Ex-jogadora de vôlei Ana Paula associa negros a números de crimes nos EUA e é rebatida por colega

Anneliese Pires
Anneliese Pires
Publicado em 07/06/2020 às 9:53
ana paula FOTO:

Duas ex-jogadoras da seleção brasileira de vôlei estão no meio de uma polêmica. Neste sábado, após Ana Paula Henkel ser acusada de racismo nas redes sociais por causa de uma postagem no Twitter, Isabel Salgado publicou um texto em resposta.

Isabel divulgou uma carta pública destinada criticando posicionamentos da ex-colega, influenciadora digital da direita brasileira. Ana Paula é uma ativa defensora de pautas conservadoras e tem feito declarações em redes sociais sobre as manifestações pela morte de George Floyd, ocorrida no final de maio depois de uma ação do policial Derek Chauvin na cidade de Minneapolis. Especialmente o seguinte post que publicou no Twitter: "12% negros, 62% dos roubos, 56% dos assassinatos. Faça as contas". Ela, que mora nos Estados Unidos, não explicou, no post, o que os números significavam.

"Talvez pelo fato de você ter se casado com um americano branco, você tenha sentido a necessidade de se alinhar a uma branquitude, que tem como uma de suas características principais a incapacidade de perceber o seu lugar de privilégio, uma branquitude que naturaliza o lugar de poder branco e torna a supremacia branca uma norma. Afinal, sabemos que ser imigrante por essas bandas daí não é muito fácil, ainda mais com um biotipo latino", escreve Isabel, na carta. Isabel afirmou que se sentiu constrangida e incomodada com o posicionamento de Ana Paula e que essas opiniões não refletem o nome do vôlei: "Sorrisos doces em corações azedos".

"É que o seu nome está ligado ao vôlei, esporte que pratiquei durante muitos anos e, infelizmente, muitas pessoas generalizam esse tipo de fala e me perguntam se as jogadoras de vôlei são, na sua maioria, de extrema direita. Nesses momentos, eu sempre tento explicar que você está longe de representar um perfil do vôlei feminino brasileiro. E que, na verdade, o vôlei, assim como a maioria dos campos profissionais e atividades, não pode ser enquadrado em algum perfil ideológico", destacou Isabel.

Isabel afirmou, ainda, que as postagens da ex-jogadora são recheadas de preconceito, falta de respeito, ignorância e irresponsabilidade com o processo de combate ao racismo no mundo. "Você posta constantemente frases e ideias que destilam muito preconceito. Mas o seu último post foi a gota d’água e me chocou e revoltou pela profunda ignorância e irresponsabilidade. Sua falta de conhecimento a respeito do racismo e do que ele significa são atrozes", escreveu.

Para finalizar, Isabel destacou que a colega deve tomar cuidado e ter consciência de sua responsabilidade social, já que é uma pessoa conhecida e com milhões de seguidores nas redes sociais. "Usando as redes como tem usado, você presta um desserviço no processo de combate ao racismo. Vidas negras importam!" finalizou.

Com mais de 600 mil seguidores no Twitter, Ana Paula tornou-se uma das vozes mais ativas na defesa de pautas conservadoras. Morando nos Estados Unidos e casada com um ex-jogador norte-americano, ela costuma fazer defesa efusiva do presidente Donald Trump e mostrar alinhamento com a agenda do brasileiro Jair Bolsonaro.

Outras duas que tem se posicionado contra as falar de Ana Paula, são a também ex-jogadoras de vôlei Ana Moser e Fabi Alvim.

Leia a carta de Isabel na íntegra:

Carta a Ana Paula Henkel,

Ana Paula, depois de ver algumas de suas postagens, tive vontade de te responder. Como nunca tive paciência para redes sociais, fui deixando passar. De mais a mais, não há como esquecermos o fato de que as redes estão aí para dar voz a todos: muitas pessoas fantásticas e muitos.... Esse é o preço da chamada democracia digital - que sempre deve ser debatida, é claro -, mas vamos ao que interessa no momento. Antes, preciso admitir também que sempre me senti constrangida quando lia as suas postagens. É que o seu nome está ligado ao vôlei, esporte que pratiquei durante muitos anos e, infelizmente, muitas pessoas generalizam esse tipo de fala e me perguntam se as jogadoras de vôlei são, na sua maioria, de extrema direita. Nesses momentos, eu sempre tento explicar que você está longe de representar um perfil do vôlei feminino brasileiro. E que, na verdade, o vôlei, assim como a maioria dos campos profissionais e atividades, não pode ser enquadrado em algum perfil ideológico.

Explico, também, para essas pessoas, que talvez pelo fato de você ter se casado com um americano branco, você tenha sentido a necessidade de se alinhar a uma branquitude, que tem como uma de suas características principais a incapacidade de perceber o seu lugar de privilégio, uma branquitude que naturaliza o lugar de poder branco e torna a supremacia branca uma norma. Afinal, sabemos que ser imigrante por essas bandas daí não é muito fácil, ainda mais com um biotipo latino.

Durante o período colonial, o psiquiatra Frantz Fanon explicou bem o surgimento e a formação desse desejo de identificação com o opressor entre muitos colonizados. Trata-se de uma neurose que o leva a um comportamento adoecido e alienado, por não conseguir lidar com a realidade que o cerca. A história nos ensina que o colonialismo acabou, mas ela também nos mostra que ele permanece com roupas neocoloniais. O vídeo que postou da jovem negra é exemplar de como permanece essa alienação.

Temos aqui no Brasil um exemplo caricatural desse comportamento desequilibrado: o presidente da fundação Palmares. Por isso, te sugiro prestar atenção ao que está acontecendo a sua volta. Existem muitas pessoas que não conseguem sair desse comportamento negacionista do racismo, que se manifesta de muitas formas e em muitos graus; da mais sutil negação à mais exacerbada patologia, que leva o sujeito dizer que a escravidão foi uma cirscustância benéfica para os negros, como fez o senhor Sérgio Camargo.

Você posta constantemente frases e ideias que destilam muito preconceito. Mas o seu último post foi a gota d'água e me chocou e revoltou pela profunda ignorância e irresponsabilidade. Sua falta de conhecimento a respeito do racismo e do que ele significa são atrozes. Infelizmente, o racismo existe no Brasil, nos EUA e no mundo, e muitas pessoas ainda são incapazes de enxergar uma realidade que grita com todos os pulmões. Se você quer usar dados estatísticos como argumentos, procure fontes sérias e não tendenciosas. Aí você vai entender que o racismo é um dado estrutural, que atua na política, na economia e na subjetividade, como explica tão bem o filósofo Sílvio Almeida.

Sua apologia ao governo Trump reflete muito mais o seu mal estar e quiçá o desejo de pertencimento a uma sociedade que você imagina respaldar apenas valores WASP, uma sociedade que precisou mostrar ao mundo as mais assustadoras formas de violência racial, até surgirem as primeiras grandes mudanças com Martin Luther King. Felizmente, o racismo não só empobrece o ser humano, mas também produz cada vez mais força e resistência. E é isso que está acontecendo nesse momento nos EUA, quando milhões de pessoas de todos os grupos étnicos se unem para demonstrar o seu repúdio ao racismo que ainda atinge sobretudo os negros.

Observe atentamente a sua volta e verá que, no momento atual, a sociedade americana parece estar no caminho de mais uma mudança e mais uma conquista no rumo da igualdade.

Peço que considere a responsabilidade de ser uma pessoa com milhares de seguidores também no Brasil. Preste mais atenção ao que diz, antes de postar sobre um tema tão sério. Leia os historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas de várias áreas que discutem as formas e as consequências do racismo ou, pelo menos, demonstre um pouco de consciência diante do negacionismo e das barbaridades que estão acontecendo no Brasil. São tantas que se torna difícil destacar apenas uma. Se não consegue ter empatia diante da dor alheia, melhor ficar em silêncio.

Usando as redes como tem usado, você presta um desserviço no processo de combate ao racismo. Vidas negras importam!.

Ana Paula Henkel usou o Twitter para agradecer o apoio de seguidores diante do que ela chamou de um ataque orquestrado contra ela e para ameaçar de protesto quem a chama de racista. "Não tenho palavras para agradecer as milhares de mensagens de apoio e carinho diante do orquestrado ataque ao meu nome e minha índole. E é exatamente nessas horas que entendemos o termo 'maioria silenciosa', soldados que aparecem contra a injustiça e a covardia. Muito obrigada", escreveu

Veja também a sequência de tweets de Ana Paula:

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