Na segunda cidade mais desigual do Brasil, vereador recebe até R$ 37,8 mil em salários e "penduricalhos"

Em 2024, orçamento do Legislativo é de R$ 237,7 milhões; superior ao de secretarias estratégicas. Escolher bem o vereador é fazer valer seu alto custo

Publicado em 30/08/2024 às 21:19

Em janeiro de 2025, quando os vereadores reeleitos e novatos do Recife ocuparem a Casa de José Mariano, vão receber um salário bruto de R$ 23,4 mil. O valor será pago durante a nova legislatura 2025-2028 e representa um reajuste de 23,4% sobre o subsídio anterior de R$ 18,9 mil. Além dos salários, os vereadores contam com vários auxílios, os chamados "penduricalhos", que podem chegar a mais R$ 14,4 mil, representando um reforço de 60%. Quando reajustaram os próprios salários em abril de 2023, os legisladores argumentaram que a medida era "justa e adequada". 

A legislação permite que os representantes do legislativo municipal aumentem seus salários, o que se questiona é se a entrega que fazem à cidade é compatível com o que custam à população. Para este ano, por exemplo, a Prefeitura do Recife destinou um orçamento de R$ 237,7 milhões ao Poder Legislativo. O valor é superior ao da maioria das secretarias, a exemplo de Direito da Cidadania (R$ 227,3 milhões), Assistência Social (R$ 170,7 milhões), Cultura (R$ 142,5 milhões) e várias outras.   

VEJA O QUE RECEBE UM VEREADOR:

Salário bruto* - R$ 23.428,64

Ticket-alimentação (cartão mensal) - R$ 3.095,86

Auxílio-combustível (cartão mensal): R$ 2.300,00

Verba indenizatória (valor mensal) - até R$ 9.000,00

Salário + benefícios (mensal) - R$ 37.824,50

Orçamento da Câmara dos Vereadores para 2024 - R$ 237.740.000,00

* A partir da próxima legislatura, de 2025 a 2028

 

"Não há uma percepção clara do investimento que significa para a sociedade manter uma câmara ativa e o retorno alcançado. Isso não tem a ver só com a quantidade de recursos, mas sim com a transparência nos gastos e a não participação da população na tomada das decisões. O exercício do papel fiscalizador não é claro, o que alimenta a percepção de que o custo é excessivamente alto. E, sim, poderíamos ter uma máquina mais enxuta e com menos "penduricalhos", defende a cientista política, Priscila Lapa. 

Guga Matos/JC Imagem
Câmara dos Vereadores - Plenário - Plenarinho - Sala das Comissões - Vereadores - Salão Nobre - Sala da Presidência - Fachada Câmara dos Vereadores - Eleições 2024 - Guga Matos/JC Imagem

DESIGUALDADE X MORDOMIA

Não apenas no Legislativo, mas nos três Poderes de maneira geral (seja em âmbito municipal, estadual ou federal) é difícil justificar à população que, além dos altos salários, ainda se distribua benefícios. Despesas que qualquer cidadão precisa tirar do seu ganho mensal. Em julho passado, o Dieese calculou que para comprar a cesta básica com valor de R$ 548,43 no Recife, o trabalhador precisou comprometer 51,66% do salário mínimo líquido.

Enquanto um vereador que recebe um salário bruto (sem os descontos de IR e INSS) atualmente de R$ 18,9 mil, ainda tem direito a ticket-alimentação mensal, com R$ 3.095,86 (mais de dois salários mínimos) em um cartão para usar. Hiistoricamente, desde 1991, Recife está no ranking das cidades mais desiguais do Brasil. Pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS), divulgada em março deste ano, mostrou que a capital pernambucana é a segunda pior no Mapa da Desigualdade entre as capitais do Brasil. 

Na lista de "penduricalhos" ainda está a verba indenizatória, usada para manutenção do gabinete como compra de material, aluguel de imóvel para escritório do parlamentar e outros itens do mandato. O valor mensal é de até R$9.000,00 e o vereador só é reembolsado se
comprovar os gastos por meio de notas fiscais. Mesmo já dispondo dessa verba para custear a atividade do gabinete, o vereador ainda tem direito ao auxílio-combustível no valor mensal de R$ 2,3 mil destinado ao abastecimento de seis veículos por gabinete. 

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Câmara dos Vereadores - Plenário - Plenarinho - Sala das Comissões - Vereadores - Salão Nobre - Sala da Presidência - Fachada Câmara dos Vereadores - Eleições 2024 - Guga Matos/JC Imagem

PRÁTICA BRASILEIRA

O Presidente da Comissão Eleitoral da Ordem dos Advogdos do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), André Coutinho, explica que os reajustes propostos pelos vereadores são previstos em lei e que os "penduricalhos" são uma prática brasileira, que aparecem em todos os Poderes, por meio de gratificações, auxíllios, etc. "É verdade que questiona-se a desigualdade em relação à situação da população, mas esse é um problema nacional", afirma.

Coutinho explica que os reajustes estão de acordo com as disposições da Constituição Federal e da Lei Orgânica do Município, determinando que a fixação do subsídio dos parlamentares só pode ser feita a cada quatro anos e sempre destinada para os quatro anos seguintes, para a próxima legislatura. 

DEMANDAS DA CIDADE 

Como questiona a cientista política Priscila Lapa, o desafio está na transparência, porque não é fácil para a população ter acesso aos dados. O que se sabe é que Recife é uma cidade com muitas demandas e desafios. Segundo o IBGE, no 3º trimestre deste ano, foi a quinta capital com maior taxa de desemprego do Brasil (11%). Em 2023, a situação era ainda mais grave, quando estava em segundo lugar. 

A capital pernambucana também tem um histórico de informalidade, que se agravou após a pandemia da covid-19. Enquanto no Brasil a taxa média é de 38,9%; no Recife chega a 41,4% da população em idade para trabalhar. São 319 mil recifenses vivendo na informalidade, sem qualquer proteção social. 

"AS PESSOAS VIVEM NO MUNICÍPIO"

Quando estiver na urna, no dia 6 de outubro, o eleitor precisa ter escolhido bem seu candidato a vereador para fazer valer o custo mensal de até R$ 37.824,50 por cada um deles. O vereador é o político mais próximo da população. A frase do jurista e político Franco Montoro (1916-1999) resume a importância do representante do Legislativo municipal: “Ninguém vive na União ou no Estado, as pessoas vivem no município”.

Por isso, a falta de uma boa representação na Câmara Municipal, onde são tratados temas relevantes para o desenvolvimento humano na cidade, produz efeitos mais perceptíveis na vida dos cidadãos do que decisões tomadas nas esferas estadual e federal.

O QUE FAZ UM VEREADOR? 

O vereador é a ligação entre o governo municipal e o povo”. Ele deve ouvir o que a população quer, propor e aprovar leis para satisfazer essas necessidades, fiscalizar o poder executivo (prefeito), garantir o bom uso do orçamento público e assegurar que os programas, ações e projetos do governo estejam dentro da lei. Dessa forma, ele tem quatro funções principais: legislativa, iscalizadora, assessoramento ao Poder Executivo e julgadora.

MENOS VAGAS NA CÂMARA DO RECIFE

A legislatura 2025-2028 terá um número menor de cadeiras na Câmara Municipal do Recife, reduzindo de 39 para 37. O advogado André Coutinho esclarece que a redução aconteceu depois da divulgação dos dados do Censo 2022, que constatou uma queda no número de habitantes da capital pernambucana. De 1,5 milhão de habitantes no Censo 2010, a cidade passou para 1,4 milhão de moradores, o que representa uma diminuição de 3,17%. Dos candidatos a vereador do Recife, 65% são homens e 5% mulheres.

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Câmara dos Vereadores - Plenário - Plenarinho - Sala das Comissões - Vereadores - Salão Nobre - Sala da Presidência - Fachada Câmara dos Vereadores - Eleições 2024 - Guga Matos/JC Imagem

RENOVAÇÃO DA CÂMARA E PERFIL POLÍTICO 

Na avaliação da cientista política Priscila Lapa, a expectativa para essas eleições municipais não deve ser de mudanças bruscas. "Eu acredito que não estamos vivendo um cenário eleitoral de ruptura, de mudança, como foi, por exemplo, a eleição estadual de 2022. As pesquisas quanti e qualitativas apresentam um eleitor que deseja entregas concretas, um certo cansaço de um discurso mais ideológico, como é característico dos pleitos municipais. Sendo assim, não acredito em renovação tão expressiva", defende.

Assim como a expectativa é de pouca renovação na Casa de José Mariano, o perfil político dos vereadores também deverá manter uma tendência percebida nos últimos anos. A partir das eleições de 2008 começam a aparecer nomes de candidatos evangélicos no ranking dos três mais votados no Recife. Nomes como Gustavo Krause (1988), Paulo Rubem (1992), Antônio Luiz Neto (1996), Humberto Costa (2000) e Dilson Peixoto (2004) cederam espaço para outros como André Ferreira (2008 e 2014), Michele Michele Collins (2016) e Pastor Júnior Tércio (2020). 

"Essa tendência de crescimento das legendas conservadoras, que se observou nos últimos anos, parece ainda forte, e o Recife é sempre uma mescla entre progressismo e conservadorismo. As legendas mais conservadoras estão bem organizadas para essa disputa e é possível que tenham um bom desempenho, mas não porque o pano de fundo desta eleição seja a pauta conservadora. Ela deve surgir nos debates, deve de alguma forma se fazer presente, mas o foco é muito neste momento o que avançou e o que deixou a desejar na gestão atual", conclui.


 

 

 

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