"A morte é a sensação violenta da vida", nos disse Francisco Brennand, na última vez em que o entrevistamos, há cinco anos, para o Natal de 2014. Naquele encontro de mais de 1h, o artista plástico - que morreu nesta quinta (19), aos 92 anos, devido a um quadro de pneumonia - nos falou sobre quem era ele, a vida e a morte, a velhice e o amor, com a inteligência que, junto à sua arte, lhe tornaram um notável. É com a sabedoria dele sobre esses assuntos tão caros à existência humana que nos despedimos do artista e abraçamos o seu legado.
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O especial de Natal publicado em 2014, na íntegra, você lê aqui: Com Francisco Brennand, vida e arte. Entrevista de Romero Rafael, fotos de Dayvison Nunes e vídeos de Luiz Pessoa, realizada no hoje Instituto Oficina Cerâmica Francisco Brennand.
Acompanhe:
"Eu sou um fabricante de ídolos"
Para Francisco Brennand, de todos os visitantes que recebeu na Oficina, a bióloga chilena Cecilia Toro foi quem melhor falou sobre seu trabalho. Ela desenvolveu o estudo "Brennand: as matrizes da vida", em que enxerga nas obras do artista formas primitivas de vida. Comparação possível graças à pesquisa de seres como vermes, feitas por Cecilia em microscópio de varredura. "Foi para mim de uma utilidade enorme: eu não estava trabalhando com formas inexistentes!", exclamou ele, dizendo-se fabricante de seres com vida.
"A vida é um enigma; esse enigma é o próprio Deus"
A vida e o tempo eram para Francisco Brennand enigmáticos. E nisso ele se confortava: "Não é claro, é turvo, e isso me faz dormir em paz, porque senão eu não dormiria". "Nós pensamos e partimos de um zero à esquerda e nos projetamos para um infinito... Acho que é um abuso de confiança. Acredito mais num eterno retorno, num tempo circular, e que não há nada de novo. Acredito que as coisas que aconteceram estão acontecendo e irão acontecer. Mas vocês [jovens] podem ter esse privilégio de pensar que somos novos. Eu já não tenho."
"A velhice não é boa para ninguém"
Quando confrontado com o envelhecer, Francisco Brennand relembrou a juventude do ponto de vista físico, dos movimentos já não mais possíveis com a idade avançada. Rememorou: "Eu cultivei muito na juventude a natação - o nado é uma maravilha! Fiz pesca submarina, jogava futebol, tênis, voleibol, basquete, tudo igualzinho aos outros. Apenas os meus interesses pela literatura e pintura foram se intensificando, e eu preferi ir para a Europa, que marcou a minha vida para sempre. E, se ser um pintor é não ser ninguém, então eu sou ninguém".
"A morte é obscena"
O artista, que contou ter como medo o que pudesse ocorrer a ele ou aos seus ("Leia o jornal com atenção e se você não tiver medo você é um herói"), achava a morte uma violência: "A morte é a sensação violenta da vida; é o contrário da vida". Também discordava das cerimônias mortuárias. Há tempo deixara em testamento que queria ser cremado; sobretudo, por causa da sua relação com o fogo. Sobre desejos póstumos, falou-nos, à época, da manutenção da Oficina e da obra que lá está, algo concretizado neste ano com a fundação do Instituto Oficina Cerâmica Francisco Brennand. "É o meu legado."
"Ela protegeu a minha retaguarda"
"Pela primeira vez que a vi, com aqueles olhos claros, ela era baixinha, linda, linda, maravilhosa...", descreveu Brennand recordando-se da ex-mulher, a poeta Deborah Brennand, com quem viveu por cerca de 20 anos e com quem gerou as filhas Maria Helena e Neném Brennand. Os dois se conheceram no Colégio Oswaldo Cruz, no Recife. "Eu cometi a ignomínia de retirá-la da Faculdade de Direito do Recife. Propus a ela casamento e uma viagem a Paris. Ela viajou comigo."
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