Governo federal suspende contrato com ONG por suspeita de irregularidades na distribuição de quentinhas em Pernambuco

Investigação aponta inconsistências em dados de beneficiários atendidos por ONG que integra o programa federal Cozinha Solidária

Publicado em 14/02/2025 às 11:39 | Atualizado em 14/02/2025 às 22:54
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O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) suspendeu o contrato com uma ONG pernambucana após o jornal O Globo apontar supostas irregularidades no serviço de distribuição de marmitas que a entidade oferece em colaboração com o governo federal. 

A organização não-governamental é a Associação da Juventude Camponesa Nordestina Terra Livre, que tem como vice-presidente Ana Lúcia Gusmão Brindeiro, assessora da deputada estadual Rosa Amorim (PT).

A ONG firmou contrato de R$3 milhões no âmbito do programa Cozinha Solidária, do Ministério do Desenvolvimento Social, para fazer a distribuição de refeições a pessoas em situação de vulnerabilidade social em Pernambuco.

Segundo O Globo, a organização informou dados de beneficiários incoerentes na prestação de contas ao MDS, incluindo CPFs inconsistentes ou pertencentes a pessoas diferentes das apresentadas na relação.

Com a denúncia, o ministério suspendeu o termo de colaboração com a entidade e acionou a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal (PF) para investigar o caso.

O que dizem as partes

Ao O Globo, o MDS afirmou que, caso sejam constatadas irregularidades “quanto ao cumprimento do objeto pactuado e quanto à boa e regular utilização dos recursos públicos”, poderá solicitar a devolução de recursos à União.

“O MDS reitera que, constatada qualquer irregularidade quanto ao cumprimento do objeto pactuado e quanto à boa e regular utilização dos recursos públicos, as devidas medidas saneadoras serão adotadas, o que pode incluir glosa e pedido de devolução de recursos à União, bem como inabilitação das cozinhas junto ao programa”, diz a pasta.

Em nota ao veículo, a associação Terra Livre disse “que está disposta a investigar qualquer suspeita de irregularidade". O presidente da ONG pernambucana, Sandreildo José dos Santos, disse ao jornal que pode ter ocorrido erro no preenchimento da lista de prestação de contas.

“Nós temos alguns problemas. Essas cozinhas trabalham com povo de rua, muita dificuldade com documento. Mas se tiver indícios de ingerência, a gente vê”, disse Santos.

Procurada pelo JC, a assessoria da deputada Rosa Amorim afirmou que não há impeditivos para que a assessora Ana Lúcia Gusmão Brindeiro ocupe o cargo de vice-presidente da associação Terra Livre, mas ressaltou que “seu trabalho como assessora parlamentar não se relaciona com a função que a mesma executa na associação”.

Apesar disso, a assessoria da deputada disse que está acompanhando caso:

“Desde o momento em que tomamos conhecimento da situação, estamos apurando os fatos e esperamos que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) aprofunde o processo de averiguação e corrija as eventuais falhas para que o mais importante, que são as ações de combate à fome, continuem sendo executadas e beneficiando as famílias em situação de vulnerabilidade social.”

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Inconsistências nos dados da prestação de contas

Segundo a apuração do O Globo, dos 400 nomes presentes na prestação de contas da ONG, ao menos 150 estão com CPFs inconsistentes. A lista foi preenchida por outra ONG, a Uma Gota de Esperança, subcontratada pela associação Terra Livre para entregar quentinhas no município de Paulista, no Grande Recife.

Questionada pelo jornal, a responsável pela Uma Gota de Esperança, Thais de Moraes Wanderley, afirmou que as pessoas atendidas pela entidade podem informar dados errados ao preencherem as informações no momento de pegar a comida.

“As pessoas, quando vêm buscar a comida, elas assinam, colocam o CPF e a data. Acredito que esteja acontecido isso. Elas dão "de cor" e devem informar qualquer número de CPF. Até eu estou abismada agora — disse Thais ao jornal.

Uma das inconsistências verificadas pelo O Globo é a relação incorreta entre nomes e CPFs presentes na lista, que foi preenchida à mão pela entidade. Há ao menos seis casos do tipo. Um deles é o da beneficiária Jorgiana de Paula Wanderley Gomes, que segundo Thais é prima de seu marido. Na lista, o CPF de Jorgiana é atribuído a outra pessoa: Erika da Silva. Questionada sobre a inconsistência, a presidente da ONG não respondeu ao veículo.

O Globo também procurou Jorgiana, que afirmou nunca ter recebido quentinhas de programas do governo e que, ao consultar Thais, descobriu que o registro de seus dados na lista se referem a uma "cesta solidária" recebida da ONG. O jornal afirma que o fornecimento de cestas básicas não integra o programa Cozinha Solidária.

ONG de São Paulo também tem inconsistências 

Além do caso de Pernambuco, O Globo também identificou suspeitas de irregularidades envolvendo outra ONG ligada ao programa do governo federal, a Associação Movimento Organizacional Vencer, Educar e Realizar (Mover Helipa), contratada para fornecer alimentos na periferia de São Paulo.

O jornal afirma que visitou endereços destinados à produção e distribuição de alimentos, informados pela entidade ao governo federal, mas não encontrou sinais de produção ou distribuição de alimentos. O Ministério do Desenvolvimento Social também suspendeu o contrato com a Mover Helipa, para investigar o caso.

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