"Não precisa mais estar fantasiado de durão", diz Mário Queiroz sobre como o homem pode se expressar com a moda

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 15/03/2019 às 17:54
Mário Queiroz esteve, este ano, no Marco Pernambucano da Moda - Foto: Matheus Pedrosa / Divulgação
Mário Queiroz esteve, este ano, no Marco Pernambucano da Moda - Foto: Matheus Pedrosa / Divulgação

A máxima que diz "homem é tudo igual" é um daqueles sofás em que a gente senta e afunda, entregando-se a certa inércia; é um conforto preguiçoso, porque se contenta com uma generalização. Se ninguém é igual, nós, homens, também não; as masculinidades estão aí. O termo, assim no plural, diz respeito a outro entendimento sobre o homem - o de que há vários jeitos, ou tipos, de sê-lo. Assim, admitimos, por exemplo, que o sujeito não precisa ser um brucutu nem um desleixado para afirmar-se como exemplar do sexo masculino. E que, naturalmente, ele pode se expressar através da moda, pois esta é uma das maneiras possíveis de se comunicar.

O designer, consultor e professor Mário Queiroz, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, já criou muitas roupas para homens e também investiga o que eles vestem. Nos anos 2000, debruçou-se sobre, digamos, as movimentações masculinas que via acontecer. A dissertação rendeu o livro "O Herói Desmascarado - A Imagem do Homem na Moda". "Quando, hoje, a mulher tem mais poder, o homem não é mais o único provedor da casa, não é grosseiro e precisa também cuidar da imagem...", expõe ele, ao desconstruir - ou re-significar - o arquétipo de herói.

"Se antes ele se colocaria muito duro, hoje é um pai mais participativo - talvez seja ele quem fica com a criança, se a mulher tiver um emprego melhor. Isso já é uma realidade e muda tudo. Passa a não existir uma coisa só de homem ou só de mulher", continua o professor, que credita essa movimentação e pluralidade das masculinidades ao novo feminismo, que empoderou as mulheres e, assim, vem flexibilizando homens e provocando mudanças nas relações - que passam, sim, pela autoimagem e as maneiras de se expressar. "Não precisa mais estar fantasiado de durão. Uma mulher inteligente não quer ter um cara que não sabe se expressar, e moda é expressão."

E não só nas relações amorosas, mas também na inserção no mercado: "Se você não for criativo, não tem trabalho. Hoje, o homem precisa se destacar. Ser careta não é legal".

Mário Queiroz em palestra no Marco Pernambucano da Moda - Foto: Matheus Pedrosa / Divulgação

Toda a curiosidade de Mário Queiroz ao iniciar a pesquisa girava em torno do porquê o homem do século 20 uniformizou-se, a despeito dos séculos anteriores. Primeiro, tome para análise, por exemplo, uma vestimenta da Era Vitoriana, sem pudor nas peças que os homens vestiam. Segundo, saiba que rosa para meninas e azul para meninos é algo dos anos 1940 (!). Até então, era branco para todos, sem comercialização de gênero na moda. Ou seja, rosa para elas e azul para eles, é puro comércio.

Mas voltando à pesquisa de Queiroz, justamente lá nos anos 2000, David Beckham quebrava o estereótipo masculino em Londres, e repercutia mundo afora, ao provocar com a própria imagem - "Um cara hétero, casado com uma Spice Girl [Victoria], podia pintar a unha, pintar o cabelo, fazer a tatuagem que quisesse... Isso muda tudo!". Pergunto se, no Brasil, seria o caso de Neymar. "Ele e outros jogadores abrem espaço para vaidades. O jogador de futebol passou a ser símbolo de alguém que gasta com moda, porque ele está sempre grifado. E isso influencia muito os homens."

Sendo o futebol a paixão brasileira que é, e os jogadores os heróis que são...

"Eu tenho sentido uma elasticidade; há uma coisa muito mais à vontade, outra linguagem", fala o designer e professor, idealizador do evento Homem Brasileiro, que discute masculinidades e faz edição em agosto, em São Paulo. Ele cita, ainda, o aumento do consumo de cosméticos por homens. Para além do desodorante. Segundo a Euromonitor International, empresa global de inteligência estratégica de mercado, a indústria de produtos de beleza para eles, no mercado brasileiro, cresceu cerca de 69%, nos últimos cinco anos, quando a média global ficou em torno dos 26%. E a expectativa é ambiciosa, de se dobrar.

Não há dúvida de que habemus novos homens, e eles têm se expressado mais através da moda. Não com o rótulo da "moda masculina" - que se convencionou dentro de um padrão de modelagens tradicionais e em tons sóbrios -, e sim com possibilidades.

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