação de vetos

Ao todo, o presidente petista tinha vetado 47 trechos da lei aprovada pelos congressistas.

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Estadão Conteúdo

Publicado em 14/12/2023 às 21:38
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O Congresso Nacional impôs duas derrotas ao presidente Lula (PT) durante a votação dos vetos do governo, realizada nesta quinta-feira (14). Os parlamentares derrubaram dois vetos de maiores repercussão do presidente: um do Marco Temporal, que versa sobre a demarcação de terras indígenas; e outro sobre a desoneração da folha de pagamentos, mantendo incentivos fiscais a 17 setores da economia. 

DEMARCAÇÃO DE TERRAS

Câmara e Senado haviam aprovado projeto definindo que só poderiam ser demarcadas terras ocupadas por indígenas até a promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Foi uma resposta a julgamento ocorrido em setembro, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a tese do marco temporal.

O critério para demarcação de terras limitado a 1988 é defendido pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a mais numerosa do Congresso, com mais de 300 parlamentares. Exonerado temporariamente no início da semana do cargo no Executivo para apoiar a indicação do titular da Justiça, Flávio Dino, ao Supremo, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD-MT), votou a favor da derrubada do veto de Lula.

Dias depois da decisão do STF, o Senado aprovou o projeto para estabelecer o marco temporal. O texto já havia passado pela Câmara e foi para a sanção de Lula, que vetou o principal trecho do texto. O presidente, seguindo orientação da Advocacia-Geral da União (AGU), também rejeitou a possibilidade de indenização aos proprietários de terras que eventualmente sejam declaradas como de direito dos indígenas e a proibição de ampliação das terras já demarcadas.

AÇÕES CONTRA A DECISÃO

O Ministério dos Povos Indígenas anunciou, em nota, que irá acionar a AGU para entrar com ação no Supremo contra a derrubada pelo Congresso do veto presidencial. Na avaliação da pasta, a decisão do Parlamento vai "totalmente na contramão" dos acordos que o Brasil constrói pela preservação ambiental.

Entre os seis vetos feitos por Lula que foram mantidos estão trechos que haviam permitido a plantação de alimentos transgênicos em territórios indígenas, a prestação de auxílio médico ou ações estatais em regiões onde vivem por povos isolados e, ainda, a possibilidade de revogar uma reserva indígena em caso de "alterações culturais" dos habitantes. Esses dispositivos saíram da lei.

INDENIZAÇÕES A DESOCUPAÇÕES

Entre os 41 vetos rejeitados pelo Congresso e que voltaram a vigorar como lei está trecho que garante direito à indenização em desocupação de áreas para demarcações de terras, e outro que impede a ampliação de um território já demarcado. Na Câmara dos Deputados, o placar foi de 321 a 137 para a rejeição do veto ao marco temporal. No Senado, 53 congressistas votaram pela derrubada do veto e 19 pela manutenção.

Um trecho que foi retirado por Lula, mas que os parlamentares decidiram manter no texto permite que bases militares, construção de estradas e exploração de "alternativas energéticas" pudessem ser feitas sem precisar consultar as comunidades indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Outra parte do projeto que voltou a vigorar foi a que dá aval para que um não indígena possa permanecer em um território em processo de demarcação e que equiparava essas terras com áreas privadas.

O julgamento do marco temporal no STF foi o estopim para uma crise entre os Poderes. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tido até então como aliado do Supremo, passou a defender publicamente a definição de mandatos com prazo fixo para os integrantes do Tribunal. O Senado chegou a aprovar uma PEC que limita as decisões monocráticas de magistrados da Corte.

DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTOS

O veto integral do presidente Lula ao projeto que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e reduz a alíquota de contribuição previdenciária de municípios com até 142 mil habitantes também foi derrubado. Os placares foram folgados, evidenciando a falta de base e articulação do governo no Congresso. No Senado, 60 senadores votaram pela derrubada, ante 13 pela manutenção. Já na Câmara, foram 378 votos pela derrubada e 78 para sustentar o veto.

Adotada desde 2011, a desoneração é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida reduz a carga tributária devida pelas empresas. O benefício, porém, perderia a validade no fim deste ano se o veto fosse mantido.

O impacto para os cofres da União pode chegar a R$ 20 bilhões por ano, o equivalente ao que o governo prevê arrecadar com a tributação dos fundos exclusivos e offshore, por exemplo. Em reação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que o governo deverá acionar o Judiciário contra a prorrogação da desoneração. Em paralelo, a Fazenda promete apresentar na próxima semana proposta alternativa que, segundo o ministro, não teria impactos no Orçamento de 2024 porque será editada com uma medida compensatória.

'QUESTÃO DELICADA'

"Essa medida viola a reforma da Previdência, um dispositivo constitucional. Então, é uma questão muito delicada. Já tem o parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) sobre a inconstitucionalidade, e obviamente que o governo vai tomar as providências sem deixar de apresentar uma alternativa", disse Haddad, que logo depois foi questionado se o governo avalia entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. "Ela é inconstitucional. Venho alertando isso há meses."

A reforma da Previdência veta iniciativas que reduzam a arrecadação da seguridade. O vício de inconstitucionalidade aumentou, na visão do governo, porque o projeto aprovado pelo Congresso inseriu os municípios de menor porte.

Haddad ponderou, contudo, que o objetivo da Fazenda é fechar um acordo em torno da proposta alternativa. Como antecipou o Estadão, a proposta em estudo passa pela edição de medida provisória prevendo a redução gradual da desoneração. "Vamos buscar o auxílio do Judiciário nesse caso, mas também apresentar para o Congresso (uma proposta)."

A derrota do governo, que vinha tentando ganhar tempo com um plano B para a desoneração da folha, já era dada como certa nos corredores do Congresso. O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu publicamente a derrubada do veto com a alegação de que a discussão de uma alternativa poderia ocorrer depois - diferentemente do desejo da equipe econômica.

Segundo a Feninfra, entidade que representa as empresas do setor de infraestrutura de telecomunicações, a derrubada do veto "permitirá às empresas dos 17 setores que mais empregam no País atender à contrapartida feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a manutenção e geração de empregos".

 

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