"A causa feminista é uma causa humana. O machismo oprime também os homens"

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 27/03/2018 às 14:02
Antonia Pellegrino, Juliana Santos e Bruna Linzmeyer, na Dona Santa - Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem
Antonia Pellegrino, Juliana Santos e Bruna Linzmeyer, na Dona Santa - Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

A frase-título, acima, é de Ricardo Franca Cruz, diretor de Redação da revista GQ, numa noite de conversa sobre feminismo. De cara, causa estranheza o fato de um homem - hétero, diga-se - falar sobre o assunto. Há, inclusive, vertente radical do feminismo que não aceita o homem na sua luta. Não é o caso do projeto #GQporElas, que promoveu talk show, segunda (26), na loja Dona Santa, no Recife, com as participações da roteirista Antonia Pellegrino e da atriz Bruna Linzmeyer, ambas mulheres feministas.

Antonia, editora do blog feminista Agora É Que São Elas, da Folha de S. Paulo, assina como editora convidada na edição de março da GQ. Feita para homens, a revista resolveu falar sobre feminismo, por entender que eles podem ser aliados. E não só por isso: o feminismo, sendo uma luta contra a estrutura machista, estende a mão também a homens - pesquisa recente do Instituto Avon revelou, entre outros números, que 45% dos entrevistados gostariam de não se sentir obrigatoriamente responsáveis pelo sustento da casa; 45,5% têm vontade de expressar-se de maneira menos dura ou agressiva; 54% desejam mais liberdade para explorar hobbies que não assumem sob a pena de terem a orientação sexual sob julgamento.

Não se trata de vitimizar o homem, nem apenas de fazê-lo despertar como parte também oprimida pelo machismo. Trata-se também de estimular ao exercício da empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro - e, assim, contribuir para a luta levantada pelas mulheres, por ser justa. "Temos que trabalhar a empatia com as mulheres, com o ser humano em geral, e tentar entender: se você estivesse naquele lugar, você gostaria de ser tratado daquele jeito, você aceitaria?", provocou Ricardo. Bruna compartilha exercício que pratica com as suas personagens: "E se eu inverter o gênero? Eu penso: 'e se essa personagem fosse um homem? Ela estaria sendo tratada assim? E se a filha fosse homem?'". "É papel de cidadão do homem, hoje, se colocar no lugar", concluiu a atriz.

Bruna Linzmeyer - Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

O desafio da revista, contou Antonia, foi saber como falar de feminismo a fim de que os homens tornem-se aliados. "Tem muito preconceito sobre o que é feminismo. A gente quer uma reconexão que seja mais harmônica. Existem também muitos homens incomodados com as exigências sobre o que eles devem ser... ser provedor, superprotetor...", enfatizou Antonia, sobre os números adiantados acima.

A GQ de março, portanto, foi realizada quase toda por mulheres, e fala sobre mulheres. Na capa, quatro atrizes revezam-se falando sobre feminismo: Bruna Linzmeyer, Camila Pitanga, Leandra Leal e Taís Araújo. No recheio, a musa - antes, uma mulher seminua - é a feminista e mestre em filosofia Djamila Ribeiro. Sobre a proposta, o diretor da publicação é enfático: "Não tem um homem com a cabeça no lugar que não queira um mundo igualitário". No entanto, confessa que, ao tocar sobre o assunto com amigos, foi "alvo de chacota".

O caminho é sem volta. Com a edição especial, a revista deve, editorialmente, fazer escolhas mais conscientes, em se tratando de gênero. E não serão escolhas apenas ideológicas: no mercado automobilístico, por exemplo, as montadoras já assimilaram que carros não são masculinos nem femininos. Há designers mulheres pensando contratadas pelas gigantes para pensar nas mulheres para além daquelas que, na propaganda tradicional, as colocavam como meras incentivadoras dos maridos na hora de comprar. A Jaguar, para ser mais ilustrativo, contratou a atriz Mariana Rios como garota-propaganda. O mundo está mudando.

"A gente não vai deixar de mostrar a mulher de um jeito sensual, mas do ponto de vista feminino", explicou Ricardo. "Ainda não temos números de vendas, mas não estou interessada. O processo é que interessou. A revista tinha coisas muito podres. A musa era podre, era bunda... Mas a gente não tinha percebido isso. Nem consigo mais olhar para os editoriais. A gente cresceu muito", confessou Daniela Falcão, diretora-geral das Edições Globo Condé Nast, que edita a GQ. "A gente nunca mais vai ser como já foi um dia", completou.

Antonia Pellegrino, Juliana Santos, Bruna Linzmeyer, Ricardo Franca Cruz e Daniela Falcão participaram do talk show, com perguntas do público - Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem

O que é feminismo X Quem é feminista

No talk show, Antonia Pellegrino disse que tem várias definições para feminismo, mas compartilhou a que mais gosta: "É uma aventura existencial. É notar coisas intoleráveis, que você não percebia antes. Isso é uma aventura existencial enorme. Eu acho que é um convite às mulheres pra fazer uma descoberta sobre si mesmas, que é única". "Você não desvê mais. É uma loucura, é realmente botar um novo filtro para ver a vida", falou Bruna Linzmeyer sobre quando a pessoa abre os olhos para a causa.

Com relação a quem são as feministas, Antonia soltou: "Existem muito mais feministas entre nós do que a gente próprio percebe". Deu como exemplo tanto Lília Santos, que fundou a Dona Santa, loja onde aconteceu o evento, por ter empreendido e saído do lugar-comum dado às mulheres, ainda mais à época; quanto citou uma mulher de uma classe desfavorecida, mãe solteira, e que trabalha bravamente.

Em outro recorte, também se falou sobre atitudes machistas de mulheres, muitas vezes sequer notadas. "Na fala, têm coisas, às vezes, muito sutis. Você poder ser uma mulher trabalhadora; você e seu marido dividem responsabilidades, mas ainda têm uma tendência de, por exemplo, se perguntarem 'qual a principal característica da sua filha?': 'ela é bonita'", disse Daniela Falcão.

Sobre um homem abrir a porta para uma mulher: é gentileza ou machismo?

Para a questão acima, Antonia Pellegrino relatou que o namorado [o deputado carioca Marcelo Freixo] se sente bem em abrir a porta para ela, e isso não lhe incomoda, mas fez ponderação: "Agora, um homem que abre a porta do carro, mas, quando a mulher chega em casa, não pergunta como foi o dia dela, por exemplo... Ou é uma conduta dele - se ele é uma pessoa que chega em casa e também tira a mesa, lava a louça, troca com a mulher de maneira igualitária -; se ele tem um jeito de ser harmonioso e constante, ou...".

O que Antonia deixou sugerido na fala informal tem a ver com a ideia da fragilidade da mulher em relação ao homem, o que a coloca como inferior. "A maioria das mulheres pode, biologicamente, ter o corpo menor, mas isso não significa que todas as mulheres sejam mais frágeis. Tem muitas mulheres mais fortes do que homens, homens mais fracos do que as mulheres. É uma condição humana", analisou Bruna Linzmeyer sobre o mito da fragilidade.

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