Assexualidade: uma questão de identidade

Mirella Martins
Publicado em 06/08/2016 às 16:00
assex Foto:


Você já ouviu falar em assexualidade? Conhece alguém assim? Grupo de pessoas com nenhum  - ou quase nenhum -  interesse sexual por pessoas, sejam elas do mesmo sexo ou do sexo oposto. O beijo, a troca de olhares e os arrepios estão mais ligados ao emocional. Não é doença. É bom deixar bem claro, mas é considerada uma manifestação relacionada à sexualidade humana. Não tem motivo específico e nem se sabe se é provocada por uma hipoatividade, frigidez, transtorno psicológico ou celibato.

A psicóloga e orientadora sexual, Julieta Jacob, confirma que o desinteresse sexual não tem relação com a castidade. "Estima-se que cerca de 1% da população mundial seja assexual, número que tem aumentado à medida que se difundem informações sobre o assunto, pois muita gente se identifica com ela, mas não sabe nomear o que sente. E, numa sociedade que valoriza tanto o sexo como a nossa, é comum que essas pessoas sejam taxadas de "doentes", quando na verdade elas apenas manifestam a sua sexualidade de uma forma diferente da maioria", conta.

"Assexual e Orgulho"/Fotos: Reprodução da Internet

Ainda muito discutido pela Asexuality Visibility and Education Network - mais conhecida como Rede de Educação e Visibilidade Assexual -, o tema gera algumas dúvidas. "Na prática, entretanto, nem sempre é simples assim, já que é possível ser assexual praticando ou não sexo (sim, o fato de ter tido relações no passado ou de desejar ter agora não impede que a pessoa seja assexual), beijando ou não beijando, amando ou não amando. Assexuais também podem se masturbar. Refere-se, portanto, a uma identidade subjetiva que só cada pessoa é capaz de "classificar" e se auto-denominar", completa Julieta.

PANROMÂNTICO

Existem também os panromânticos; sãos grupos de assexuais românticos; eles sentem atração - amorosa ou sexual, por pessoas, independente do seu gênero. Geovane Sotinho Santos, 17 anos, de Cabo Frio, se identificou assexual durante uma conversa com a irmã.

Eu me identifiquei assexual quando eu estava conversando com a minha irmã e, após vários questionamentos, perguntei se eu era uma pessoa com algum defeito ou até mesmo quebrado, pois eu não gostava de sexo e nunca liguei para isso - já que é algo "importante para muitas pessoas". Ela, em seguida, me contou que eu sou assexual. Inicialmente, não sabia o que era assexualidade, mas, quando descobri, pude perceber que eu não era o único - e isso me deixou muito feliz. Faz um ano que eu me identifico como panromântico, com muito orgulho. Quando falo para as pessoas que eu sou assexual, a primeira pergunta é: "Nossa como você consegue ficar sem algo tão bom?" Com calma, e eu explico sobre a assexualidade, e elas sempre falam: "você é assim porque ninguém te pegou de jeito", mas isso parte de algumas pessoas, porém o mais difícil é a aceitação da família. "É apenas uma fase", dizem. De qualquer forma, eu sou muito feliz.

Geovane Sotinho Santos

O arquiteto e urbanista Augusto*, 26 anos, de São Paulo, se identificou assexual após quatro anos de namoro, sem relacionamento sexual, o que o deixou assustado e reflexivo. Com a autoanálise, descobriu-se transexual. Hoje, ele supõe que a inadequação ao corpo influenciou na sua assexualidade.

Sinceramente, a assexualidade é o que menos chama atenção das pessoas. Algumas se surpreendem e me falam que achavam que eu fazia muito sexo e adorava sexo; algumas simplesmente falam: "Ok, isso é normal, existem outras pessoas como você". Mas já passei por um profissional de saúde, que afirmou que a resolução dos meus problemas - depressão, ansiedade e a transexualidade - se resolveriam se eu fizesse sexo. Acredito, inclusive, que isso é algo meio obscuro para a maior parte das pessoas. Muitos nos chamam de "assexuados", o que não é verdade, pois temos "sexo" e podemos nos relacionar com pessoas; no entanto, acreditam que somos celibatários ou que estamos nos resguardando para o casamento. Tudo isso se intensifica porque vivemos em uma sociedade onde o sexo é considerado algo muito importante e, caso você se vire contra essa afirmativa, não estará "aproveitando o melhor da vida". Melhor: "Sua vida sempre será incompleta". Para todos os lugares que olhamos, vemos a hipersexualização. Infelizmente, é bem complicado para algumas pessoas aceitarem a normalidade em não gostar e não querer fazer sexo.

Augusto*

Foto: Reprodução da internet

DEMISSEXUAL

Existem também os demissexuais. Trata-se de um meio termo entre a assexualidade e as outras orientações. São pessoas, cuja atração  se dá esporadicamente ou quando se envolvem emocionalmente com outras pessoas. Aos 23 anos, a estudante Alice*, da Paraíba, percebeu a assexualidade ao ler relatos de outras pessoas.

Assexualidade, pra mim, é parte da minha identidade. Como demissexual, uma das sexualidades do espectro sexual, isso é muito mais que um rótulo ou um "pós modernismo". Quando eu me identifiquei desse modo, pude compreender melhor o modo como me relaciono e como crio vínculos emocionais com pessoas. Me identifiquei lendo relatos. Resumidamente, vi alguém sitando a assexualidade, e eu, como curiosa, fui atrás. Depois de um tempo, que percebi que me encaixava no que chamamos de "área cinza" - pessoas que sentem atração sexual de maneira muito específica. Eu precisei de um tempo até aceitar o fato e compreender isso é parte de quem eu sou. Encontrei na comunidade pessoas que se identificam com meus relatos, encontrei outras com as quais eu me identifiquei. Isso tudo aconteceu há uns dois anos, quando tive todo um processo de digestão da informação e de aceitação. Ao assumir, eu mesma sabia pouquíssimo sobre assexualidade e a maioria das pessoas reagiu de maneira jocosa, sem acreditar em mim pelo fato de eu já ter tido um relacionamento amoroso (o único até então) que durou muito tempo. Hoje, ainda tenho pessoas ao meu redor que insistem em ignorar minha sexualidade e às vezes eu deixo passar para não ter que enfrentar uma dor de cabeça e a pessoa negando minha sexualidade.

Alice*

Vídeo: Reprodução/Erosdita - Julieta Jacob

*Augusto e Alice são nomes fictícios para proteger a integridade dos entrevistados

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