Desafios do Recife: ações contínuas e que atendam real necessidade da população são necessidades para minimizar déficit habitacional

Reportagem compõe série do Jornal do Commercio sobre os desafios para quem estará à frente da capital pernambucana a partir de 1º de janeiro

Publicado em 06/08/2024 às 23:00 | Atualizado em 30/08/2024 às 9:07

Ao longo de pouco mais de 218 quilômetros quadrados, o Recife impõe historicamente desafios às gestões municipais que, em qualquer grau, mobilizem-se em prol de ações que foquem na necessidade de moradias para a população socioeconomicamente mais vulnerável. Nos próximos quatro anos, a gestão à frente da cidade precisa lidar de forma diferente do habitual em relação à política habitacional.

Os problemas têm se acumulado, desde as áreas de morro, onde residem cerca de 35% da população recifense, até as regiões planas e alagadiças da cidade, onde morar também tem se tornado um desafio a cada inverno. Tem gente no Recife que ainda vive em palafitas, sem um banheiro, em cômodos que são escorados de forma improvisada em pedaços de madeira. Tem gente que sequer tem um teto. A gestão municipal precisará ter um olhar atento para essas questões e, mais do que isso, pragmatismo para evitar que sua população volte a se lamentar por vidas perdidas e condições indignas pela falta do direito de morar.

O Recife tem uma dívida histórica com seus residentes. Os números oficiais do município, defasados desde 2018, expõem um déficit de 71.160 moradias, que se divide entre casas com inadequações, coabitações, regiões de risco e a falta de residências. Não só isso, nos últimos anos, de forma lenta, o Recife tem priorizado a entrega de habitacionais como principal ação para combate ao déficit na cidade - o que revela um descompasso entre a real necessidade e a capacidade de construção e investimentos.

“Existem algumas prioridades importantes como eliminar o risco de deslizamento nos morros de Recife, para evitar mortes, e ampliar a infraestrutura das comunidades, sem excluir as famílias mais pobres. Garantir vida digna, sem expulsar o povo pobre do seu local de moradia é fundamental”, explica a diretora executiva da Habitat Brasil, Socorro Leite.

DIEGO NIGRO/PCR
Terreno onde está os habitacionais do Encanta Moça, com 600 unidades, no Pina - DIEGO NIGRO/PCR

Nos últimos quatro anos, o Recife entregou 1.272 unidades habitacionais nos conjuntos Encanta Moça I e II, Sérgio Loreto e Vila Brasil I e II, nas Zonas Sul e área central da cidade. As entregas são uma boa notícia, mas chegam com atraso de no mínimo uma década. Os projetos entregues foram prometidos ainda em meados do ano de 2010 e, com tamanho lapso temporal, demonstram que focar só em novas habitações, com ritmo lento de novos projetos e entregas, não pode ser a única solução.

Atualmente, o Recife ainda tem outras 331 obras habitacionais que estão em construção no bairro do Monteiro e na comunidade do Pilar. A Prefeitura tem previsão de, ainda este ano, começar as obras de 1.336 unidades pelo Programa Minha Casa Minha Vida FAR, mas as entregas ainda são uma questão em aberto.

ALUGUEL SOCIAL SURGE COMO ALTERNATIVA

Numa cidade do tamanho e da geografia do Recife, com escassez de terrenos e carestia, outras ações também ganham visibilidade para tentar acompanhar minimamente o ritmo do déficit habitacional. Sem uma data precisa, o Centro da da capital pernambucana, atualmente marcado pelo ostracismo dos seus prédios históricos e vazios e a insegurança que afugenta as pessoas das ruas, aguarda a colocação em prática da primeira Parceria Público-Privada (PPP) do Brasil voltada à locação social.

O programa Morar no Centro é apontado por especialistas como uma possibilidade viável de não só ocupar regiões abandonadas na cidade, mas avançar também na redução da deficiência de moradias. Entretanto, questiona-se o porquê de também não investir na adequação e melhoria de habitações já existentes nas comunidades (onde se é possível) e os detalhes fundamentais do projeto, como subsídios e valores a serem cobrados, que ainda seguem em suspense para a população. Mais uma vez colocando em evidência a demora na execução do que deveriam ser medidas urgentes.

Gestado ainda em 2020, com assinatura de contratos para viabilização do projeto em 2021, o programa Morar no Centro é a promessa de ofertar 1.128 unidades habitacionais nos bairros de Santo Antônio, São José, Boa Vista e Cabanga. A iniciativa será voltada para famílias cuja renda seja a partir de um salário mínimo (R$ 1.412,00) até o teto de três e meio salários mínimos. Atendendo público de menor renda, a ideia é conseguir retirar mais famílias de áreas de risco da capital pernambucana, envolvendo-as numa possibilidade de ocupação social no atual degradado Centro da cidade.

Thiago Lucas/ Design SJCC
Habitação no Recife - Thiago Lucas/ Design SJCC


ÁREAS DE RISCO PRECISAM DE AINDA MAIS RECURSOS

As áreas de morro da cidade, bem como aquelas passíveis de enchentes e alagamentos, também são regiões que precisam de celeridade nas ações preventivas. Em quatro anos, as contas da gestão municipal apontam para 10 mil pessoas atendidas através de obras como contenções definitivas de encostas. Mas a tragédia de 2022, que dizimou a vida de dezenas de recifenses após fortes chuvas, acendeu o alerta de que é preciso ainda investir mais e melhor.

Desde 2021, o Recife conseguiu entregar 106 obras de contenção definitiva de encostas, com investimentos da ordem de R$ 118 milhões. Atualmente, há 49 intervenções em execução, que irão garantir, segundo a prefeitura, a proteção direta de mais 9.750 famílias, totalizando cerca de 20 mil pessoas, com aportes da ordem de R$ 130 milhões em quatro anos.

No demonstrativo de execução orçamentária do Recife do ano de 2023, do total de R$ 15.856.278,88 previstos para a secretaria de Habitação, foram empenhados, ou seja, reservados para os gastos e investimentos necessários apenas R$ 5.817.084,90. Na Lei Orçamentária de 2024, a Sehab conta com um orçamento de R$ 56,815 milhões. Para a implementação de projetos habitacionais, a previsão era de R$ 25,025 milhões. Resta acompanhar a implementação desses recursos e cobrar da futura autoridade pública a assertividade em uma política habitacional comprometida em melhorar a vida das pessoas que vivem na cidade.

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