Deputados da oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão coletando assinaturas para protocolar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dificulta a execução de operações da Polícia Federal contra parlamentares do Congresso. A medida é uma resposta às ações policiais que, nos últimos dez dias, atingiram os deputados Carlos Jordy (PL-RJ) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A PEC, de autoria do deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), determina que mandados de busca e apreensão contra parlamentares somente poderão ser cumpridos após aval das mesas diretoras da Câmara ou do Senado. O texto estipula um prazo de dez dias para a análise do comando da respectiva Casa.
Flagrante delito
A proposta encabeçada pelo parlamentar diz que operações poderão ser feitas sem a permissão do Congresso apenas em crimes de "flagrante delito". Hoje, não há uma legislação que blinde os parlamentares de buscas e apreensões.
"Quaisquer ações judiciais, mandados de busca e apreensão e investigações realizadas contra deputados e senadores a partir da expedição do diploma serão realizados mediante aprovação da Mesa Diretora da respectiva Casa Legislativa, exceto nos casos de flagrante delito", diz trecho da proposta de emenda constitucional.
Para tramitar no Congresso, o texto precisa receber 171 assinaturas dos 513 deputados. Segundo Valadares, 55 parlamentares já haviam manifestado apoio à proposta.
O Congresso está em recesso até o início de fevereiro, e o deputado pretende se reunir com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após a retomada das atividades legislativas. A meta de 171 assinaturas deve ser alcançada apenas após a semana de carnaval, avaliam deputados ouvidos pela reportagem.
'Abusos' de operações
Ao Estadão, o autor da proposta afirmou que o texto busca "proteger" o mandato dos parlamentares contra "repetidos abusos cometidos pelo Poder Judiciário". "Temos que frear esse desrespeito com o Parlamento brasileiro, que, por vezes, evidencia perseguição a alguns parlamentares e seus espectros políticos", disse.
A operação da PF que cumpriu diligências em endereços de Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pré-candidato à prefeitura do Rio, resultou em ásperas manifestações do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e do presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Valdemar criticou a operação da PF afirmando que ela tinha como objetivo atingir Bolsonaro e que só seria possível por Pacheco ser "frouxo" e "omisso" ao permitir diligências no Parlamento e por não "agir" para dar seguimento a um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)
O presidente do Senado reagiu de forma enfática. Disse ser "difícil manter algum tipo de diálogo com quem faz da política um exercício único para ampliar e obter ganhos com o fundo eleitoral e não é capaz de organizar minimamente a oposição para aprovar sequer a limitação de decisões monocráticas do STF". Também acusou o dirigente de defender publicamente impeachment de ministro do Supremo "para iludir seus adeptos". Mas, nos bastidores, de "passar pano quando trata do tema."
A troca de mensagens explicitou o clima conflagrado no Legislativo, com uma parcela significativa incomodada e mobilizada contra o que classificam como interferências do Poder Judiciário na autonomia do Congresso.
'Monitoramento'
Ramagem é o principal alvo da Operação Vigilância Aproximada, que investiga o uso ilegal da estrutura da Abin, com participação do "núcleo da alta gestão" da agência, para "monitoramento de alvos e autoridades públicas, bem como para serviço de contrainteligência e criação de relatórios apócrifos que seriam divulgados com o fim de criar narrativas falsas". O deputado nega irregularidades e diz que a investigação é uma "salada de narrativas".
Jordy, por sua vez, é investigado na Operação Lesa Pátria por ter envolvimento com atos antidemocráticos realizados no Rio de Janeiro após a derrota de Bolsonaro na eleição de 2022. Ele nega relação com atos golpistas.
Abin afirma ser a 'maior interessada na apuração dos fatos'
A Agência Brasileira de Inteligência informou em nota divulgada na noite de anteontem que é "a maior interessada na apuração rigorosa dos fatos", se referindo à operação da Polícia Federal que teve como principal alvo o ex-diretor da agência e hoje deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Na nota, a Abin afirma que a atual gestão colabora há dez meses com inquéritos da PF e do Supremo Tribunal Federal sobre "eventuais irregularidades cometidas no período de uso de ferramenta de geolocalização", entre 2019 e 2021.