Em entrevista, cientista político Antonio Lavareda afirma que EUA é responsável por evitar golpe em 2022 no Brasil
Ao UOL, Antonio Lavareda citou encontro entre chefes militares dos dois países como determinante para ilustrar posição dos EUA sobre eventual golpe
Em entrevista ao UOL, no último domingo (8), o cientista político Antonio Lavareda afirmou que a posição do governo dos Estados Unidos foi determinante para frustrar os planos de golpe de estado que visava manter Jair Bolsonaro (PL) no poder em 2022.
De acordo com o analista, a presença de enviados pelo presidente Joe Biden, que se reuniram com chefes das Forças Armadas brasileiras, à época, deixaram a mensagem de que os Estados Unidos não apoiariam uma ruptura institucional no Brasil.
Ao UOL, Lavareda enfatizou que os comandantes brasileiros não podem levar crédito pelo ocorrido, destacando que as investigações, reveladas pela Polícia Federal (PF), mostram que os militares tinham conhecimento prévio do plano e não denunciaram.
Ainda na entrevista ao UOL, Lavareda cita um encontro, em junho de 2022, que reuniu Lloyd Austin, secretário de Defesa dos Estados Unidos, a general Laura Jane Richardson, chefe do Comando Sul do Exército dos EUA, e o general brasileiro Paulo Sérgio de Oliveira, então ministro da Defesa e ex-comandante do Exército. O compromisso aconteceu dias após a reunião com embaixadores convocada por Bolsonaro, em que ele questionou, sem provas, a integridade do processo eleitoral brasileiro.
“Foram essas reuniões, também motivadas pela bancada democrata do Congresso norteamericano, que despertaram uma análise de custos e benefícios de uma eventual iniciativa nessa direção [golpista]. Lloyd Austin e Laura Jane deixaram claro que seriam rompidos os acordos militares e que haveria um afastamento do governo norte-americano do país que emergiria dessa ruptura institucional”, disse.
Ilustrando a reunião entre os chefes militares dos dois países, Lavareda destacou uma “ligação histórica” entre as Forças Armadas de Brasil e EUA, lembrando, inclusive, do golpe militar de 1964, apoiado pelos norte-americanos.
“O Exército brasileiro tem uma ligação histórica com o dos Estados Unidos, aprofundada sobretudo a partir da Segunda Guerra, um grande número de tratados, apoio, manobras militares e treinamentos conjuntos. Além disso, os EUA são a principal potência do ponto de vista ocidental e do chamado mundo democrático. O golpe de 1964 teve o apoio norte-americano como uma coisa fundamental”, analisou.
“No entanto, os motivos que levaram os chefes militares a adotar uma função legalista é menos importante do que o comportamento que eles tiveram. Se foi uma lógica cautelar ou um pouco de convicção, não importa. É importante valorizar a postura legalista”, comentou.
Lavareda complementou, enfatizando uma presença de “impacto dissuasório” da general Laura Jane, a mando de Joe Biden.
“Para sintetizar a minha posição, se a gente precisar construir um monumento de homenagem a um herói da resistência, que evitou o golpe, vai ser uma heroína, a general Laura Jane. Foi a presença dela aqui, a mando de Joe Biden, que de fato teve impacto dissuasório”, completou.
Os generais Freire Gomes e Valério Strumpf Trindade foram atacados nas redes sociais por parte de seus pares e militantes bolsonaristas, por terem se oposto ao plano de golpe de Estado em 2022. Mas, para Lavareda, eles não foram "heróis".
“Essa coisa de heroísmo, de convicções democráticas, acho que os fatos tendem a desmentir. Eles tinham a obrigação de ter denunciado. Se houve uma proposta que era de um comportamento ilegal, eles tinham que ter denunciado.”
“A explicação dada foi que eles silenciaram para não terem de se afastar dos cargos e serem substituídos, e o Bolsonaro, então, ter êxito. Mas isso resiste como argumento até o dia 31 de dezembro. E no novo governo? Por que não denunciaram isso? E depois do 8 de Janeiro? Em suma, por que só denunciaram depois da delação do Mauro Cid? O depoimento do Mauro Cid foi o deflagrador das convicções democráticas?”
Lavareda enfatizou os possíveis crimes cometidos pelos militares, de acordo com os fatos revelados na investigação da Polícia Federal.
“Há dois possíveis crimes: o de prevaricação e o de condescendência criminosa —é o crime do agente público que deixa de responsabilizar subordinados que cometeram infrações. Alguns poucos podem ser punidos, ao final. Mas, mesmo sendo poucos, será de uma importância histórica, de exemplaridade.”
Na avaliação do pesquisador, em entrevista ao UOL, esse episódio não teria acontecido se Donald Trump estivesse na Casa Branca em 2022.
“Trump provavelmente não mandaria [essa comitiva para o Brasil]. Trump era, é aliado do Bolsonaro. Ele não mandaria ninguém aqui se manifestar contra eventuais rupturas institucionais se elas fossem comandadas pelo Bolsonaro.”
"[Se houver um novo risco golpista], não haverá manifestação do governo dos EUA, não se for patrocinado por qualquer setor ligado a Bolsonaro. Ou seja, você tem um risco aí o tempo todo. A partir de agora, temos um risco.”