Direita e esquerda disputam votos em consulta popular sobre anistia do 8/1 nas redes
Enquanto a direita já se mobilizava desde outubro do ano passado e largou em vantagem no placar, a esquerda iniciou a reação nesta terça-feira
Políticos de esquerda e de direita se digladiam nas redes sociais para ter a maioria na consulta popular digital sobre o projeto de lei do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) que tenta conceder anistia os envolvidos nos ataques golpistas do 8 de janeiro.
Enquanto a direita já se mobilizava desde outubro do ano passado e largou em vantagem no placar, a esquerda iniciou a reação nesta terça-feira, 27, poucos dias após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fazer um novo apelo ao perdão em manifestação na Avenida Paulista neste domingo, 25.
No X (antigo Twitter), a pauta mobilizou deputados federais, como Jilmar Tatto (PT-SP), que também é secretário de comunicação do PT, e outros colegas do partido, do PCdoB e do PSOL, todos da base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de influenciadores de esquerda e movimentos como o Sleeping Giants.
Na última atualização, às 15h44 desta terça-feira, o placar tinha 415 mil votos "não" ante 396 mil votos "sim".
Apesar do barulho, o próprio site do Senado esclarece que a votação não tem influência direta no andamento e na aprovação de projetos, que dependem da vontade e do voto dos representantes eleitos. "A votação proporcionada pela consulta pública não vincula votos ou opiniões dos senadores. Ela tem o propósito de sinalizar a opinião do público que participou da consulta, de modo a contribuir com a formação de opinião de cada senador."
O movimento é a primeira reação de volume por parte do governo depois de uma semana em que o grupo teve que entrar na defensiva após as declarações de Lula sobre Israel, quando o presidente comparou a ofensiva do país asiático em Gaza ao Holocausto.
A fala rendeu um pedido de impeachment de mais de 100 assinaturas, na mesma semana em que Bolsonaro agendou e realizou uma grande manifestação em seu favor na Avenida Paulista, no último domingo.
Disputa colocou termo entre os mais comentados no X
O termo "Votem Não" entrou para a lista de assuntos de momento relacionados à política da plataforma X na tarde desta terça, 27, com pouco mais de 13 mil publicações até o início da tarde. Os posts contêm o endereço do site do Senado, que exige login com e-mail ou pela plataforma oficial gov.br para registrar o voto, o que ajuda a evitar que os usuários se manifestem mais de uma vez.
"Atenção para manobra golpista!", escreveu no X a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), suplente em exercício no lugar da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, uma das primeiras a entrar na onda. Ela estimulou a militância alegando que a consulta pública eletrônica é usada pelos parlamentares como uma "ferramenta de pressão" para dar andamento aos projetos Perto das 13h30, comemorou a reversão no placar: "Viramos! Mas vamos seguir aumentando a margem".
Outros associaram o projeto de anistia a um benefício direto a Bolsonaro. "Por causa da anistia 'ampla, geral e irrestrita' para os militares que cometeram atrocidades na ditadura, o Brasil pariu gente da laia dos 'Helenos', 'Bragas Netto' e 'Bolsonaros'", criticou o deputado federal Jorge Solla (PT-BA).
Influenciadores bolsonaristas notaram o movimento da esquerda e fizeram apelo para que o público retomasse as votações. "A esquerda antidemocrática está fazendo campanha hoje pelo voto não. Vote sim e espalhe para os seus grupos", disse uma influenciadora. "Vote sim! Não sei se vai mudar nada, mas irritar esquerdistas é sempre bom", declarou outra conta que se declara anarcocapitalista.
A reportagem encontrou mensagens nos últimos dois dias em grupos de Telegram ligados à organização de caravanas para o ato do último domingo em que é feito o pedido para compartilhar o endereço da votação "ao maior número de brasileiros possível".
Mobilização ocorre desde outubro do ano passado
Não é a primeira vez que uma disputa do tipo toma corpo nas redes sociais. Em outubro do ano passado, quando o projeto foi protocolado por Mourão, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e seu irmão, o deputado estadual Bruno Zambelli (PL-SP), fizeram um post conjunto no Instagram pedindo a participação dos seus seguidores. "Pessoas simples estão tendo suas vidas destruídas em julgamento absurdamente desproporcional."
Mensagens similares podem ser encontradas em grupos bolsonaristas no Telegram desde aquela época, pedindo para que apoiadores manifestassem o voto favorável à proposição de Mourão O movimento cresceu em janeiro e fevereiro deste ano. O placar chegou a mostrar uma vantagem de 50 mil votos a favor da matéria no dia 6 de janeiro, conforme registro obtido no Internet Archive, ferramenta que arquiva páginas por data a pedido dos usuários.
Também em outubro, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) fez um apelo contrário na mesma rede social. "A CPMI do Golpe mal acabou e tem senador pedindo anistia para os golpistas. Vote não na proposta do general Mourão que concede anistia aos acusados e condenados pelos crimes de 8 de janeiro", defendeu o político.
Como mostrou o Estadão, propostas que tratam de anistiar os envolvidos no 8 de Janeiro estão travadas por parlamentares de esquerda.
O projeto de Mourão, por exemplo, está na Comissão de Defesa da Democracia, presidida por Eliziane Gama (PSD-MA), que foi relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, e tem a relatoria do senador Humberto Costa (PT-PE)
Outras proposições que tramitam na Câmara pararam num parecer contrário da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), relatora de seis projetos que tramitam em conjunto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Apesar de estar pronto desde agosto de 2023, o documento não foi submetido à votação pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) para evitar qualquer risco de derrota no colegiado.
Por isso, a oposição planeja esperar ou a renovação das presidências da Câmara e do Senado, em 2025, ou uma derrota na próxima eleição ao Palácio do Planalto, em 2026. O PL já indicou a deputada federal Caroline de Toni (PL-SC) para o comando da CCJ, uma das mais fervorosas bolsonaristas, o que provoca receio na base aliada do governo.