Na Rádio Jornal, ex-desembargador Francisco Queiroz discute situação das construtoras no Brasil, 10 anos após Lava-Jato

Ex-desembargador e ex-diretor da Faculdade de Direito falou sobre contexto atual para empresas em leilões pelo país e abordou soluções para a questão

Publicado em 14/10/2024 às 21:09

Passados 10 anos do início da Operação Lava-Jato, que alterou rumos políticos e econômicos do país, e envolveu diversas construtoras, o setor ainda vive dificuldade de retornar aos contratos públicos. O tema foi debatido na Rádio Jornal, nesta segunda-feira (14), no programa Passando a Limpo, comandado pelo jornalista Igor Maciel, em entrevista com o ex-desembargador e ex-diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco Queiroz.

Perguntado sobre o “vácuo de construtoras” que segue sem ser preenchido no país, após as punições às empresas envolvidas em esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato, Francisco Queiroz afirmou que vê uma “época difícil” para as obras de infraestrutura no país e discutiu as saídas que vem sendo testadas atualmente, visando a consolidação de uma nova relação entre essas empresas e o poder público.

“É uma época difícil diante de obras de infraestrutura. Seja na parte de energia, transporte rodoviário, ferroviário e outros, sempre se tem duas opções: ou atuar através do setor privado com concessões, ou através do setor público, que atualmente não tem a mínima condição financeira. Basta olhar o nível de endividamento que nós temos e a capacidade de investimento, que é nenhuma. Dessa forma, tenta-se uma redinamização dessas áreas com a reativação de leilões e com algumas modificações no modelo de exploração”, disse.

Analisando o contexto atual, Queiroz citou possibilidades para contratos na área de ferrovias e mencionou leilões do governo federal que acontecem ainda neste ano na área de rodovias.

“Por exemplo, na área das ferrovias, criou-se, inclusive, uma possibilidade legal nova, que é da utilização de meras autorizações nos termos de contratos padrões para essas entidades poderem atuar. Essa é uma das tentativas. Há outra tentativa, especificamente na área das rodovias, com o governo (federal), é a expectativa de sete leilões agora nesse segundo semestre”, destacou.

Sobre o leilão para rodovias federais, Queiroz destacou as BR-163 (Paraná), BR-060 (Goiás – rota verde), como principais focos das empresas.

O ex-desembargador lembrou que outros leilões ainda estão dependendo de aprovação pelo Tribunal de Contas da União (TCU), enfatizando que esta é “outra questão séria” para as concessões atualmente, mencionando a “lentidão e a ineficiência dos reguladores”.

“Por exemplo, temos inúmeras situações onde o exame dos projetos sobre a ótica ambiental demora demais. Um exemplo simples, que não é bem de concessão, é a da exploração econômica da Calha Norte do Rio Amazonas. Até hoje o Ibama não terminou de examinar. E terminará de examinar quando? Quando o petróleo não for mais economicamente interessante?”, disse.

Questionado se as empresas envolvidas na Lava-Jato podem voltar a trabalhar em conjunto com o poder público, Queiroz disse que acredita no retorno do setor e mencionou as modificações que estão acontecendo atualmente.

“Penso que essas empresas, o acervo delas, não desapareceu. Ele está sendo repaginado, tendo modificações de denominação como pessoa jurídica e voltando ao mercado. Eu vi uma vez um parlamentar amigo meu dizendo ‘absurdo, a Lava Jato foi responsável por um grande problema na economia brasileira, com os prejuízos que causou as empresas’. Se for assim, os grandes fraudadores, as grandes entidades mafiosas, não deveriam ser punidas, porque elas mexem com a economia. Acho que deveriam ser punidas, sim. Eu acho que até se atenuou muito recentemente, em termos de encontrar vícios que, no meu entender, não existiam, em acordo de leniência. Então está, digamos, de certo modo, botando um ‘paninho morno’ em atuações dessas empresas, mas deveriam ser punidas”, afirmou.

Queiroz complementou, destacando que “se há atividade rentável, as empresas surgirão”, mas enfatizou as dificuldades financeiras do governo para atrair as empresas.

“Agora, o problema é que no momento atual, como as disponibilidades financeiras do governo são poucas, digamos, os atrativos para essas concessões são poucas. Tanto é assim, que o governo está propondo agora, com base numa alteração legislativa, a renovação dos contratos de distribuição de energia elétrica”, analisou.

Outro aspecto observado por Queiroz é a influência das empresas nas decisões políticas. Para o ex-desembargador, o Brasil deveria ter um tribunal de contas “técnico e não politizado”, além de adotar medidas similares ao modelo aplicado pelos Estados Unidos, como o reforço de mecanismos de fiscalização social sobre a atuação dos reguladores.

“Sai governo, entra governo e as influências continuam as mesmas. A capacidade de influência dessas empresas é muito grande. Nós teríamos que ter um tribunal de contas técnico em exemplo, não politizado, que não acontece, nem hoje nem ontem e nem será amanhã. Nós teríamos que ter os reguladores agindo tecnicamente. Mas isso só se faz com o reforço de algo que no modelo americano tem muito: mecanismos de fiscalização social sobre a atuação dos reguladores”, analisou.

“Sem uma fiscalização social eficiente, evidentemente que o poder de pressão dessas entidades vai ser muito grande. Então assim, será que nosso poder público vai ter um instrumental adequado para, sem influências outras dos subterrâneos, fazer com que essas entidades atuem adequadamente? Se o poder público não tem capacidade mais por exemplo”, complementou.

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