Comissão da Verdade de Pernambuco desmentiu falsas versões dos militares sobre vítimas da ditadura
Militares disseram que Anatália de Melo Alves pediu para ir no banheiro e cometeu suicídio, mas Comissão da Verdade provou que ela foi esganada

Pernambuco foi um dos 12 Estados do País a ter sua Comissão da Verdade, ao lado do projeto nacional. Instituída em janeiro de 2012, a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara foi criada por iniciativa do então governador Eduardo Campos para investigar violações dos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar. Ao longo de quatro anos, o grupo produziu um incansável trabalho de investigação, refutando versões falsas do regime e entregando a verdade às famílias das vítimas.
Em 2017, a Comissão apresentou o resultado do trabalho: dois volumes somando 847 páginas. Formada por nove membros, a Comissão realizou 90 sessões, ouviu mais de 157 depoimentos, além de garimpar e organizar 70 mil documentos. A investigação traz informações sobre 51 mortos e desaparecidos durante a ditadura.
"A Comissão não teve a função de investigação policial nem judicial. Era um levantamento da memória e da verdade sem consequências penais. Era limitada a examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas contra qualquer pessoa no território de Pernambuco ou contra pernambucanos dentro e fora do Estado", explica o advogado Humberto Vieira de Melo, que foi relator da Comissão.
TORTURA NO ESTADO
O trabalho da Comissão mostrou a brutalidade do regime ditatorial no Estado. O segundo volume do relatório traz as histórias de cada um dos mortos e desaparecidos políticos. "Os depoimentos e relatos de torturas são tão terríveis que até hoje minha cabeça pira", declara o representante da Comissão.
Graças às investigações da Comissão foi possível desmentir versões dos militares e entregar às famílias das vítimas ao menos a verdade e a possibilidade de ter uma certidão de óbito com o real motivo da morte, embora em muitos casos os corpos não tenham sido encontrados.
"Teve o caso de uma moça (Anatália de Melo Alves), que o regime afirmava que ela suicidou-se. Fizemos um levantamento histórico, conseguimos o laudo de um novo perito e ficou comprovado que era impossível a hipótese de suicídio, diante das evidências. Na verdade, ela foi esganada", enfatiza Vieira de Melo. A investigação também constatou que, além de ser estrangulada, ela sofreu violência sexual e teve as partes íntimas do corpo queimadas para 'disfarçar' os sinais de estupro.
Na versão dos militares, ela teria pedido para ir ao banheiro e usado a correia da bolsa para se enforcar. A bolsa de Anatália está exposta no Memorial da Democracia de Pernambuco Fernando de Vasconcelos Coelho, no Sítio Trindade, em Casa Amarela, que guarda todo o acervo digitalizado da Comissão (disponível para pesquisa) e tem o nome do presidente da Comissão.
A Prefeitura do Recife cedeu o espaço por 30 anos para abrigar o Memorial. O conteúdo histórico está distribuído em cinco salas do casarão. A sala 5 é dedicada à memória dos que combateram a ditadura militar, aos que foram mortos ou desapareceram durante o regime de exceção. No local estão imagens de flagrantes de repressão, de manifestações de rua e paredes com fotos e nomes que fazem referência aos 51 mortos e desaparecidos políticos em Pernambuco ou de pernambucanos vítimas do regime militar fora do Estado.
"Desde a inauguração, em 2022, já contabilizamos mais de 10 mil visitas. A maioria são estudantes das 13 escolas que estão na vizinhança do Memorial", conta a repressentante do conselho deliberativo, Lilia Gondim. Ela também foi assessora da Comissão da Verdade e é ex-presa política.
Dentre os projetos para o equipamento está a ampliação e climatização do espaço. Vinculado à Secretaria Estadual da Justiça, o Memorial também precisa ser institucionalizado, por meio da criação de uma diretoria e de orçamento próprio.