Comissão da Verdade de Pernambuco desmentiu falsas versões dos militares sobre vítimas da ditadura

Militares disseram que Anatália de Melo Alves pediu para ir no banheiro e cometeu suicídio, mas Comissão da Verdade provou que ela foi esganada

Publicado em 25/01/2025 às 16:55 | Atualizado em 26/01/2025 às 9:21
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Pernambuco foi um dos 12 Estados do País a ter sua Comissão da Verdade, ao lado do projeto nacional. Instituída em janeiro de 2012, a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara foi criada por iniciativa do então governador Eduardo Campos para investigar violações dos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar. Ao longo de quatro anos, o grupo produziu um incansável trabalho de investigação, refutando versões falsas do regime e entregando a verdade às famílias das vítimas. 

Em 2017, a Comissão apresentou o resultado do trabalho: dois volumes somando 847 páginas. Formada por nove membros, a Comissão realizou 90 sessões, ouviu mais de 157 depoimentos, além de garimpar e organizar 70 mil documentos. A investigação traz informações sobre 51 mortos e desaparecidos durante a ditadura.

"A Comissão não teve a função de investigação policial nem judicial. Era um levantamento da memória e da verdade sem consequências penais. Era limitada a examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas contra qualquer pessoa no território de Pernambuco ou contra pernambucanos dentro e fora do Estado", explica o advogado Humberto Vieira de Melo, que foi relator da Comissão. 

Junior Souza
Bolsa de Anatália de Melo Alves está exposta no Memorial. Militares quiseram dizer que ela cometeu suicídio, mas foi morta pelo regime - Junior Souza

TORTURA NO ESTADO

O trabalho da Comissão mostrou a brutalidade do regime ditatorial no Estado. O segundo volume do relatório traz as histórias de cada um dos mortos e desaparecidos políticos. "Os depoimentos e relatos de torturas são tão terríveis que até hoje minha cabeça pira", declara o representante da Comissão.

Graças às investigações da Comissão foi possível desmentir versões dos militares e entregar às famílias das vítimas ao menos a verdade e a possibilidade de ter uma certidão de óbito com o real motivo da morte, embora em muitos casos os corpos não tenham sido encontrados. 

"Teve o caso de uma moça (Anatália de Melo Alves), que o regime afirmava que ela suicidou-se. Fizemos um levantamento histórico, conseguimos o laudo de um novo perito e ficou comprovado que era impossível a hipótese de suicídio, diante das evidências. Na verdade, ela foi esganada", enfatiza Vieira de Melo. A investigação também constatou que, além de ser estrangulada, ela sofreu violência sexual e teve as partes íntimas do corpo queimadas para 'disfarçar' os sinais de estupro. 

Na versão dos militares, ela teria pedido para ir ao banheiro e usado a correia da bolsa para se enforcar. A bolsa de Anatália está exposta no Memorial da Democracia de Pernambuco Fernando de Vasconcelos Coelho, no Sítio Trindade, em Casa Amarela, que guarda todo o acervo digitalizado da Comissão (disponível para pesquisa) e tem o nome do presidente da Comissão.  

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Memorial da Democracia foi inaugurado em 2022, no Sítio Trindade, em Casa Amarela - Junior Souza/JC Imagem

A Prefeitura do Recife cedeu o espaço por 30 anos para abrigar o Memorial. O conteúdo histórico está distribuído em cinco salas do casarão. A sala 5 é dedicada à memória dos que combateram a ditadura militar, aos que foram mortos ou desapareceram durante o regime de exceção. No local estão imagens de flagrantes de repressão, de manifestações de rua e paredes com fotos e nomes que fazem referência aos 51 mortos e desaparecidos políticos em Pernambuco ou de pernambucanos vítimas do regime militar fora do Estado. 

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Memorial da Democracia de Pernambuco guarda acervo da Comissão da Verdade, com informações sobre vítimas da ditadura militar. Lilia Gondim é uma das guardiãs do espaço - Junior Souza/JC Imagem

"Desde a inauguração, em 2022, já contabilizamos mais de 10 mil visitas. A maioria são estudantes das 13 escolas que estão na vizinhança do Memorial", conta a repressentante do conselho deliberativo, Lilia Gondim. Ela também foi assessora da Comissão da Verdade e é ex-presa política. 

Dentre os projetos para o equipamento está a ampliação e climatização do espaço. Vinculado à Secretaria Estadual da Justiça, o Memorial também precisa ser institucionalizado, por meio da criação de uma diretoria e de orçamento próprio.  

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