Apoio da sociedade leva mulheres pernambucanas a se afirmar também no judiciário
O que teria provocado tamanha revolução? Ingrid Zanella e a cientista política Priscila Lapa acham que o desejo de lutar pela inclusão social
A semana que se encerra foi um marco na conquista das mulheres por mais espaço nos poderes constituídos. Desta feita, no judiciário. Duas semanas depois que, por força da paridade de gênero, duas mulheres foram nomeadas desembargadoras do Tribunal de Justiça, a advogada Ingrid Zanella foi eleita presidente estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, a primeira mulher a ocupar o posto nos 92 anos de existência da entidade no Estado.
Nesta mesma semana, o Ministério Público entregava ao TJ a lista sêxtupla para escolha do futuro desembargador(a) contendo nomes de quatro mulheres e dois homens e a OAB também entregaria sua lista sêxtupla com 3 homens e 3 mulheres, escolhidos pelo voto dos 42 mil advogados estaduais.
Se havia alguma dúvida sobre o desejo da sociedade de escolher mulheres para compor um tribunal que tem 202 anos e até o mês passado contava com apenas duas mulheres entre os 52 desembargadores, na lista da OAB só um dos três candidatos homens teve votos equivalentes às mulheres. Se fosse pelo voto, a lista sêxtupla da Ordem teria cinco mulheres e um homem mas como a paridade de gênero foi estabelecida pela entidade antes da votação, os homens acabaram se beneficiando da cota que, neste caso, teve efeito inverso, o que mostra que eles também têm a ganhar com ela.
Ruptura começou em 2022
O que teria provocado tamanha revolução em entidades tão antigas? A advogada Ingrid Zanella e a cientista política Priscila Lapa acham que o desejo da sociedade de lutar pela inclusão social está impulsionando movimentos neste sentido.“As mulheres estão em busca de se ver representadas nos espaços de poder e estão conseguindo o apoio para isso. No caso da OAB a paridade de gênero e raça na escolha da lista sêxtupla para ocupação da vaga no TJ veio do convencimento de que toda sociedade estava desejando isso” – diz Ingrid.
Priscila Lapa entende que a conquista de uma maior representatividade feminina na sociedade pernambucana passou por um momento de ruptura em 2022 com efeito em todos os poderes. Ela se deu, segundo ela, com a eleição de três mulheres para governadora, vice e senadora.
“Havia no estado naquele ano um sentimento de mudança muito forte que provocou uma quebra da cultura política e se expressou de maneira tal que duas mulheres chegaram ao segundo turno – Raquel e Marília – e se elegeu a chapa exclusivamente feminina para o Governo e Teresa Leitão foi eleita senadora mesmo estando no lado do PSB, o grupo político que acabou derrotado”.
Mesmo petista Teresa era a mudança
Teresa conseguiu chegar lá, segundo Priscila, “por seus próprios méritos, mas também por ser mulher, o que era mudança, e talvez até por ser uma pessoa de mais idade e mais experiente”. Além disso, Teresa é do PT, um partido que na época, de certa forma, enfrentou o PSB com a militância apoiando Marília para governadora. Conversando recentemente com um estudioso no assunto, Teresa admitiu que se sentiu um ponto fora da curva “ todas as chapas tinham mulheres, algumas com idade de serem minhas filhas. Foi uma candidatura renovada a minha que enfrentou com êxito os padrões mais conservadores de uma juventude simplesmente etária”.
Priscila Lapa diz que Raquel Lyra e Priscila Krause, apesar de mais jovens, conseguiram pela história que construíram e pela forma como se apresentaram, transmitir confiança aos eleitores, e estes, desejosos de mudança ampla, apostaram nelas. Esta época passou ou veio para ficar? Priscila diz que veio para ficar – “ foi dado o input (entrada), agora aguardamos o output(saída)” . Ela acha que as mudanças estão acontecendo mas, para sacramentá-las como norma, vai ser necessário que os principais núcleos do poder também mudem suas práticas.
Paridade só com mudanças mais profundas
Ela preconiza uma necessidade de reestruturação dos comandos dos partidos políticos para que as mulheres continuem aumentando sua representatividade no poder legislativo e no executivo “ Se só os homens comandam tudo nos partidos a sociedade não vai ter opção para apostar mais nas mulheres pois elas sequer terão chance de concorrer em igualdade com os homens”.
Isso explicaria no seu entendimento o fato de Pernambuco só contar com 6 mulheres na Assembléia Legislativa ( já teve 10 mulheres) e só três das 25 vagas de deputados federais estarem em mãos femininas.
Já o Poder Judiciário, que ficou por mais de 200 anos em mãos masculinas, está sendo instado a mudar de fora para dentro. Em 2023, o Conselho Nacional de Justiça baixou resolução determinando que as vagas de desembargadores nos Tribunais de Justiça passassem a ser preenchidas obedecendo à paridade de gênero. Foi isso que levou duas juízas a serem eleitas desembargadoras este mês.
O TJ aumentou o número de desembargadores para 58 (mais seis vagas) e dessas 2 foram destinadas a mulheres – as demais obedeceram a promoções por antiguidade e, por óbvio, só havia homens para promover.
A partir de agora, no entanto, cada vaga que surgir terá que ser destinada, por rodizio, a mulheres ou homens. Isso sem contar que as vagas dos quinto constitucionais continuarão contando com igual participação de homens e mulheres. Um passo foi dado mas ainda há muitos outros pela frente.