Perdas e ganhos de Bárbara Paz, equilibrada aos 40

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 03/11/2014 às 20:30
Bárbara Paz/Foto: Divulgação/TV Globo
Bárbara Paz/Foto: Divulgação/TV Globo

Bárbara Paz pintou na TV como rosto desconhecido e meio escondido pelos cabelos avolumados, longos, loiros e cacheados, na Casa dos artistas, o reality show de Sílvio Santos, da qual saiu campeã, em 2001. Fez, na sequência, novelas de baixa repercussão no SBT e sumiu para o grande público, confinada no teatro para resgatar a credibilidade como atriz de palco. Em 2009 apareceu na faixa global das nove respirando a vida de uma alcoólatra, em Viver a vida. Desde então, outros são os olhos postos em cima da gaúcha.

A caminhada foi longa. Não parece, mas ela já chegou aos 40, tendo triturado no seu liquidificador particular ingredientes amargos como a morte dos pais e o acidente de carro que lhe deixou cicatrizes no rosto, ambos quando ainda era jovem. Morte e marcas também rondam Beca, sua personagem na peça A toca do coelho, texto premiado de David Lindsay-Abaire, que faz três sessões no Recife - sexta (7, às 21h30), sábado (8, às 21h) e domingo (9, às 19h) - no Teatro RioMar. A gente conversou com a atriz:

Bárbara Paz/Foto: Divulgação/TV Globo Bárbara Paz/Foto: Divulgação/TV Globo

Do que fala A toca do coelho?

A peça é um drama familiar. Mostra a passagem do luto para a superação e aceitação de uma tragédia familiar; sobre de que forma você transforma isso, quando isso acontece. E o legal é que o Dan Stulbach [diretor] dirigiu de uma forma leve: tem humor. Apesar de chorar, a pessoa também ri... É sobre essa força que você tem que ter, apesar de. Você tem que acordar amanhã e viver. A mensagem é: 'e o que a gente vai fazer agora?' Agora é continuar. Não tem outra saída.

Você perdeu cedo seu pai, aos seis, e sua mãe, aos 17. O que essas perdas te ensinaram?

Para qualquer ser humano viver significa morrer. Para qualquer um, as perdas dão uma força que não se imagina... Não consigo nem lembrar quem eu era. Para mim não foi nem uma superação, foi continuação, foi sobrevivência. A peça não tem nada a ver comigo, porque nunca perdi um filho. Eu perdi os meus pais, sei o que é dor, sei o que é conviver com a dor. Todas as perdas nos fazem melhor e também nos envelhecem mais rápido, trazem maturidade, entendimento da vida... A vida é um instante e as perdas me deram uma urgência maior, de ter que fazer as coisas, de ter que me expressar. As mortes me deram uma urgência! Hoje eu me pergunto: 'e agora, o que vem mais?'. O que tem vindo são bons personagens... Alguém me falou um dia, faz tempo, que tragédias só acontecem para pessoas fortes, pessoas que vão conseguir segurar. Me tornou muito forte, você nunca vai ser como era antes. Você pode ser melhor, e deve. Pode não ser como você queria, mas vai ser melhor.

Bárbara no centro rodeada pelos colegas de elenco da peça: Neusa Maria Faro, Rafael de Bona, Reynaldo Gianecchini e Simone Zuccato/Foto: Priscila Padre/Divulgação Bárbara rodeada pelos colegas de elenco da peça: Neusa Maria Faro, Rafael de Bona, Reynaldo Gianecchini e Simone Zuccato/Foto: Priscila Padre/Divulgação

Cortar o cabelo, que antes escondia suas cicatrizes, foi como sair da toca?

Talvez. Acho que sim. Foi libertário. Eu digo que foi uma troca de casca. A vida... A gente tem que recomeçar de anos em anos. Senão fica numa nota só. E a minha vida não é uma nota só. É uma sinfonia [risos].

Aliás, você completou 40 anos em outubro, mas não parece...

Nem eu acredito [risos]. Mas é que hoje em dia os tempos mudaram. A mulher de 40 está bem melhor. Acredito nisso. É diferente do tempo da minha mãe, da minha avó. Me sinto melhor fisicamente, mais madura, bonita, com a cabeça melhor. Não me vejo com quarenta, que é quase a metade da vida... Aliás, é a metade da vida. Estou num momento bom, com personagens bons.

Na TV, inclusive, você tem tido personagens marcantes.

Sim, sou uma atriz de teatro, mas a televisão tem um alcance muito grande. A Rede Globo principalmente, pela qualidade. A Edith [personagem dela na novela Amor à vida] foi de uma repercussão... Eu falava: 'no momento em que esquecerem meu nome terei ganhado a parada'. Eu já ganhei, porque as pessoas ainda me chamam de Edith. Agora é Edith e não Bárbara Paz. Que ótimo!

Bábara Paz como Edite/Foto: Estevam Avellar/Divulgação/Globo Bábara Paz como Edite/Foto: Estevam Avellar/Divulgação/Globo

Qual personagem você persegue?

A Maggie, de Gata em teto de zinco quente, que eu estreio no ano que vem [com direção de Eduardo Tolentino, do grupo Tapa]. Só falta patrocínio. Continuo no desejo de personagens inquietos, problemáticos... Estou me especializando. Uma bipolar me cairia bem... [risos] Eu sou inconstante e a TV é um reflexo de quem você é, por mais que você construa a personagem. Talvez seja minha inquietude. Eu não sou uma cara comum. Não sou uma pessoa comum... Digo: talvez eu tenha algo, não sei te dizer, é mais fácil em cima do meu physique uma personagem mais conturbada. Não que eu não faça as outras... Vênus em visom, por exemplo, foi a peça pela qual eu fui mais indicada a prêmios e eu apareço de nariz de palhaço, levo minha experiência com circo. As pessoas não me veem como comediante, sou sempre a problemática. Mas também sou. Tenho dois lados fortes, posso andar pelas duas estradas... Em dezembro e janeiro gravo o filme Meu amigo Hindu, de Hector Babenco, com o William Dafoe, em São Paulo.

Falando em Hector Babenco, vocês não estão mais juntos, não é?

Olha, eu não gosto de falar de vida pessoal.

Isso torna difícil ser famoso? As pessoas têm interesse em saber...

Eu sou uma famosa que leva a minha vida normalmente. Não sou celebridade, sou atriz, e antes disso sou ser humano, uma cidadã. Sou muito simples no meu dia a dia. Se estou casada, namoro, é complicado... Ainda estou aprendendo a conviver com isso. Porque tenho que contar a minha vida a quem não me conhece? É uma coisa de preservar a intimidade. Quando a gente começa a virar famoso, a gente não tem noção. Depois começa a entender. Acho que venho aprendendo. Mas é uma pergunta que fica sem resposta [risos].

Atriz de cabelo longo, em foto que está no seu perfil no WhatsApp/Reprodução Atriz de cabelo longo, em foto que está no seu perfil no WhatsApp/Reprodução

Sobre a Casa dos artistas, o que ficou de saldo - tanto positivo quanto negativo?

Já se passaram 13 anos... Para mim foi muito bom, positivo. Fiquei muito conhecida. Até demais. Acho que apareci como Bárbara Paz, mas como uma personagem de mim mesma. Afastou a credibilidade sobre o meu trabalho, porque eu era atriz de teatro, e até inverter - acho que já inverteu o jogo - demorou. Foi bom porque me jogou no olho do furacão, que são a mídia e o público, de uma forma muito rápida e tive que mostrar mais rápido a que vim. Não vim para ser uma celebridade, vim para ser atiz. Desde 2001 [ano do reality show do SBT] fiz 12 peças - ou seja: não saí do teatro, era uma por ano. Não perdi o meu foco. Quando você faz um programa popular, você pode perder o foco, seu real desejo, sua real ambição. Foi só ter a cabeça boa no lugar. Comprei minha casa, ganhei dinheiro, mas tive que costurar a minha carreira de novo. Minha estrada como atriz foi mais longa. O saldo é positivo, acredito. Sou superimpulsiva: aconteceu porque tinha de acontecer. Eu não sou quem eu sou se não tivesse passado por lá. Faz parte da minha trajetória. Cada um tem a sua, e a minha é essa.

A atriz em foto recente, postada no seu Instagram/Foto: Reprodução Instagram A atriz em foto recente tipo "modelete"/Foto: Reprodução Instagram

Quanto ao Recife [Bárbara interrompe, eufórica]...

Amo! Amo os pernambucanos! Digo que o foco da cultura brasileira está aí. Amo o cinema pernambucano. Acho que é o melhor cinema feito no Brasil. A música também. Gosto muito dessa terra. Muitas vezes vejo algo de que gosto e quando pergunto de onde é, é de Pernambuco. É muito cru, no sentido belo da palavra. Não se vende ao mercado grande. É a essência. Isso é o belo de que falo. É isso que me interessa. As pessoas estão se vendendo muito para o mercado e acabam perdendo a essência, que é o mais belo.

Essência é uma palavra que, notei, você usa sempre.

É. A gente nunca pode perder quem a gente é. A gente se perde em muitos momentos. Você tem que voltar sempre às origens, senão...

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