Braga Netto é preso por tentar atrapalhar investigação
A investigação aponta que Braga Netto fez contato por telefone com o general Mauro Cesar Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid
A Polícia Federal (PF) prendeu, na manhã deste sábado o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL) em 2022. O militar foi preso em sua residência, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, sob a acusação de obstrução da Justiça no âmbito do inquérito que apura tentativa de golpe de Estado. A prisão preventiva foi solicitada pela PF - "para evitar a reiteração das ações ilícitas" - e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Braga Netto - apontado pela PF como uma figura central na tentativa de golpe - é o primeiro general quatro estrelas preso na era democrática do País.
A operação contou com o apoio do Exército.
O general ficará sob custódia no Comando da 1.ª Divisão do Exército, na Vila Militar de Deodoro, zona oeste do Rio. De 2016 a 2019, Braga Netto foi chefe do Comando Militar do Leste.
Na semana, por meio de advogados, Braga Netto voltou a negar participação em um plano de ruptura institucional. Sua defesa disse em comunicado que ele "não tomou conhecimento de qualquer documento relacionado a um suposto golpe, nem do planejamento de assassinato de alguém".
Ao ordenar a prisão do general, Moraes afirmou que existem "fortes indícios" de que Braga Netto tenha contribuído de forma mais efetiva e de maior importância do que se sabia inicialmente para o planejamento e financiamento da tentativa de golpe que visava manter Bolsonaro no poder após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial de 2022.
Ao se manifestar a favor da prisão, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou ver "risco concreto" ao inquérito se o general fosse mantido em liberdade.
No pedido de prisão de Braga Netto, a PF indicou que ele teria financiado a ação dos oficiais das Forças Especiais do Exército, conhecidos como "kids pretos", com o objetivo de assassinar autoridades da República.
Segundo os federais, o general teria entregue recursos aos golpistas dentro de uma sacola de vinho.
A informação foi repassada pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, durante sua delação premiada.
DELAÇÃO DE MAURO CID
Outra suspeita da PF é a de que o ex-ministro tenha agido para atrapalhar as investigações. Segundo a Polícia Federal, o general tentou obter informações sigilosas sobre a delação de Mauro Cid, além de alinhar versões com outros investigados. Mauro Cid implicou Braga Netto em sua colaboração premiada.
A delação estava sob ameaça de rescisão, até que o tenente-coronel mudou de estratégia e resolveu entregar o ex-ministro, em depoimento prestado diretamente a Moraes. Mauro Cid admitiu que "não só ele (Braga Netto) como outros intermediários tentaram saber" o que ele disse na delação.
A investigação aponta que Braga Netto fez contato por telefone com o general Mauro Cesar Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid, para controlar o que seria repassado aos investigadores e manter aliados informados.
A PF também encontrou um documento com perguntas e respostas sobre a delação de Mauro Cid na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor de Braga Netto, na sede do Partido Liberal (PL).
Peregrino também foi alvo de buscas no sábado. Ele é considerado um homem de confiança de Braga Netto.
A PF vasculhou sua residência, além de proibir o militar de manter contato com outros investigados.
"Ressalte-se, inclusive, que a Polícia Federal apontou que o novo depoimento prestado por MAURO CÉSAR BARBOSA CID apresentou elementos que permitem caracterizar a existência de conduta dolosa de WALTER SOUZA BRAGA NETTO no sentido de impedir ou embaraçar as investigações em curso", afirma o despacho assinado por Moraes, com data de 10 de dezembro.
Segundo o documento, o general atuou "dolosamente para impedir a total elucidação dos fatos, notadamente por meio de atuação concreta para a obtenção de dados fornecidos" por Mauro Cid em sua colaboração premiada. "Com o objetivo de controlar as informações fornecidas, alterar a realidade dos fatos apurados, além de consolidar o alinhamento de versões entre os investigados."
Braga Netto é um dos 40 indiciados pela PF por golpe de Estado, organização criminosa e abolição violenta do estado democrático de direito. O ex-ministro foi citado 98 vezes no relatório final do inquérito e apontado como "figura central" do plano golpista
OPERAÇÃO DA PF NO SÁBADO
A operação da PF estava prevista para ocorrer na quinta-feira passada, mas o general estava em viagem de férias a Alagoas com a família, com retorno agendado para o final da tarde. A PF optou por efetuar a prisão no sábado, quando ele já havia retornado ao seu apartamento no Rio.
Todos os mandados contra suspeitos de dificultar a produção de provas durante a instrução processual penal foram cumpridos no Rio de Janeiro e em Brasília, informou a PF.
O juiz Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, auxiliar no gabinete de Moraes no Supremo, manteve a prisão preventiva de Braga Netto após ouvi-lo na audiência de custódia na tarde do sábado, por videoconferência.
A audiência de custódia é um procedimento padrão. Ela serve para o juiz avaliar a legalidade do cumprimento do mandado de prisão. São analisados aspectos como o tratamento dispensado ao preso. A prisão preventiva não tem prazo para terminar.
Braga Netto é um dos personagens mais mencionados no relatório de 884 páginas da Operação Contragolpe, sendo citado 98 vezes. A operação resultou no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros 39 acusados por três crimes: tentativa de abolição do estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa.
ATOS E POSICIONAMENTOS DE BRAGA NETTO
Durante o governo Bolsonaro, Braga Netto acumulou um histórico de atos e posicionamentos antidemocráticos. Ele fez ameaças e condicionou as eleições de 2022 ao voto impresso e celebrou o golpe militar de 1964, que seria, segundo ele, um "marco histórico da evolução política brasileira".
O general de quatro estrelas foi ministro da Casa Civil em 2020, período em que foi responsável por coordenar a resposta do governo Bolsonaro à pandemia de covid-19.
Em 2021, assumiu o Ministério da Defesa. Filiou-se ao partido de Bolsonaro, o PL, em um ato privado, fechado ao público, em março de 2022. Ele também comandou a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018.
Em julho de 2021, Braga Netto, então ministro da Defesa, condicionou a realização das eleições de 2022 ao voto impresso. O recado, repassado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi revelado pelo Estadão.
No dia 29 de setembro de 2021, o procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu apuração preliminar contra Braga Netto pelas ameaças às eleições. A proposta pela adoção do voto impresso foi derrubada pelo Congresso.
Mensagens obtidas pela PF mostram que Braga Netto incitou a tentativa de golpe e ordenou ataques contra o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes.
Defesa de general nega 'qualquer obstrução das investigações'
A defesa do general da reserva Walter Braga Netto afirmou neste sábado que vai comprovar que ele não atuou para atrapalhar as investigações da Polícia Federal.
"Registra-se que a defesa se manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos que ensejaram a decisão proferida. Entretanto, com a crença na observância do devido processo legal, teremos a oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução das investigações", diz a nota assinada pelos advogados Luís Henrique César Prata, Gabriella Leonel Venâncio e Francisco Eslei de Lima.
A defesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, alvo de um mandado de busca e apreensão na operação da Polícia Federal, não foi localizada.