Corregedor do CNJ manda investigar os supersalários do TJ de Rondônia
Ainda de acordo com o Tribunal, os pagamentos haviam sido "devidamente autorizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também pelo Tribunal Pleno Administrativo de Rondônia"
A Corregedoria Nacional de Justiça decidiu apurar o pagamento de salários milionários a juízes e a desembargadores do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) em fevereiro. Como mostrou o Estadão, 46 integrantes da Corte tiveram subsídios de mais de R$ 1 milhão cada, em valores brutos. Dez magistrados receberam R$ 1 milhão líquidos, ou seja, já com os descontos de praxe.
A ordem para investigar os subsídios dos juízes e desembargadores de Rondônia é do ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, que tem se empenhado para corrigir distorções e privilégios em tribunais. A Corregedoria abriu um "pedido de providências" sobre o caso para requerer informações da Corte estadual que divulgou, em nota, que as "vantagens" que elevaram os subsídios de seus magistrados em fevereiro incluem "Adicional por Tempo de Serviço (ATS, o chamado quinquênio), indenização de férias e outros direitos que estavam acumulados".
Ainda de acordo com o Tribunal, os pagamentos haviam sido "devidamente autorizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também pelo Tribunal Pleno Administrativo de Rondônia". O problema é que Conselho Nacional de Justiça, no entanto, ressaltou que o deferimento dos retroativos do ATS está suspenso para todos Tribunais desde o segundo semestre de 2023. O órgão disse não ter achado, em sua base de dados, a autorização do benefício para a Corte estadual de Rondônia.
Em despacho assinado neste domingo (5) o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça ressaltou a suspensão determinada em abril do ano passado, frisando que "não houve, por parte do órgão, autorização de pagamento expressa, e nem mesmo tácita, de Adicional por Tempo de Serviço aos magistrados do Tribunal de Justiça de Rondônia".
O despacho conclui: "Considerando as informações contraditórias e inconsistentes presentes na mencionada nota do TJ-RO, necessária a instauração de pedido de providencias para manifestação e esclarecimentos do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia".
PRAZO
A Corregedoria deu cinco dias à Presidência da Corte estadual prestar informações sobre a "natureza das verbas pagas a título de vantagens eventuais. Ao fundamento normativo que autorizou referido pagamento por parte do Tribunal".
Foi o próprio TJ-RO que em nota encaminhada ao Estadão, após o questionamento sobre os pagamentos milionários em fevereiro, quem revelou a justificativa para os vencimentos dos magistrados da Corte. Nela, o tribunal de Rondônia argumentou que a previsão orçamentária para os pagamentos existe desde 2023, o que possibilitou o desembolso em fevereiro.
O site da Transparência da Corte não especifica a quantia exata que foi paga a cada magistrado a título de ATS ou quaisquer outros pagamentos retroativos. O painel de remunerações do CNJ elenca os pagamentos apenas como "retroativos" com o detalhe de que são "direitos eventuais".
A Corte informou que foi em dezembro de 2022 que o Pleno do TJ-RO julgou procedente o pagamento do Adicional de Tempo de Serviço a "magistrados da ativa, aposentados e pensionistas". Apontara ainda que o ministro Salomão, o corregedor nacional de Justiça, estabelecera a legalidade do pagamento no caso de juízes federais, após o Conselho da Justiça Federal restabelecer o ATS. Segundo a Corte, o CNJ reconhecera o direito de magistrados em receber o penduricalho "como vantagem pessoal'.
Diante do desencontro entre o CNJ e o TJ-RO, a reportagem voltou a questionar o Tribunal de Justiça de Rondônia após a manifestação do CNJ. Até ontem, o tribunal de Rondônia não havia voltado a se manifestar.
Como mostrou o Estadão, três magistrados que receberam, em valores líquidos, os maiores subsídios são: Glauco Antônio Alves (R$ 1,19 milhão líquido), diretor do foro de 2.ª entrância lotado no Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Ouro Preto do Oeste, município com 35 mil habitantes situado a 340 km de Porto Velho; Francisco Borges Ferreira Neto (R$ 1,1 milhão líquido), desembargador da 2.ª Câmara Criminal; e Glodner Luiz Pauletto (R$ 1,09 milhão líquido), da 1.ª Câmara Especial. O desembargador Jorge Luiz dos Santos Leal, da 1.ª Câmara Criminal, recebeu contracheque de R$ 1,64 milhão brutos - com descontos de R$ 589 mil, incluindo "abate teto", seu holerite ficou em R$ 1,054 milhão líquidos.
A série de desembolsos de grande monta, que incluíram "vantagens eventuais", alçou os juízes de Rondônia ao patamar dos mais bem pagos do País entre os tribunais estaduais. Os dados constam da folha de subsídios do TJ-RO.
CONFUSÃO
A confusão em torno da volta dos quinquênios começou após uma decisão de Salomão, de 2023. O pagamento do ATS estava suspenso desde 2006, por decisão do CNJ. Inconformadas, associações de magistrados recorreram à Justiça. Os juízes federais obtiveram uma decisão favorável do CFJ, que foi mantida por Salomão. Seu aval gerou uma reação em cadeia, que não se restringiu ao Judiciário, chegando ao Poder Legislativo.
A decisão do corregedor versava sobre os pagamentos a juízes federais, mas levou outros braços da Justiça a reivindicarem o benefício. A Corte de Rondônia, por exemplo, destacou o fato de o entendimento do corregedor era o de que o pagamento dos quinquênios, retroativamente, "encontrava respaldo em julgados do Supremo Tribunal Federal e que as ações coletivas, portanto, tinham efeito vinculativo".
O bônus entrou na mira do Tribunal de Contas da União, que estimou que o impacto da medida, somente considerando pagamentos a juízes federais - não estaduais como no caso de Rondônia - implicaria em um rombo de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. A Corte de Contas chegou a vetar o desembolso, gerando reação de Salomão em defesa da decisão 'administrativa'.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal e, em dezembro de 2023, o ministro Dias Toffoli derrubou a suspensão dos pagamentos determinada pelo TCU. Ainda caberá a Corte máxima dar a palavra final sobre o caso, mas a discussão sobre o tema foi suspensa por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, em fevereiro. O decano tem até o dia 23 para devolver o processo à pauta do STF.